Atuante na votação e aprovação da reforma tributária, com presença nos Grupos de Trabalho da Câmara dos Deputados e do Senado, o advogado Pedro Merheb considera a tramitação do texto mais tensa se comparada com outras matérias votadas, em função do trabalho da oposição contra a emenda constitucional. Para o especialista, a ampliação das exceções feitas no relatório aprovado, em decorrência da abertura a setores que se sentem ameçados pela carga do IVA, foi uma "derrota confessa" para a área econômica do governo.
Pedro Merheb considera que a possibilidade do fatiamento na promulgação da emenda, incluindo trechos em comum do que foi aprovado na Câmara e no Senado, "seria flertar com um Frankenstein constitucional sem precedentes", disse ao Correio Braziliense. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), é favorável a esse modelo, mas o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), deixou claro ter resistências.
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A seguir, trechos da entrevista do advogado ao Correio:
Como avalia a aprovação da reforma tributária no Senado e a perspectiva de sua promulgação?
A aprovação da reforma tributária no Senado, embora compartilhe do mesmo açodamento que marcou a etapa anterior na Câmara dos Deputados, foi apreciavelmente mais tensa em razão do empenho obstrutivo que raramente se observa nas dinâmicas da Casa. O quórum para aprovação de emendas é 49 votos e a reforma foi aprovada com 54 votos em meio a uma intensa articulação dos interessados em todas as esferas de governo. Como o presidente do Senado já manifestou suas reservas sobre a hipótese de uma promulgação antecipada, é esperado que ela apenas aconteça depois da deliberação da Câmara sobre as emendas introduzidas pelo Senado.
O Senado fez alterações no texto e inseriu muitas emendas. Foram feitas muitas exceções. Como as avalia?
A fase revisora da PEC no Senado é um dos maiores experimentos democráticos observados no Poder Legislativo desde a Constituinte, disputando o pódio com o Código Florestal e a PEC que deu origem à reforma do Poder Judiciário, considerando o volume de emendas apresentadas e a quantidade de interessados ouvidos em apenas três meses. A abertura a setores que se sentem ameaçados pela carga do IVA e o posterior endereçamento das suas causas pela sua inclusão em regimes específicos se devem à manifesta autonomia do senador Eduardo Braga (relator) em relação à secretaria Especial da Reforma Tributária, do governo, ao longo dos debates. Embora essa autonomia não fosse bastante para desvirtuar o espírito da PEC 45, a ampliação das exceções foi uma derrota confessa para a Fazenda, que já se antecipou em agourar as consequências sobre a carga tributária para que não fossem associadas à pasta posteriormente. Embora o mérito de regimes específicos seja discutível, foi a única solução para setores que não conseguem aproveitar tantos créditos tributários em suas operações e, por isso, temem uma alíquota mais alta. O apelo a regimes específicos teria sido evitado com estratégias que pudessem tranquilizar esses setores, mas que não foram devidamente estudadas em razão do açodamento pela aprovação da reforma.
Está sendo discutido o fatiamento do texto agora que ele volta à Câmara. Arthur Lira tem uma posição favorável, mas Rodrigo Pacheco resiste. O que acha ser o melhor? Como conciliar os textos, é possível?
A pressa em aprovar a reforma tributária a despeito da sua complexidade para que o debate não fosse consumido por dissipações que atrasassem o seu andamento fazia sentido enquanto o seu mérito ainda estava em discussão pelo parlamento. Como falta apenas a deliberação sobre as emendas apresentadas na última etapa, desmembrar a reforma tributária para que ela seja promulgada antecipadamente seria flertar com um Frankenstein constitucional sem precedentes. O fatiamento não conta com a simpatia nem do presidente do Senado nem do senador Eduardo Braga, responsável na condição de relator pelas emendas a serem deliberadas pela Câmara. O consenso necessário para um fatiamento hipotético não é impossível, mas é improvável e sabidamente arriscado. Considerando que o presidente da Câmara já se manifestou pelo pronto agendamento da votação das emendas assim que a PEC retornar para a Câmara, não há a menor chance de a reforma tributária demorar mais do que deveria na Casa Iniciadora na hipótese do fatiamento não vir a ocorrer.
O ministro Fernando Haddad (Fazenda) deu nota 7,5 para o texto aprovado no Senado? Qual sua nota?
É muito difícil esperar que o nosso IVA caboclo venha perfeito ainda na sua gestação. Então, se nem mesmo os entusiastas mais irredutíveis da PEC 45 acreditavam nisso quando o IVA era apenas um idílio entre operadores da área, com as mudanças introduzidas pelo Senado Federal, a perfeição parece cada vez mais distante. Talvez não fosse essa a reforma que queríamos, mas é a reforma que podemos ter, porque, como diz o senador Braga, “a nossa realidade é outra”. A introdução de um modelo moderno baseado na tributação do valor agregado é um grande avanço, e muitas imperfeições foram corrigidas no Senado, como os contornos do que virá a ser o Comitê Gestor. Esse avanço, porém, vem ao custo de uma complexidade tributária que desafia toda a premissa simplificadora da reforma. A nota 7,5 me parece bastante acertada.
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