A extrema direita global viveu um pico nas últimas décadas com a chegada de Donald Trump e Jair Bolsonaro ao poder. Apesar da derrota desses líderes, o movimento demonstra ter resiliência e bases sólidas, e já deixou sua marca para radicalizar a arena política. O próprio Trump, mesmo tentando um ataque inédito à democracia estadunidense, tem grandes chances de voltar a ser eleito no ano que vem. No Brasil, o bolsonarismo se reorganiza após a derrota e a inelegibilidade de Bolsonaro, mas ocupa uma fração significativa do Parlamento. Ao lado, na Argentina, Javier Milei lidera as pesquisas de intenção de voto com atitude bem semelhante à do líder brasileiro.
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O movimento de extrema direita não é novo, nem unificado. Grupos de cada região do mundo trazem sua particularidade. Na Europa, o ataque aos imigrantes ganha destaque no debate. Na América Latina, chama atenção a defesa de pautas do ultraliberalismo, como a diminuição do Estado e o combate aos direitos trabalhistas — característica representada, no Brasil, pela gestão de Paulo Guedes à frente do Ministério da Economia. Países de renda mais baixa também vem a segurança pública, especialmente o endurecimento das punições e da repressão policial, no debate político.
O que há em comum na extrema direita global é uma crítica a consensos de democracia formados após a Segunda Guerra Mundial, a partir de 1945. Apesar de disputas sobre, por exemplo, se apenas o voto garante o regime democrático ou se também é fundamental combater as desigualdades, a importância da participação popular e das liberdades não era questionada pelas potências ocidentais — pelo menos, no discurso. Para o professor de ciência política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Jorge Chaloub, a extrema direita se contrapõe mesmo às definições mais minimalistas sobre o que é democracia.
"Os ataques às urnas e às eleições são uma boa demonstração disso. Trump, Bolsonaro, Milei, quando ganham ou quando perdem, sempre retratam que há uma conspiração que muda os votos", disse o pesquisador ao Correio. Por outro lado, ele aponta que houve uma normalização do direito ao voto por parte dos eleitores, o que os faz menosprezar as consequências de se votar no candidato que questiona as eleições. O famoso "se der errado, a gente tira" não funciona se o eleito acabar com as eleições e com o mecanismo do impeachment.
"O problema é que a construção das instituições políticas, da lógica da legitimidade, não é tão sólida quanto as pessoas acham. Ela é frágil. Uma vez que você mistura e começa a colocar em questão as instituições de maneira muito profunda, não tem como isso produzir outra coisa. E voltar atrás não é fácil", explicou o professor.
Em contraponto, de forma geral, a esquerda no ocidente acabou se configurando como defensora do status quo e das instituições políticas, liderando, no Brasil, o movimento de resposta e combate aos ataques perpetrados por Bolsonaro à ordem democrática. O problema é que, ao não dar respostas satisfatórias a problemas estruturais, e defender um desenho político que é fonte de frustração para grande parte do povo, a esquerda acaba tendo dificuldade de atrair a massa de pessoas que não necessariamente defendem ideias extremistas, mas que vem nelas a única saída política.
Reação
A cientista e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) Camila Rocha aponta ainda outros elementos no centro da extrema direita, que reage às conquistas dos movimentos feminista, LGBTQIAPN e negro nos últimos anos. Atitudes violentas contra esses grupos estão presentes em todas as expressões dessa força política.
"As pessoas que não se entendem como beneficiárias desses movimentos, dessas lutas, entendem que elas estão sendo passadas para trás. Como se houvesse uma fila que está sendo furada", contou Camila. "No limite, é claro que é uma simplificação da realidade, mas não dá para dizer que é algo completamente fora do que as pessoas vivenciam. De fato, para você ter mais mulheres no poder, alguns homens vão perder o poder. Com mais negros, haverá menos brancos. Então tem uma disputa de poder que é real", acrescentou.
Mesmo com as derrotas de líderes importantes, como Trump e Bolsonaro, o movimento de extrema direita mostra ter bases sólidas, e conseguiu deixar sua marca de radicalização na política. Jorge Chaloub aponta que, para além das eleições, um movimento político "vence" ao normalizar seus argumentos. "A extrema direita mudou um pouco o jogo. Muitas coisas que eram tomadas como inaceitáveis no Congresso dez anos atrás, hoje são rotineiras", destacou. Basta ver: o confronto aberto de parlamentares com o Supremo Tribunal Federal (STF); falas racistas, transfóbicas e machistas sem punições; e projetos que querem retirar direitos adquiridos, como o casamento homoafetivo.
Para a professora da pós-graduação de direitos humanos do Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares da Universidade de Brasília (UnB) Vanessa Maria de Castro, a extrema direita deve continuar forte no debate político mundial pelos próximos anos. Ela cita a guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas, na Palestina, como um exemplo da relevância do extremismo.
"Benjamim Netanyahu (primeiro-ministro israelense) é de extrema direita, e todo o movimento dele é para agradar a extrema direita de Israel. A gente percebe como o cenário internacional ainda está sendo ditado por esse grupo. A gente tem também o Hamas, que é de extrema direita, de um país que ainda não está, digamos assim, territorializado, que é a Palestina", explica.
Ela cita o conflito para exemplificar a presença da questão racial no cerne da extrema direita, com a opressão histórica de Israel sobre o povo palestino. "Não adianta a gente falar da Palestina sem falar de raça", diz Vanessa. Para ela, no Brasil, o movimento se ancora no racismo contra as pessoas negras, visando "a permanência de um processo no qual negros vão ter pouco acesso às riquezas produzidas nesse país".
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