A crise entre Venezuela e Guiana pelo controle da região de Essequibo, na fronteira entre os dois países, fez o presidente Luiz Inácio Lula da Silva oferecer a mediação brasileira, caso venha a ser consultado pelos vizinhos sobre a possibilidade. Na abertura da 63ª Cúpula de Chefes de Estado do Mercosul, no Rio de Janeiro, o petista ressaltou que, "caso considerado útil", o Itamaraty estará à disposição para sediar "qualquer e quantas reuniões forem necessárias". Ele fez um apelo para que a disputa territorial não se torne uma ameaça à paz e à estabilidade da América do Sul.
"Uma coisa que não queremos aqui, na América do Sul, é guerra. Não precisamos de guerra, não precisamos de conflitos. O que precisamos é construir a paz, porque somente com muita paz a gente pode desenvolver os nossos países", declarou Lula, destacando que acompanha com preocupação a tensão entre os dois países. Ele disse que o bloco não poderia ficar "alheio" à crise. E não ficou.
Em um curto e incisivo comunicado, oito dos 12 países da América do Sul demonstraram "profunda preocupação com a elevação das tensões" entre a Venezuela e a Guiana. Excetuando os dois vizinhos do Norte que protagonizam a crise, apenas Suriname e Bolívia não assinaram o documento dos sócios do Mercosul — Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai — mais Chile, Colômbia, Equador e Peru. Por ser um dos principais aliados do ditador venezuelano Nicolás Maduro, o presidente boliviano, Luis Arce, decidiu não assinar. O Suriname não subscreveu porque estava representado por um ministro.
No comunicado, os presidentes fizeram um chamamento à negociação. "A América Latina deve ser um território de paz e, no presente caso, trabalhar com todas as ferramentas de sua longa tradição de diálogo", diz a nota. Na última frase, os oito signatários fizeram alertas sobre "ações unilaterais que devem ser evitadas, pois adicionam tensão" e pediram com veemência que Venezuela e Guiana dialoguem em busca de uma solução pacífica da crise, "a fim de evitar ações e iniciativas unilaterais que possam agravá-la".
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O Correio apurou que o comunicado conjunto, discutido e acordado anteriormente pelas chancelarias, foi considerado, nos meios diplomáticos, "eloquente". O texto foi costurado antes da notícia de que as forças aéreas dos Estados Unidos e da Guiana farão exercícios militares no país equatorial.
Um diplomata que participou da cúpula lembrou que a posição do bloco com relação a movimentos como esse foi dada anteriormente, em reuniões preparatórias com ministros das Relações Exteriores dos associados: a de que não concorda com que países de fora da América do Sul se envolvam nessa crise. Por isso, os exercícios militares são vistos como um movimento da Guiana para atrair aliados, dada a reduzida capacidade de defesa do país. E isso preocupa o subcontinente.
Em meio à tensão, o Brasil reforçou a presença do Exército em Roraima — incluindo o envio de carros de combate blindados — e avisou que não permitirá a passagem de militares venezuelanos pelo estado, que faz fronteira com os dois países.
Fracasso com a UE
Diante dos líderes do Mercosul, em tom frustrado, Lula listou as razões pelas quais o acordo comercial com a União Europeia não foi selado antes do fim da presidência pro tempore do Brasil no bloco, encerrada nesta quinta-feira. O presidente disse que a conclusão das negociações era um "sonho".
"Confesso a vocês que eu tinha um sonho de que, na minha presidência, a gente pudesse concluir (o acordo com a União Europeia) da forma majestosa que eu achei que poderia ser feito e que eu achava que a gente merecia", ressaltou. "Sabem do esforço que fizemos. De qualquer forma, não deu certo." Ele ressaltou que, ainda assim, "nunca antes na história do Mercosul se conversou com tanta gente".
Lula criticou o protecionismo europeu em uma negociação que se arrasta há mais de 20 anos. "A resistência da Europa é muito grande. Eu estranho a falta de flexibilidade deles de entender que nós ainda temos muitas coisas para crescer, desejo de industrializar, e só precisamos flexibilizar", comentou. Ele ratificou que as negociações vão prosseguir.
Ao presidente do Paraguai, Santiago Peña — que assumiu nesta quinta-feira a presidência rotativa do bloco —, pediu para que não desista do acordo e defendeu as políticas ambientais do Brasil, um dos pontos que emperraram a conclusão do pacto comercial.
"A União Europeia precisa reconhecer a credibilidade dos dados do nosso sistema nacional de monitoramento e certificação do desmatamento. Eu não vou ficar prestando conta do que a gente faz para qualquer um. Tratamos das questões ambientais com muita seriedade", declarou.
No fim da tarde, Mercosul e UE divulgaram um comunicado conjunto apontando que ambos "estão engajados em discussões construtivas com vistas a finalizar as questões pendentes no âmbito do Acordo de Associação" e que, "nos últimos meses, registraram-se avanços consideráveis".
"As negociações prosseguem com a ambição de concluir o processo e alcançar um acordo que seja mutuamente benéfico para ambas as regiões e que atenda as demandas e aspirações das respectivas sociedades", informaram os dois blocos, que se comprometeram a "enfrentar os desafios globais em áreas como o desenvolvimento sustentável, a redução das desigualdades e o multilateralismo".
Pela manhã, na primeira reunião oficial, os presidentes anunciaram a criação de um fundo de cerca de US$ 10 bilhões para financiar investimentos voltados à integração da região.
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