Após as eleições do ano passado, o novo presidente nacional do PSDB, o ex-governador de Goiás Marconi Perillo (GO), ouviu muita gente falar que o partido dele "acabou". Afinal, os tucanos, que já governaram o Brasil por oito anos consecutivos com Fernando Henrique Cardoso, levaram uma surra nas urnas. Como no pleito de 2018, elegeram apenas três governadores — em 2010, foram oito — e viram a bancada na Câmara dos Deputados (incluindo a federação com o Cidadania) cair pela metade, de 37 (em 2018) para 18 parlamentares. E nenhum candidato ao Senado conseguiu vaga.
Perillo foi alçado à liderança em convenção nacional do partido, na semana passada, com a delicada missão de reerguer a sigla que, nas últimas três décadas, dividiu com o PT e seus aliados a preferência do eleitorado nas disputas nacionais. "Em política, o fundo do poço tem mola", costuma dizer ele. É essa mola que o ex-governador de Goiás pretende impulsionar a partir de agora para que a legenda chegue competitiva às eleições municipais do ano que vem e comece a pavimentar a candidatura do governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, à Presidência.
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Ao Correio, Marconi Perillo também falou sobre o governo Lula — "Somos oposição" —, como o PSDB se posiciona no espectro político — "Somos de centro" — e que postura adotará em relação a temas que estão em debate no Congresso, como a Reforma Tributária, a crise com o Supremo Tribunal Federal e a indicação de Flávio Dino à Corte. Ele fala ainda sobre o que considera um "erro gravíssimo" da legenda, que foi abraçar a candidatura de Simone Tebet (MDB-MS) à Presidência na fracassada tentativa de editar uma terceira via. Acompanhe os principais trechos da entrevista.
O senhor assume um partido que enfrenta a pior crise de sua história e tem como desafio se preparar PSDB para as eleições municipais do ano que vem. Com que cara o senhor espera que o PSDB se apresente ao eleitorado?
O PSDB tem uma história, um legado que todo mundo reconhece, mas a gente não vive de passado. A gente vive de presente. Precisamos despertar a esperança. A primeira providência será sugerir a criação de grupos temáticos que possam debater temas cruciais para o futuro. O primeiro deles, relacionado à complexidade das cidades, especialmente das metrópoles. Desafios como transporte municipal, trânsito, planejamento urbano, urbanismo, essas coisas. A gente tem ainda questões sérias como o feminicídio, questões relacionadas à segurança.
Mas que PSDB irá às urnas, em um cenário ainda polarizado entre esquerda e direita?
Engraçado, tem muita gente que não gosta dessa polarização, dessa radicalização, desse extremismo. O extremismo nunca levou ninguém a lugar algum desde que o mundo é mundo. O PSDB tem essa história bonita, de contribuições que foram dadas. Tem muita gente torcendo para que o PSDB volte a ser protagonista na cena nacional. É incrível como eu recebi mensagens de cumprimento de pessoas que não são da política, empresários, profissionais liberais, pessoas que gostariam de ver o PSDB voltara à cena com um discurso moderno, práticas avançadas, ideias que possam não só despertar a esperança, mas convencer as pessoas de que nós temos bons quadros. Temos três jovens governadores (PE, RS e MS). Temos prefeitos de cidades importantes. É um desafio enorme, porque nós tivemos uma redução significativa da nossa bancada. Cometemos um erro gravíssimo, que foi o de não lançarmos candidato à Presidência no ano passado. Foi a primeira vez que isso aconteceu na história do partido desde 1989.
O senhor aponta esse fator como um dos principais responsáveis pelo mau desempenho do partido nas últimas eleições, quando se desconectou de seu eleitorado?
Este é um dos fatores. Eu mesmo acabei prejudicado por isso, fiquei à frente nas pesquisas (para a eleição ao governo) em Goiás até o último dia. Mas, o fato de não ter candidato a presidente, a polarização entre um extremo e outro, também não ter candidato a governador em Goiás — não tínhamos alianças —, tudo isso foi preponderante na minha derrota. Foi ruim no país inteiro, e desidratou o partido. O PSDB já teve 75, 80 deputados federais. A consequência disso tudo é também a redução significativa do fundo eleitoral, que acabou se transformando no instrumento preponderante para as eleições. As limitações são grandes.
O partido larga atrás...
Fui voto vencido na bancada para que o PSDB lançasse o (governador do Rio Grande do Sul) Eduardo Leite como candidato à Presidência depois da desistência do (ex-governador de São Paulo) João Doria. Mas a maioria preferiu embarcar no projeto da Simone Tebet.
