O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) retoma a agenda internacional a partir desta segunda-feira (27/11) — um mês após a volta ao trabalho presencial, pausado por conta de uma cirurgia no quadril. As viagens abrangem reuniões em Riade, Catar e Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, onde ele participa da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP28).
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O chefe do Executivo também estará na Alemanha, em 1 de dezembro. Na mesma data, o Brasil assume a presidência do G20, a qual ocupará pelo período de um ano. O combate à desigualdade e o conflito Israel-Hamas são uma das pautas emergenciais a serem tratadas no mandato brasileiro, mas há outras questões de extrema relevância, como sustentabilidade, transição energética, mudanças climáticas, o antigo pleito de representação na ONU e o risco de esvaziamento da cúpula, assim como ocorrido na Índia, além de questões de guerra fria entre países que compõem o bloco.
Ao longo dos próximos meses, o Brasil ficará responsável por organizar reuniões temáticas e setoriais entre os países do grupo. O material será reunido e debatido na 19º Cúpula do G20, marcada para 18 e 19 de novembro de 2024, no Rio de Janeiro. O lema da presidência brasileira será "Construindo um Mundo Justo e um Planeta Sustentável".
Lula chegou a dizer, na semana, que o evento é mais importante, do ponto de vista político, "do que uma Copa do Mundo". O petista também lançou a Comissão Nacional para a Coordenação da Presidência do G20, formada por 39 órgãos da administração pública federal, responsável por conduzir as ações brasileiras na gestão do bloco.
A mudança energética foi abordada pelo presidente como mais uma das prioridades do país na liderança do G20 com a reformulação de modelos de comércio. "A transição energética se apresenta para o Brasil como a oportunidade que não tivemos no Século 20: de termos a possibilidade de mostrar ao mundo que quem quiser utilizar energia verde para produzir aquilo que é necessário para a humanidade encontrará no Brasil", disse Lula.
Prioridades
A professora de ciência política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Mayra Goulart observa que o contexto da agenda internacional de Lula está focado na desigualdade. "Embora mais de uma década tenha passado, ainda é essa ideia de combate da desigualdade é que marca a performance dele. Uma retórica não apenas da desigualdade econômica, mas política e climática. O ponto central da agenda dele é a reforma do sistema multilateral das relações internacionais para que dê mais atenção ao combate às desigualdades e não seja reprodutor delas", ressalta.
Sobre a relação de guerra fria entre a China e os Estados Unidos, aponta que a conjuntura é de "certo arrefecimento". "Eles se colocam disponíveis para fazer gestões de crises globais, reforçando o espírito do multilateralismo. Já o BRICS é um grupo que está passando por um processo de mudança, expansão com a entrada da Arábia Saudita. Isso muda um pouco o espírito do grupo que se redefine, está com uma crise de identidade e marcado pelo conflito Índia e China que acredito que pode drenar um pouco a capacidade de ação desse grupo".
A respeito do pleito do país de fazer parte do conselho permanente na ONU, é preciso que o Brasil reconheça a jurisdição da Corte Internacional de Justiça, órgão importante da organização, defende a professora de direito internacional da Universidade de São Paulo, Maristela Basso.
"A principal pauta para o Brasil aumentar seu soft power é reconhecer a jurisdição da Corte Internacional de Justiça. Desde pelo menos 1948 o Brasil foge de dar uma resposta sobre essa pendência. Se não o fizer, dificilmente assumirá papel relevante na ONU, assento no Conselho de Segurança e maior protagonismo na comunidade internacional".
Para ela, o alinhamento dos EUA e China é apenas pragmático. "As duas nações continuarão a disputar o lugar de maior potência econômica e militar do mundo. O que a retórica diplomática constrói de dia, os serviços secretos e de inteligência destroem à noite".
Já as relações comerciais dos Brics tendem a aumentar com o ingresso de novos países membros. "O grupo deve se tornar ainda mais importante. Vem aí um novo tempo para os emergentes com mais iniciativa e atitude", aponta.
