Com a aprovação da Reforma Tributária no Senado, as atenções se voltam para o caminho da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 45/2019 de volta à Câmara dos Deputados. Na próxima semana, o texto retornará às mãos do deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), que já havia sido relator da matéria na primeira passagem pela Casa.
Ontem, Ribeiro afirmou que só poderá definir se a votação será fatiada, como defende o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), depois de ter acesso ao texto finalizado no Senado, após a revisão de redação. Par a garantir que a reforma seja promulgada ainda este ano, Lira tem defendido que seja aprovado, primeiro, aquilo que é consenso nas duas casas do Congresso. Isso deixaria algumas das mudanças feitas por Eduardo Braga (MDB-AM), relator no Senado, para o ano que vem.
Observadores que acompanham de perto o processo acreditam que essa ideia tende a perder força. "Qualquer tipo de fatiamento pode jogar no lixo toda a construção complexa (do sistema tributário) que vem sendo feita", observa o cientista político André Pereira César, da Hold Assessoria Legislativa.
Ele lembra que tudo aprovado no Senado foi feito em consenso com a Câmara e com o próprio governo. os relatores nas duas casas reuniram-se frequentemente e até mesmo Lira foi ouvido em alguns momentos. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, assim como o secretário Extraordinário da Reforma Tributária, Bernard Appy, também discutiram cada emenda.
Mas há temas polêmicos, que envolvem as disputas regionais, como a inclusão do dispositivo que permite aos estados do Norte e do Nordeste manterem benefícios tributários para o setor automotivo. Esse item havia sido derrubado na Câmara, mas foi restaurado no Senado.
"É um ponto de risco, porque ficou claro que o pacto federativo no Brasil tem limitações", adverte César.
Além disso, o cientista político recorda que sempre é tempo para negociações com o Centrão por cargos ou emendas no Orçamento. "Temos que lembrar que a Caixa Econômica tem as vice-presidências e há outros espaços, como Funasa (Fundação Nacional de Saúde), além da Lei de Diretrizes Orçamentárias, que está aberta para emendas. Lira, como bom jogador, certamente está fazendo cálculos", aposta.
O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, também entrou em campo. Foi ao Senado cumprimentar o presidente Rodrigo Pacheco (PSD-MG) pela condução da sessão de votação, na quarta-feira, e aproveitou para encontrar Aguinaldo Ribeiro. Disse que o fatiamento é uma hipótese, mas que não foi discutida no governo.
Padilha aproveitou para alfinetar o ex-presidente Jair Bolsonaro, que esteve no Congresso no mesmo dia da votação da reforma para convencer aliados a votarem contra. "O único derrotado foi o ex-presidente da República que, mais uma vez, tentou impedir uma reforma tributária no país", ironizou.
Percepção lenta
O consumidor deverá perceber lentamente o impacto do novo modelo de tributação a ser adotado pela reforma. A principal alteração é a substituição de três impostos federais (PIS, Cofins e IPI) por um único: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Os impostos sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS, estadual) e sobre Serviços (ISS, municipal) serão substituídos pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).
Tanto o CBS quanto o IBS integram o IVA dual — o Imposto sobre o Valor Agregado (IVA), que segue os moldes do tributo único aplicado em alguns países. O IVA terá uma alíquota padrão, que ainda será definida depois da discussão da reforma na Câmara.
Na prática, não haverá mais taxação cumulativa, que ocorre quando um imposto incide sobre outro. Na avaliação dos especialistas, o setor que mais será beneficiado é a indústria, a mais afetada pela cumulatividade. Com a nova regra, o IVA será cobrado no destino final onde o produto será consumido, e não mais na origem.
Além da unificação de impostos, a reforma também traz mudanças significativas para o brasileiro de renda inferior à média nacional. Uma das medidas destinadas à população mais pobre é o direito ao cashback — que deverá receber de volta parte do valor gasto nas contas de energia elétrica e gás de cozinha. Também há a previsão de isenção dos alimentos da cesta básica nacional, a ser definida por meio de lei complementar.
O texto aprovado no Senado também prevê alíquota reduzida do IVA em 60% para 13 setores, como serviços de educação e saúde, alimentos sem açúcar ou conservantes e produtos básicos de higiene pessoal. Também haverá redução de 30% na alíquota dos serviços prestados por profissionais liberais — como advogados e contadores.
A transição do sistema atual para o novo começa em 2026 e será concluída em 2032, quando todos os impostos serão unificados em um federal (CBS) e outro estadual (IBS). Para o tributarista Leonardo Roesler, os efeitos da reforma devem começar a ser sentidos a partir da promulgação — prevê um aumento dos preços e custos, que irá incidir sobre o consumidor final.
"Vai haver um aumento de custo global, seja nos serviços ou na indústria, porque a indústria, por mais que vá ser beneficiada, não vai reduzir o preço final", afirma.
Para Leonardo, haverá uma reação em cadeia, em todas as etapas do processo produtivo, o que fará com que o brasileiro tenha um peso a mais na conta final. "Os especialistas já falam em um aumento mínimo de 15% no valor dos produtos para o consumidor com a reforma", adverte. (Colaborou Raphael Pati, estagiário sob a supervisão de Fabio Grecchi)
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