Entrevista

Carlos Lupi calcula que Brasil terá uma "Argentina" aposentada em 2024

Ministro da previdência estima que a fila para a concessão de benefício deve chegar, até o final de 2023, perto dos 45 dias de espera, que prometeu alcançar em março. E projeta que o número de inativos no próximo ano vai superar os 40 milhões

 14/12/2023 Crédito: Kayo Magalhães/CB. Podcast do Correio Braziliense. Carlos Lupi, ministro da Previdência Social. -  (crédito:  Kayo Magalhães/CB)
14/12/2023 Crédito: Kayo Magalhães/CB. Podcast do Correio Braziliense. Carlos Lupi, ministro da Previdência Social. - (crédito: Kayo Magalhães/CB)
postado em 18/12/2023 03:55

O principal desafio do ministro da Previdência, Carlos Lupi, é a redução na fila de espera para a concessão dos benefícios. Em março, chegou a dizer que conseguiria reduzi-la para apenas 45 dias e acredita que fechará este ano com um número médio, que engloba todo o país, bem próximo disso. Ele observa que o descaso no atendimento ao segurado faz parte daquilo que classifica como "cultura da negação" — que é quando o Estado impõe barreiras para dificultar direitos líquidos e certos dos cidadão. Mas vê aspectos positivos neste primeiro ano de gestão, sobretudo o de fazer prevalecer a ideia de que a Previdência existe para servir às pessoas que a procuram. Mesmo porque, segundo Lupi, atualmente são 39,3 milhões segurados e, em 2024, esse número ultrapassará os 40 milhões — o equivalente à população da Argentina. A seguir, os principais pontos da entrevista.


Quais os maiores problemas no enfrentamento da fila?

As dificuldades da Previdência Social não são apenas a fila, ela é o ponto mais exposto. Advogados usam a fila porque eles ganham mais dinheiro assim. Quanto mais tempo o beneficiário esperar para receber, maior é o lucro desses profissionais. Quando o segurado recebe o atrasado, o prejuízo é para a Previdência, que precisa arcar com esse montante. Mas, normalmente, os valores desses atrasados vão para os advogados.

E as dificuldades com os médicos-peritos? Foram resolvidas?

Tem que perguntar isso para eles, não para mim. É uma profissão que considero quase como um sacerdócio, para quem tem consciência da profissão. Quase mil aderiram aos mutirões, praticamente 1/3 aderiu ao programa voluntário, ninguém é obrigado. Muitos desses médicos têm mais de um emprego, a maioria tem sua clínica particular e, para eles, não compensa. Não tem a ver com a associação (dos médicos-peritos). Não compensa para eles fazer qualquer tipo de hora extra. Fazem apenas as horas previstas no contrato de trabalho. Nossa ideia é de 10 a 12 atendimentos diários, mas esse setor é difícil, é uma categoria muito corporativa. Tenho que fazer aquilo que é melhor para a sociedade. Comecei a mexer num vespeiro. Quando você pega um atestado, é uma prova médica de que você está liberado, o patrão libera, quem assina é um médico, com CRM. Por que não valer na Previdência? Por que tenho que fazer uma perícia para atestar aquilo que o médico já atestou?

Vai acabar a perícia médica?

A perícia médica não faz apenas isso. O Atestmed, essa licença médica, vale por 90 dias, mas tem gente que teve acidente, que precisa da aposentadoria permanente. Tem quem teve uma doença que exige um exame físico, mas outros, não. Um exemplo dessas doenças são as psíquicas. Como é que você vai atestar isso por vídeo? Como é que você vai atestar apenas com o papel? Isso incomoda uma parcela da associação, que acha que a gente quer tirar o emprego deles (médicos-peritos). Isso não é verdade. Sempre terá um médico examinando, assinando o atestado. Ou será que o médico que não é da perícia vale menos do que o médico da perícia?

O senhor vem prometendo um atendimento humanizado. Isso acabaria com o teletrabalho dos servidores — reclamam da medida e pedem 30% de reposição — e alguns dão expediente fora do país.

No exterior tem alguns, são pouquíssimos casos, pessoas que estão fazendo algum curso de pós-graduação que, para a instituição, é importante. Todos que estavam irregulares foram proibidos. Quanto à reposição é natural — fui ministro do Trabalho por cinco anos —, é legítimo que o trabalhador sempre queira a reposição salarial. No primeiro ano, demos aumento acima da inflação. Hoje, temos 39,3 milhões de seres humanos que dependem da Previdência, há um ano eram 38 milhões. No ano que vem, devemos ter uma Argentina, mais de 40 milhões (de aposentados). A fila surgiu pela cultura de negar, do não, aí aumentou em dezenas de milhares os recursos. Isso aconteceu quando botaram 2 mil militares que não tinham experiência nenhuma na Previdência Social para fazer atendimento e coibir a fraude. Não coibiram nada e a fila aumentou.

