Uma semana depois da festiva e representativa posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no seu terceiro mandato, o país foi surpreendido com o mais violento ataque às instituições democráticas desde o golpe militar de 1964. O 8 de janeiro de 2023 entrou para a história do Brasil como um dia de agressão ao regime das eleições diretas e gerador das mais degradantes imagens de vandalismo contra as sedes dos Três Poderes, quando seguidores do ex-presidente Jair Bolsonaro, um apologista da ditadura, promoveram destruição no Palácio do Planalto, no Congresso Nacional e no Supremo Tribunal Federal (STF).
Uma tarde que nunca será esquecida. Um 8 de janeiro que equivale ao ano inteiro e que seguiu lembrado nos meses subsequentes. A força da reação das instituições impediu, porém, consequências mais danosas. Se por um lado o episódio exibiu cenas que rodaram o mundo, por outro, o dia seguinte mostrou a união das instituições atingidas, nos braços dados entre os presidentes dos Três Poderes, atravessando do Planalto ao STF a pé, após a descida da rampa.
O fato consumiu todo o 2023. No Congresso Nacional, foi instalada uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), que expôs os responsáveis pelos crimes cometidos naquela tarde.
A relatora do colegiado, senadora Eliziane Gama (PSD-MA), pediu o indiciamento de 61 acusados de responsabilidade pela violência, entre os quais, Jair Bolsonaro. O ex-presidente foi citado por associação criminosa, violência política, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado.
O STF passou o ano condenando, com penas altas, os responsáveis pelos atos do quebra-quebra, julgamento que ainda não terminou. A Justiça do Distrito Federal sentenciou os envolvidos na tentativa de explosão de um caminhão cheio de combustível de avião, estacionado nas proximidades do aeroporto de Brasília, na véspera da noite de Natal de 2022.
Na frente do juiz, teve acusado que chorou, que pediu desculpas e até que disse que nem sabia o que estava fazendo ali. Os patriotas do 8 de janeiro juram que não queriam derrubar governo algum. O mesmo argumento é usado por parlamentares bolsonaristas, que até acusaram o governo Lula de culpa, sob a alegação de ter permitido que a horda de baderneiros e golpistas adentrasse aos prédios.
Ante o tamanho da violência, surpreende não ter havido registro de morte naquelas horas de terror. O policial legislativo Adilson Ferreira Paz esteve na linha de frente e fez um relato que impressiona. Ele trabalha na Câmara e, naquele domingo, esteve no enfrentamento — termo que usa — aos vândalos bolsonaristas.
"Foi um enfrentamento mesmo, contra um grupo muito heterogêneo, que veio para combater, e bem preparado, com roupas camufladas e máscaras antigás. Eles sabiam o que estavam fazendo, aonde estavam indo e o que queriam. Foi tenso, mas conseguimos proteger e preservar o plenário, símbolo maior da democracia", disse Adilson Paz ao Correio.
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O início de tudo
A conspiração golpista nasceu em frente aos quartéis generais do Exército pelo país. Logo após a vitória de Lula, extremistas eleitores de Bolsonaro se concentraram em frente a essas unidades, com faixas pregando o golpe e prometendo que o petista não subiria a rampa. As mensagens traziam apelos aos militares para que assumissem o poder.
O ponto central da mobilização foi o Quartel-General do Exército, na capital federal, para onde se deslocaram milhares de seguidores do ex-presidente. Eles chegaram a Brasília de carro, ônibus e dezenas de caminhões. As faixas que empunhavam exibiam frases como "generais, confiamos nos senhores: voto auditável, novas eleições já".
O Exército poupou os vândalos e permitiu que permanecessem na área. Na Praça dos Cristais, em frente ao QG, os defensores do golpe armaram barracas e distribuíram alimentação e água.
O Centro de Comunicação do Exército, já no governo Lula, respondeu que "não havia nenhuma determinação judicial classificando o acampamento na frente do QG do Exército como ilegal, tampouco houve ordem judicial de que o mesmo fosse desmobilizado".
Nos dias que antecederam a tentativa de golpe, a área externa da sede do Exército passou a receber centenas de manifestantes, que vieram de vários estados, principalmente do Centro-Oeste, como Mato Grosso e Mato Grosso do Sul; e do Sul, com destaque para Santa Catarina e Paraná. No 8 de janeiro, o grupo se deslocou até a Praça dos Três Poderes, atacou a polícia e depredou os prédios.
A cúpula da Polícia Militar do Distrito Federal foi presa, acusada de omissão, em razão das férias de diversos oficiais, além de ter escalado uma quantidade menor de policiais, sem equipamentos adequados, na linha de frente do embate com os extremistas.
Também foi preso, por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo, o ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do DF Anderson Torres. O governador Ibaneis Rocha foi afastado do cargo de janeiro a março, retornando após o avanço das investigações.
Um ano depois, as investigações seguem em curso, mas com quase a totalidade dos integrantes dos atentados já identificados.
No DF, uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), na Câmara Legislativa, apurou as responsabilidades de autoridades locais e nacionais.
No próximo dia 8, os Três Poderes realizam um evento para relembrar o caso e evidenciar que a democracia resistiu à tentativa de subjulgá-la. O Executivo concentra a organização, por representar, de maneira mais direta, a escolha dos eleitores. No entanto, o Congresso e o Judiciário também participam.
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