A desistência de João Doria também afetou a principal base do PSDB do país, que é São Paulo, estado governado pelos tucanos por quase 30 anos. O que aconteceu?
Outro fator que nos levou a essa situação foram as prévias, um instrumento democrático, bonito, um conceito moderníssimo, mas, na prática, foi nefasto porque dividiu São Paulo e o país todo. Uma das minhas tarefas e da nova direção executiva é reunificar o partido. Em São Paulo, tivemos um bom desempenho do (então governador) Rodrigo Garcia, que acabou sendo tragado, como eu também fui, pela polarização. A falta de candidato a presidente da República foi decisiva para que a gente tivesse a derrota de São Paulo.
Como trazer esses políticos de volta ao projeto do PSDB?
Eu marquei para segunda-feira (hoje) uma visita ao ex-governador Rodrigo Garcia, no escritório dele. Pretendo me reunir também com a bancada federal, com a bancada de deputados estaduais, de vereadores da capital, e com prefeitos. A gente vai ter que trabalhar, botar o pé na estrada, não pode ter preguiça.
O PSDB vive hoje com muitas rusgas internas. Há uma disputa entre os grupos de Aécio Neves e de Eduardo Leite. Para que lado vai o PSDB?
Primeiro, tem que haver um freio de arrumação. Ou o PSDB se reencontra naquilo que a maioria acha que é o foco em termos pontuais, programáticos e ideológicos ou acaba. As pessoas precisam entender que a gente vive um momento crucial no partido. Vaidades e interesses pessoais precisam ser colocados de lado.
O senhor teme a possibilidade de fim do PSDB, diante da atual situação?
Eu não temo. Já aconteceu com o PT, que se enfraqueceu fortemente com o impeachment da (presidente) Dilma (Rousseff), com o problema do mensalão, do petrolão, e voltou. Não existe fundo do posto em política. A gente brinca que, em política, fundo do poço tem mola. A gente precisa definir de que lado nós estamos. Nós não estamos nos extremos. Nós somos o partido do centro, moderado, democrático. E nós vamos fazer, sim, oposição ao governo federal. Nós não ganhamos as eleições, nós fomos mandados pelo pelos eleitores para a oposição.
O que o PSDB defende?
Tem a questão do feminicídio, que é gravíssima. O país hoje tem índices terríveis em termos de assassinato de mulheres com companheiros, por maridos. A gente tem o problema da segurança. Nós temos a agenda fiscal, precisamos de um freio de arrumação na gastança, temos 40 ministérios, isso não pode. Esse presidencialismo de coalizão não deu certo, não dá certo. Eu não sei como é que as coisas ainda não pipocaram no Brasil. O presidente do Banco Central (Roberto Campos Neto) tem sido um herói, o ministro da Fazenda (Fernando Haddad) também tem feito um esforço pra segurar as pontas na questão fiscal.
E as reformas do Estado, como a tributária?
As pautas relacionadas a reformas, por exemplo, a reforma administrativa e todas as que forem boas para o Estado, essas pautas que forem a favor do Brasil contarão com o apoio nosso. Agora, não pode haver dubiedade em relação ao que o PSDB representa, o partido é oposição.
Quais os pontos positivos do governo Lula?
Eu acho que a preocupação com a agenda ambiental é um. A preocupação do Haddad em relação à questão fiscal é um acerto, em que pese uma corrente toda contrária tensionando para que a gastança continue. São dois acertos.
E os erros, quais o senhor aponta?
A gente tem um problema gravíssimo na segurança pública, que precisa da presença do governo federal. Eu sempre defendi, no tempo em que eu fui presidente do consórcio de governadores do Brasil Central, que tivéssemos um reforço fortíssimo nas fronteiras, por onde chegam as armas contrabandeadas, as drogas. A gente tem que ter uma força tarefa permanente para vigiar as fronteiras e os aeroportos. A outra questão é a política externa. Tem acertos, o presidente tem viajado o mundo, tem procurado reinserir o Brasil em muitos contextos, mas é um grande erro apoiar ditaduras. A outra preocupação é com essa agenda da gastança, um erro não se colocar um freio nesses gastos, muitos deles desnecessários.
Qual é o papel hoje do deputado Aécio Neves (MG)? Qual a importância dele no PSDB?