A fraude aumentou?

A fraude sempre existiu e vai existir em qualquer departamento público. Infelizmente, a cultura de uma parcela da sociedade é que o Estado é a viúva que a gente pode pegar tudo. Hoje, a informatização nos ajuda muito a coibir isso. Estamos investindo muito no Meu INSS e a Dataprev vem nos ajudando. Ano que vem, vamos ter uma série de medidas, teremos até robôs para melhorar o serviço. Mesmo assim, o ser humano é insubstituível. Toda máquina precisa de um ser humano para operá-la e chamamos 1.250 novos funcionários este ano. Vamos, agora, chamar o banco de reserva, que tem em torno de 1.800 (pessoas). Solicitei e foi avisado pela ministra Esther (Dweck), da Gestão, para que aproveitemos quem está aprovado para chamar.

Em abril, o senhor disse que colocaria a fila no limite legal de 45 dias até o final do ano. Isso não aconteceu.

Disse que enquadraria a fila no limite de 45 dias e chegamos lá. Eu provo, estou pronto para o desafio.

Consultando o Portal da Transparência Previdenciária, os números apresentados de setembro não mostram isso.

Setembro saiu em outubro, mas ainda temos de publicar o de novembro, que está saindo e, depois, o de dezembro. Pelas minhas contas, o ano só acaba dia 31 de dezembro.

Mas a transparência está há três meses sem informação?

Não senhor, todo mês sai. Mas temos dois tipos de informações. No ministério, temos o Beps (Boletim Estatístico da Previdência Social), que é uma informação do programa estatístico, que sai com uma defasagem de 30 a 60 dias, e coleta todos os dados relativos à Previdência — não só o atendimento que se faz no INSS e sim toda a correlação com todos os dados. Quantos que entraram, qual é a idade, que tipo de benefício, se é do BPC, da agricultura. O Beps monitora toda a Previdência e baliza os programas sociais do governo. São dados profundos, é uma maçaroca grande, de 80 a 100 folhas, sempre com essa defasagem de dois meses. No Portal da Transparência, que é para sair todo mês, normalmente depois do dia 10, coloquei os dados gerais relativos ao mês anterior.

Mas estão faltando dois meses no Portal da Transparência Previdenciária.

Não, no portal você deve ter de outubro, pode abrir aí. (O Portal da Transparência Previdenciária foi acessado durante a entrevista e apresentado ao ministro. Confirmada que a informação ainda era a de setembro, ele admitiu um erro na atualização dos dados.)

O que aparece no portal?

Portal da Transparência… setembro, mês de setembro. Que sai sempre em outubro… Tem alguma falha que tenho que checar. Porque já saiu o de outubro e vai sair o de novembro, que não saiu ainda.

O que os dados vão mostrar? A fila caiu para os 45 dias?

Temos uma média do número nacional do tempo de espera. Tem alguns tipos de benefícios que ainda estão atrasados. Por exemplo: quem vai trabalhar no exterior, volta para o Brasil e quer se aposentar — esse ainda é o que mais demora, porque depende da certificação apresentada pelo país de origem. Então, esse processo demora um ano, um ano e meio. Mas o tempo médio, da última transparência que tenho, é de 49 dias em novembro. Hoje está batendo 45 e isso eu garanto porque acompanho diariamente. O índice é feito por estado, por região, e se faz a média nacional. Em São Paulo, a média de espera é de 32 dias. No Rio de Janeiro, está perto de 40. Em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, abaixo dos 40. No Norte e no Nordeste, ainda é maior — alguns estão entre 50 e 48 dias. Vamos chegar em 31 de dezembro, quando termina o ano, na média de 45 dias. Está muito próximo.

Mas ainda não?

Tivemos em março 1,8 milhão de pedidos, em média. As pessoas esperando 110 dias e tinha gente que esperava mais. Hoje, a média é de 49 dias. Garanto que vai chegar em 45 dias e por vários motivos. Nos primeiros meses, chamamos 1.250 funcionários concursados — claro que depois que você chama, tem que fazer um curso de qualificação, tem que ser distribuído, tem que pegar o ritmo. Mas, também, introduzimos o Programa de Enfrentamento da Fila (PEF), que está completando três meses. Nos últimos seis meses, mesmo com uma entrada recorde de pedidos — em média 1 milhão por mês —, estamos atendendo mais solicitações do que as novas que chegam.