Ricardo Mendes, da consultoria Prospectiva, ressalta que há em curso uma tentativa, tanto por parte de Washington quanto de Pequim, de normalização da relação bilateral entre ambos os países.
"É natural que a presidência brasileira no G20 suscite questões sobre esse tema, já que o Brasil, assim como muitos países da América Latina, tem forte relação diplomática e comercial com a China. No entanto, o relacionamento sino-americano transcende o G20".
Risco de G20 esvaziado
O Brasil tem uma tarefa difícil de tentar se projetar em um cenário onde os principais atores vão estar ocupados com outros temas, analisa Leonardo Paz, pesquisador do Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional da FGV. Isso porque os Estados Unidos estarão com foco nas eleições presidenciais e a Rússia continua em guerra. A preocupação é que a cúpula seja esvaziada, à semelhança da última ocorrida na Índia.
"Ela tentou, de todas as maneiras, fazer um G20 grandioso. Ela tem pretensões de ser uma potência global e fez todo um esforço para se projetar, mas se viu um pouco enfraquecida em função de ausências importantes, como da Rússia e da China, na cúpula presencial".
"Ao que tudo indica, o Brasil vai tentar achar, mais uma vez, um caminho do meio, dado que o mundo está se organizando novamente entre dois pólos. Ele vai tentar fazer com que os vários atores internacionais comprem a agenda global. A questão do clima é, sem dúvida, uma das grandes agendas do Brasil, não somente por ser uma coisa urgente, mas também porque o Brasil é um dos países que tem mais coisas a aportar", completa Paz.
Wagner Parente, consultor em relações internacionais e CEO da BMJ Consultores Associados, reforça que o Brasil deve continuar a reconstruir sua imagem como expoente internacional na preservação ambiental e na construção de uma economia de baixo carbono, se colocando como "melhor opção para a produção de hidrogênio verde". Ao mesmo tempo, acrescenta, o discurso caminhará no sentido da responsabilidade das principais economias, incluindo o Brasil, contribuir para o financiamento da transição energética e ecológica de nações menos desenvolvidas.
O governo brasileiro enfrentará também o desafio de preservar a equidistância política em relação às suas posições sobre os conflitos internacionais atuais, ressalta.
"O crescimento da dualidade entre Estados Unidos e China obrigará o Brasil a fomentar consensos e a evitar temas que possam ser sensíveis para o atual contexto geopolítico. Temas sensíveis para as potências, como produção de semicondutores, 5G, Taiwan devem continuar quentes em 2024 ao mesmo tempo que os EUA se preparam para mais uma eleição em que Donald Trump já aparece como forte candidato", cita.
Ele opina que o Brasil deverá se beneficiar da expansão dos BRICS, que terá novos membros a partir de 2024, e utilizar a maior aproximação com outros esses países para fortalecer sua coordenação de temas relacionados ao comércio internacional e à sustentabilidade.
Em relação à histórica pretensão do Brasil de obter um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, o país deverá utilizar a presidência do G20 para se colocar como potência com influência global e fortalecer o pleito.
"Para isso, será necessário construir consensos em temas sensíveis, como transição energética e integração comercial, ao mesmo tempo em que o país deverá equilibrar as discussões nos fóruns do G20 para que não sejam prejudicadas por conflitos geopolíticos. Historicamente bem-sucedida, a diplomacia brasileira será desafiada a enfrentar um mundo mais instável e com disputas cada vez mais acirradas", conclui.
O G20 reúne chefes de Estado e de governo das principais economias do mundo, para discussão de temas mundiais ligados à cooperação econômica internacional. O grupo é formado por 19 países dos cinco continentes, mais a União Africana (recém-admitida) e a União Europeia, que juntos correspondem a cerca de 85% do PIB mundial e 75% do comércio internacional.