Todo país tem a sua própria história e o que acontece em país um não se replicará necessariamente em outros. A natureza humana, no entanto, é uma só, e a observação dos movimentos sociais em qualquer parte deve sempre nos servir de lição.
Escrevo algumas horas antes da abertura das urnas na Argentina. Mas, qualquer que seja o resultado, não vai alterar a validade das reflexões que o drama argentino propõe, não apenas aos seus vizinhos brasileiros, mas à maioria das democracias que sobrevivem neste mundo de tantas mudanças.
A Argentina é um caso único no mundo de um país que entrou no século XX como um dos mais ricos e que, com o passar do tempo, foi se empobrecendo até chegar à condição de estar permanentemente em crise, com 40% da população vivendo em estado de pobreza. Um Estado praticamente falido, uma inflação de 143% ao ano e uma moeda que não é aceita pelos próprios argentinos.
O fracasso da Argentina não é propriamente um enigma. A causa principal foi a estranha rendição de uma sociedade educada e próspera a um populismo que dissipou as riquezas do país. Esse populismo estabeleceu um padrão de política assistencialista que anestesiou a sociedade e congelou todas as possibilidades de mudança que adaptassem o país às transformações que ocorreram no mundo, após o fim da Segunda Guerra Mundial. Quase todos os países democráticos viveram algum momento de populismo, mas foram ciclos temporários que, mais cedo ou mais tarde, chegaram ao fim. Na Argentina, o peronismo sobreviveu a Perón e contamina a vida do país até hoje, 80 anos depois do seu aparecimento.
O que está ruim, infelizmente, sempre pode piorar. O peronismo no poder nunca propôs qualquer mudança e especializou-se em usar o Estado para manter-se no governo. Quando na oposição, sempre investiu no impasse e na obstrução a qualquer tentativa de mudar o país, inviabilizando sucessivos governos.
Tudo na vida tem limite e a Argentina, agora, chegou ao seu. As eleições são apenas uma escolha entre dois abismos e o desfecho será o início de um drama muito maior. O que acontece quando um país desmorona e perde toda capacidade de reagir? Como se dará a transição para uma nova normalidade?
O que esperar?
Se vencer Sergio Massa, que é o atual ministro da Economia do governo peronista de Alberto Fernándes, o que teremos pela frente será mais do mesmo. Nos 40 anos que nos separam do fim da ditadura militar, os peronistas governaram durante 28 anos, aos quais se acrescentarão mais quatro. Em apenas 12 anos, a Argentina conheceu governos independentes, com Raul Alfonsín, Fernando de la Rua e Maurício Macri, sendo que De la Rua abandonou o governo no meio do mandato diante de protestos que causaram mortes.
Não seria injusto pensar que os peronistas não governam quando estão no poder e não deixam governar quando perdem, graças ao controle que têm sobre sindicatos e outras organizações sociais.
Não seria razoável acreditar que um novo governo peronista terá a vontade e a força para realizar mudanças profundas na economia e no governo, e enfrentar a reação popular diante dos sacrifícios que essas mudanças forçosamente acarretam. Se essas mudanças não forem feitas, os problemas da Argentina não se resolverão por si mesmos. Se não se resolverem, até quando será possível evitar a chegada do caos?
Por outro lado, a candidatura de Javier Milei não é propriamente uma alternativa política, mas um caminho para o desconhecido e a mais pura demonstração do grau de desespero que tomou conta do país. Suas propostas de mudança, se efetivadas — o que é pouco provável, dada a correlação de forças no Parlamento —, vão desmanchar a economia e a vida dos argentinos, num experimento sem precedentes em qualquer parte do mundo. Será um exercício de loucura com um preço humano difícil de avaliar.
Qualquer dos abismos que for, o escolhido certamente vai aprofundar a crise argentina e cobrará um preço alto quando chegar a hora da verdade. Para nós, fica a lição: a política tem o poder de arruinar qualquer país.
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