Por que esses dados não são disponibilizados ao público?

Esses números são variáveis. Isso é igual a bolsa de valores: você quer aplicar, tem o valor do dia. Mas o ser humano não é para ser aplicado, a gente não pode vulgarizar o tratamento da vida humana. Temos um percentual de quase 5 milhões de beneficiários que são pessoas com deficiência. Acho antiético mexer com essa população e expô-la. Então, a gente tem que ter todo o cuidado para efetivar esse processo, conseguir resolver, ver se ainda estão na fila.

Usuários reclamam que não entendem a linguagem do aplicativo do INSS...

Tem razão, olhamos muito para dentro. A área da perícia médica, por causa da entrada do Atestmed, tivemos uma diminuição de quase 40% na fila. O sistema substitui parte do trabalho dos peritos, mas agora usamos nos casos mais graves. No programa, ainda temos algumas dificuldades, mas avançamos no nosso aplicativo. Hoje, ele corresponde a cerca de 60% dos atendimentos da Previdência. São 40 milhões de acessos por mês.

O corte nos juros do consignado não foi no nível desejado, rendendo até uma cobrança do presidente Luiz Inácio Lula, da Silva. Como está isso?

O que o presidente falou é que eu deveria ter consultado, antes, as outras áreas do governo. Mas conseguimos a redução. Peguei a taxa dos consignados a 2,17% e, hoje, está 1,8%. É a mais baixa da história do consignado. O Banco Central (BC), que é o balizador dos juros da economia, diminui a taxa que estou seguindo". O BC baixa, eu baixo no consignado.

Qual o impacto da desoneração da folha no INSS?

Tenho muita preocupação porque sempre colocam a Previdência como algoz. Mas o ser humano não é número matemático, é vida. Todo mundo tem um parente aposentado, é impossível que não tenha. Será que não dá para entender que esse ser humano precisa ser respeitado, que precisamos avançar nesse direito social? O que é mais importante? A matemática fria do superavit ou a sensibilidade de saber que, sem isso, as pessoas não conseguem sobreviver?

Mas a desoneração da folha pode gerar emprego…

Cortar a receita da Previdência é certo, é bom, favorece a economia, mas, na hora de dizer que a Previdência tem deficit, todo mundo reclama.

No PDT, temos visto disputas intensas, em especial entre os irmãos Cid e Ciro Gomes. O senador apoia o governo Lula, enquanto o ex-ministro tem uma posição crítica. Como fica o partido?

Quanto à discussão que está se travando entre Ciro e Cid, tem a ver com o Ceará. O Ciro tem uma posição muito forte em cima do governo Lula, é verdade, principalmente na visão macroeconômica. Vocês nunca vão conseguir me intrigar com o Ciro, ele é um irmão que a vida me deu.

Não é para intrigar, é entender para onde vai o PDT.

Essa divergência envolve o estado do Ceará. Lá, durante o processo eleitoral, o Cid, inconformado de o PDT ter a candidatura do Roberto Cláudio, foi para São Paulo e não fez campanha para ninguém. O Ciro, que era o grande padrinho da campanha do Roberto, foi fazer campanha, perdemos e ganhou o PT. Assim que perdemos, o Cid volta querendo que a gente apoie o PT e faça parte do governo. Lá, nós perdemos no primeiro turno, diferentemente do Lula, que apoiamos no segundo. Às vezes têm embates regionais que são impossíveis, inadministráveis. Nesse caso, tem outra dificuldade: são irmãos. Como é que a gente vai administrar a divergência profunda entre irmãos? Simplesmente respeito e acompanho a decisão da maioria do partido.

A desaceleração no PIB, no último trimestre, muda a perspectiva da Previdência para 2024?

Há a tendência de que, em 2024, não tenhamos o mesmo crescimento, mas só vamos ter certeza disso em março ou abril do próximo ano. A redução no ritmo do PIB estava prevista, mas achavam que a queda seria maior. Gravem, o Brasil vai crescer mais de 2% em 2024.

Qual a aposta do senhor para o Ministério da Justiça? E a reforma ministerial prevista para janeiro? Está confiante em permanecer?

Sobre a decisão do presidente, como sou um cargo de confiança, não ouço e não falo. A decisão é dele.


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