O deputado Aécio Neves quase chegou à Presidência da República. Eu tenho com ele uma relação anterior ao PSDB. Quando eu era presidente da Juventude do PMDB de Goiás, Aécio era presidente da Juventude do PMDB de Minas Gerais, quando o avô dele (Tancredo Neves) era governador. Mas eu tenho outros amigos. Eu recebi o apoio decisivo do Eduardo Leite. E do governador Eduardo Riedel, de Mato Grosso do Sul, dos ex-governadores, quase todos eles estiveram na minha chapa. E a governadora Raquel Lyra (de Pernambuco) também sinalizou favoravelmente, embora estivesse viajando.
A governadora Raquel Lyra ameaça deixar o partido. O senhor vai conseguir mantê-la no PSDB?
Não conversei com ela sobre isso. A gente ouve especulações. Se depender de mim, todo o esforço será feito. Quando ela voltar de viagem, vou pedir uma audiência. Se ela marcar, eu vou ao Recife falar com ela, dar tranquilidade a ela no sentido de que tenha flexibilidade, como governadora, para se relacionar com os governos municipais, com o governo federal. Vou trabalhar com todas as minhas forças para que ela se sinta confortável no PSDB. E vou sinalizar para que outras pessoas voltem para o PSDB.
Com relação à imagem e ao posicionamento político, o PSDB está mais à direita ou à esquerda?
No centro. Nós sempre tivemos apoios um pouco mais à direita, especialmente por conta da pauta econômica, das reformas, das privatizações. E sempre tivemos também o apoio da centro-esquerda, de pessoas independentes com esse viés na pauta social. A questão do Fundef, o programa de saúde da família, o Plano Real e os programas de transferência de renda. Nós começamos nos nossos governos o primeiro programa de transferência de renda no Brasil. Começou em Goiás com o programa Renda Cidadã, que depois virou Bolsa Escola no governo Fernando Henrique, e Bolsa Família, no governo Lula. Na reforma agrária, a gente fez menos barulho, mas tivemos muito mais efetividade, com políticas realmente de assentamento. Esta pauta social trouxe para o nosso espectro e para os nossos governos muita adesão de pessoas um pouco mais à esquerda. Mas reafirmo, o nosso compromisso é com o centro.
Um dos dois únicos é senadores remanescentes do partido é daqui, do DF, senador Izalci Lucas, que também já teve seus embates internos, mas decidiu permanecer na legenda. Como recuperar a importância do PSDB no Senado, cuja bancada se desidratou?
Eu vou apoiar fortemente o Izalci, não só aqui no DF, mas no sentido da gente trazer mais senadores para o partido, voltar a ter bancada. Incrivelmente, o PSDB não tem bancada. No Senado, não tem líder, não tem nem sala de liderança.
Está sendo articulada uma federação com o MDB. Se vingar, o partido não ficaria menos oposicionista? O senhor já conversou com o presidente do MDB, Baleia Rossi (SP)?
Recebi mensagens de cumprimentos de vários presidentes, dentre eles, o Baleia. É claro que eu não darei um passo sequer sem ouvir a Comissão Executiva, as principais lideranças e, sobretudo, o nosso presidenciável, o pré-candidato Eduardo Leite. Qualquer definição em termos de federação, só virá depois das eleições municipais. Não vejo muito clima para a gente fazer qualquer movimento mais forte agora, nesse período de eleições municipais.
Qual a opinião do senhor em relação à indicação do ministro da Justiça, Fávio Dino (PT-MA) ao Supremo Tribunal Federal?
Eu não conversei com os senadores, eles é que vão votar. Eu prefiro não dar minha opinião neste momento em respeito à autonomia deles. Eu tive uma boa relação com o governador Flávio Dino, quando fui governador de Goiás. Ele participava do consórcio Brasil Central, do qual era presidente. Acho que é uma pessoa séria, preparada.
Quanto à Reforma Tributária, qual a opinião do senhor?
Me preocupa na Reforma Tributária o aumento de impostos. Sempre se falou em reforma para desonerar, simplificar. No mínimo, uma reforma tributária neutra. E o excesso de desonerações acaba privilegiando alguns em detrimento de outros. Vários estados já estão começando a aumentar a alíquota básica do ICMS. Tudo é muito preocupante.
Há crise na relação da classe política com o Supremo Tribunal Federal? Qual a avaliação do senhor com relação ao projeto que limita poderes da Corte?
É inegável que houve um constrangimento, um atrito, mas isso todo mundo sabe. É preciso garantir a harmonia entre os Poderes, que são independentes. Como eu não sou senador nem deputado, não quero ficar dando opiniões sobre o que não me não me cabe. No Brasil, as instituições são fortes, democráticas e, quando necessário, conversam e resolvem as situações de conflito entre elas próprias.
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