Seminário

Barroso nega ativismo e ouve críticas sobre cerceamento da defesa no STF

Barroso rebateu ataques ao tribunal e, em recado ao Legislativo, afirmou que mexer no STF "não parece ser um capítulo prioritário das mudanças que o País precisa"

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, abordou ontem temas que colocam a Corte no centro do debate político nacional. Ao abrir o seminário "O papel do Supremo nas democracias", promovido pelo Estadão e pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, na capital paulista, Barroso afirmou que o Supremo foi um "dique relevante contra avanço do autoritarismo" e rebateu quem atribui ativismo judicial ao tribunal.

O ministro avaliou ainda que o protagonismo do STF é fruto de um "desenho institucional" e disse que a visibilidade sujeita a Corte a críticas porque "sempre há alguém contrariado com as decisões". Durante o evento, porém, o presidente do Supremo também ouviu críticas a condutas classificadas como "cerceamento" ao direito de defesa no tribunal.

"Com frequência as pessoas chamam de ativistas as decisões que elas não gostam, mas geralmente o que elas não gostam mesmo é da Constituição ou eventualmente de democracia", afirmou o ministro.

Barroso rebateu ataques ao tribunal e, em recado ao Legislativo, afirmou que mexer no STF "não parece ser um capítulo prioritário das mudanças que o País precisa". Propostas legislativas em discussão no Congresso preveem alterar o funcionamento da Corte e limitar atos de ministros (mais informações na página ao lado).

"A democracia e a Constituição têm resistido a tempestades diversas, que foram dos escândalos de corrupção às ameaças mais recentes de golpe. A Constituição e a democracia conseguiram resistir e a resposta é afirmativa: quem é o guardião da Constituição? O STF. Então é sinal que ele tem cumprido bem seu papel, e o resto é varejo político." O ministro também apontou como a Corte combateu o "aparelhamento das instituições de Estado" e enfrentou "ataques extremamente virulentos".

Na avaliação do presidente do STF, democracias em todo o mundo sofreram ameaças do populismo autoritário. Segundo Barroso, parte do pensamento conservador foi capturada pela extrema direita, "com discurso de intolerância, misógino, homofóbico e antiambientalista", sendo necessário que o centro "recupere esse espaço e essas pessoas".

'Cidadão'

Diante de Barroso, o criminalista Antonio Cláudio Mariz de Oliveira tratou de recente polêmica envolvendo o STF e os defensores. Ele afirmou que os cidadãos que batem às portas do Judiciário não estão "sendo ouvidos adequadamente" e falou em "cerceamento" à advocacia no Supremo. "O STF deve voltar às origens de respeitar o advogado, ou não teremos a implantação da Justiça e do Judiciário que almejamos", disse Mariz.

Na semana passada, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) divulgou nota em que contesta julgamentos no plenário virtual do Supremo e restrições a sustentações orais de advogados durante as sessões. A entidade manifestou preocupação "com a flexibilização ou supressão do direito constitucional ao contraditório e à ampla defesa" pelo STF. "A sustentação oral está inserida no direito de defesa, que é uma garantia constitucional e, portanto, não se submete a regimentos internos, mesmo o do STF", declarou a entidade.

Mariz aproveitou a participação no seminário e contornou o debate sobre as diferenças da atuação do STF e das demais Cortes constitucionais da América Latina para fazer o que chamou de um "desabafo". No evento com o presidente do STF, ele disse ser necessário "alertar" sobre o fato de que pessoas que acionam o sistema de Justiça não estão sendo ouvidas nem pela Corte máxima nem pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

A crítica central de Mariz ao Supremo diz respeito à forma de julgamento de habeas corpus - geralmente ajuizados como pedidos de liberdade. Na avaliação do criminalista, tais instrumentos estão sendo julgados "de forma muito precária", monocraticamente (em decisão individual de um ministro). "O tribunal é um órgão colegiado. Mude-se o sistema. O povo não tem culpa de termos um Supremo abarrotado", afirmou. "Ou temos uma Justiça mecânica ou uma Justiça em que se vai respeitar o devido processo legal", afirmou.

Mariz reconheceu o papel do Supremo na defesa da democracia, assim como em "temas delicados", como aborto. De outro lado, criticou o tratamento dado pela Corte aos advogados. "Só não podemos aplaudir o STF e o STJ na medida em que não estão dando valor ao advogado, valor ao cidadão. Decisão monocrática é para juiz de primeiro grau, o STF tem que julgar coletivamente."

O ex-presidente do STF Carlos Ayres Britto concordou com as ponderações de Mariz, pregando o respeito "aos profissionais que compõem funções essenciais da jurisdição". "Tudo afunila para o Judiciário e o Supremo porque é o único Poder que não pode dar o silêncio como resposta."

'Assédio'

Também presente no evento, o decano do Supremo, ministro Gilmar Mendes, afirmou que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sofreu "assédio" do ex-ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, na preparação das eleições do ano passado. "O TSE sofreu um assédio, não da população ou dos torcedores para a eleição de (Jair) Bolsonaro, mas do ministro da Defesa, que todo dia pela manhã escrevia uma carta ao ministro (Edson) Fachin e o ministro Fachin respondia à tarde", afirmou Gilmar.

Assim como Barroso, Gilmar negou ativismo por parte da Corte. "Não vejo que o tribunal tenha tido uma conduta anormal nesse período. Deu resposta para desafios que então se colocaram", afirmou.

Defesa da 'reocupação de espaço' pela imprensa

Barroso também defendeu a remuneração de veículos de imprensa pelos conteúdos que produzem e são compartilhados nas redes. "É mais importante do que nunca para a sobrevivência da democracia a valorização da imprensa tradicional, com compartilhamento de receita, porque as plataformas digitais não produzem conteúdo", disse Barroso durante o mesmo seminário.

Para o ministro, essa iniciativa deve fazer parte de um movimento global de "reocupação de espaço" pela imprensa tradicional. Segundo ele, as redes sociais criaram bolhas que favorecem a desinformação. "O que as plataformas digitais estão fazendo é tribalizar a vida, permitindo que cada um construa a sua própria narrativa sem compartilhar um espaço comum."

Evento

O seminário "O papel do Supremo nas democracias" prossegue nesta terça, 14, com debates sobre perspectivas globais dos tribunais superiores, os desafios dos tribunais constitucionais na era digital e o Judiciário como condutor de processos eleitorais. Participam das mesas, entre outros convidados, a ministra do STF Cármen Lúcia, o ex-presidente Michel Temer (MDB), o jurista Ives Gandra Martins e o procurador-geral de Justiça de São Paulo, Mario Sarrubbo.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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