No momento em que o Brasil almeja ser liderança global no combate às mudanças climáticas, o país está prestes a renovar subsídios para combustíveis fósseis. Aprovado na semana passada, na Câmara dos Deputados, o marco legal das eólicas offshore (em alto mar) incluiu um regime para recontratação de térmicas a carvão até 2050.
A pauta, que seguiu para análise no Senado, passou às pressas na véspera da 28ª Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (ONU), a COP28, realizada em Dubai. A ideia era que o marco fosse apresentado como um cartão de visita das boas práticas brasileiras, mas o texto inclui pelo menos sete "jabutis" que propõem o aumento de subsídios — conta que sobrará para o consumidor pagar.
Os jabutis são trechos que pegam carona no projeto original, sem relação direta com a matéria, com o objetivo de serem aprovados sem alarde. O texto incorpora mudanças na obrigatoriedade de contratação de energia de termelétricas a gás natural vinculada à privatização da Eletrobras, e determina a compra de energia de reserva gerada a partir do carvão mineral. As térmicas a carvão com contratos que vencem até 2028 terão seus acordos renovados até 2050, com inflexibilidade de 70%.
No relatório, a justificativa que "as termelétricas a carvão mineral têm um papel relevante a desempenhar em termos de segurança do abastecimento de energia elétrica durante o período de transição energética". Entidades e especialistas do setor elétrico já se manifestaram contrariamente ao subsídio às térmicas.
Segundo o presidente da Frente Nacional dos Consumidores de Energia, Luiz Eduardo Barata, "fomos à COP com um time enorme para nos tornarmos protagonistas na pauta sustentável, enquanto o Congresso aprovou um pacote que é uma verdadeira agressão ao meio ambiente. Nós consideramos isso uma piada", criticou.
De acordo com entidades que representam os consumidores de energia, o projeto poderá ter um impacto de R$ 28 bilhões a R$ 40 bilhões para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE). O valor será repassado aos consumidores a partir de 2028 e é considerado inflacionário.
O principal jabuti custará cerca de R$ 16 bilhões e derruba o preço-teto do gás que será comprado para suprir as térmicas em estados que não têm gás canalizado, nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste a partir de 2026. A construção dessas usinas foi tornada obrigatória no processo de privatização da Eletrobras.
"Essas usinas estão alocadas em regiões onde não tem gás e não tem consumo. Significa que vão gerar mesmo que a gente não precise delas. Ou seja, não é uma iniciativa para o bem do consumidor. É um benefício para o empreendedor de térmica a gás", frisou.
Projetos
Um levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI) deste ano enumerou 56 projetos sobre o setor elétrico apresentados ao Legislativo propondo aumento de subsídios ou de encargos para o consumidor. "Os consumidores não aguentam mais pagar essa conta. Somos um país pobre, com todas as condições de ter uma energia barata e temos uma das mais caras do mundo. Esse custo se dá por conta de encargos e tributos. E o que nós estamos vendo são movimentos para aumentar esses encargos, isso que nos deixa surpresos", explicou Barata.
Entidades da Coalizão Energia Limpa e do GT Energia e Clima, do Observatório do Clima, assinaram um manifesto contrário ao projeto e afirmaram que vão tentar reverter as distorções no Senado. "Recomendamos, enfaticamente, que o PL 11.247/2018 seja alterado, de forma a corrigir os potenciais impactos aos consumidores, às populações afetadas pelos projetos, ao meio ambiente e à transição energética justa. E que o texto fique restrito apenas ao assunto original — o marco regulatório das usinas eólicas offshore", observa um trecho do manifesto.
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