Análise

Nas entrelinhas: subida no tom e comparação de Israel com o Hamas

"Os Estados Unidos fracassam na tarefa de ser o xerife do mundo, principalmente no Oriente Médio. Biden é tratado como 'pato manco' por Netanyahu", avalia o jornalista

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva subiu o tom contra o governo de Israel, ontem, ao criticar os bombardeios das Forças de Defesa de Israel (FDI) na Faixa de Gaza, que atingiram civis inocentes, principalmente mulheres e crianças. A mudança de tom ocorreu em evento no qual comemorou o resgate pelo Itamaraty de 32 brasileiros que estavam na Faixa de Gaza e chegaram ao Brasil no avião da Presidência, que os aguardava no Egito.

Desde o começo da reação ao ataque terrorista de 7 de outubro, quando o Hamas matou 1.400 pessoas em território israelense — a maioria mulheres e crianças — e sequestrou 200 reféns, foram mortos pelo exército israelense 12 mil palestinos. Em fala muito dura, Lula equiparou a reação de Israel em Gaza ao atentado terrorizara do Hamas: "A quantidade de mulheres e crianças que já morreram, de crianças desaparecidas, a gente não tem conhecimento em outra guerra. Depois do ato de terrorismo do Hamas, a solução do Estado de Israel é tão grave quanto foi o ato do Hamas, porque eles estão matando inocentes sem nenhum critério".

As declarações ocorrem um dia depois de Lula ter se reunido com o chanceler Mauro Vieira para avaliar a situação no Oriente Médio. São um reposicionamento em relação à guerra e ao governo de Israel, que demorou, mas cumpriu o acordo para liberar os brasileiros que estavam em Gaza. A demora de três semanas para os governos de Israel e Egito abrirem a passagem de Rafah exigiu muita habilidade dos diplomatas brasileiros nas negociações e resiliência dos refugiados.

Lula passou recibo de sua insatisfação com essa demora: "Dependia da boa vontade de Israel, de uma quantidade de pessoas que a gente nem sabia. Agora, vamos ver se ainda tem gente na Cisjordânia que queira vir. (...) Nós não vamos deixar nenhum brasileiro ou brasileira lá se ele quiser voltar. Nós vamos ter que encontrar soluções para trazer", disse.

Sabe-se que outros brasileiros contataram a embaixada do Brasil na Cisjordânia e manifestaram o desejo de voltar, mas não há a menor previsão de quando isso seria possível.

A Embaixada do Israel não se manifestou diretamente, mas o presidente da Confederação Israelita do Brasil (Conib), Claudio Lottenberg, divulgou nota na qual rebateu Lula e classificou suas declarações de "equivocadas e perigosas". Disse, ainda, que "Israel vem fazendo esforços visíveis e comprovados para poupar civis palestinos, pedindo que eles se desloquem para áreas mais seguras, criando corredores humanitários, avisando a população da iminência de ataques".

Segundo Lottenberg, o Hamas "se esconde cínica e covardemente atrás das mulheres e crianças de Gaza" e que "a morte desses civis palestinos é uma arma importante da estratégia do Hamas, uma estratégia que o próprio grupo terrorista reconhece que pratica". Para ele, Lula disseminou "uma visão distorcida e radicalizada do conflito, no momento em que os próprios órgãos de segurança do governo brasileiro atuam com competência para prender uma rede terrorista que planejava atentados contra judeus no Brasil".

Crise humanitária

Os números da crise humanitária em Gaza, divulgados pelo Monitor Euro-ME dos Direitos Humanos, são impressionantes: 11.091 mortos, dos quais 10.203 civis, sendo 4.812 crianças e 2.994 mulheres; 2.551 soterrados, 30.220 feridos; 1,6 milhão de deslocados, 53,7 mil habitações completamente destruídas e 156,2 mil parcialmente; 111 sedes de imprensa, 214 escolas, 64 mesquitas e 12 hospitais destruídos; 397 profissionais de saúde mortos ou feridos; 101 funcionários da ONU e 46 jornalistas mortos.

Diante desses fatos, a mudança de tom de Lula não está descolada de iniciativas diplomáticas para retomar a discussão de um cessar-fogo em Gaza no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), agora sob a presidência da China. Ontem, os Estados Unidos fizeram uma demonstração de força ao bombardear bases islâmicas na Síria, das quais foram realizados ataques contra forças militares norte-americanas na região. Amanhã, provavelmente, o presidente Joe Biden e o presidente da China, Xi Jinping, deverão se encontrar na Califórnia.

Enquanto a China observa a crise em Gaza, os EUA fracassam na tarefa a que se impuseram de serem o xerife do mundo, principalmente no Oriente Médio. Biden é tratado como "pato manco" por Netanyahu. Ontem, o primeiro-ministro de Israel reafirmou que não haverá um cessar fogo: "Isto não é uma 'operação' nem uma 'ronda', mas uma guerra até ao fim. É importante para mim que vocês saibam disso. Isso não é da boca para fora, mas vem do coração e da mente. Se não acabarmos com eles, eles voltarão", disse aos soldados do Batalhão Caracal, no domingo.

Há sinais de que Israel também pretende destruir o Hezbollah no Sul do Líbano, em razão dos ataques de foguetes que vem sofrendo, tão logo assegure o controle sobre Gaza.

A propósito, as investigações da Polícia Federal sobre as conexões do Hezbollah no Brasil avançam. O músico Michael Messias preso no domingo, no Rio de Janeiro, negou envolvimento com o grupo terrorista, mas revelou que suas viagens foram pagas pelo sírio naturalizado brasileiro Mohamad Khir Abdulmajid, procurando pela Interpol e principal alvo das investigações. A PF, que já prendeu seis suspensos, suspeita que o Hezbollah pretenderia "terceirizar" atentados no Brasil.

 

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