A violenta reação da milícia à morte de um de seus integrantes — que praticamente parou, anteontem, a Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro — mobilizou autoridades locais e de Brasília. O governador fluminense, Cláudio Castro (PL), passou o dia acompanhando os desdobramentos da operação policial deflagrada após o início dos atentados, na segunda-feira, que deixaram um saldo de 35 ônibus queimados. Na capital federal, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva determinou que as forças de segurança federais participem mais ativamente das ações coordenadas pela Secretaria de Segurança do Rio, atendendo, em parte, um clamor do próprio governador Castro.
Apesar do espírito de colaboração, o governo federal tem sido cauteloso. As declarações do presidente Lula e do ministro da Justiça e da Segurança Pública, Flávio Dino, foram marcadas pela preocupação de demonstrar que o governo federal vai atuar no combate ao crime organizado, mas não pretende assumir o protagonismo do confronto com criminosos nas comunidades cariocas. Esse papel, na visão do Planalto, é das forças de segurança do estado, comandadas por Cláudio Castro, cuja imagem foi seriamente atingida após os ataques de segunda-feira.
Hoje, o governador fluminense passa o dia em Brasília, negociando reforços para enfrentar o avanço das milícias no estado, em uma disputa por territórios dominados há anos pelo tráfico de drogas. Nessa guerra, o estado do Rio de Janeiro viu, nas últimas três décadas, inúmeras megaoperações policiais, intervenções federais, Forças Armadas nas ruas, operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), sem resultados perenes.
Terrorismo
Ante a mais grave crise de seu governo, Cláudio Castro decidiu, inclusive, levantar a bandeira da mudança na legislação, para que atos como os ataques a ônibus sejam considerados terrorismo, com penas muito mais duras. Essa é a pauta que o governador pretende encaminhar aos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
Na visão do Palácio do Planalto, a melhor estratégia para evitar que a imagem do governo Lula também seja contaminada pela histórica inépcia do combate às quadrilhas na capital fluminense é disponibilizar grandes contingentes da Força Nacional e das Polícias Federal (PF) e Rodoviária Federal (PRF) para atuação "complementar", priorizando troca de informações de inteligência e operações coordenadas em rodovias, portos e aeroportos — única hipótese em que a presença das Forças Armadas também é cogitada.
O presidente Lula se reuniu, ontem, com o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, e com os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica para articular essa participação. Hoje, o Planalto deve anunciar os limites da atuação dos militares, com a ressalva de que entrar nas comunidades para enfrentar as quadrilhas é papel das Polícias Militar e Civil do Rio.
Pela manhã, Lula deixou essa posição bem clara em seu programa semanal Conversa com o presidente. Disse que o governo federal não quer "pirotecnia". "Não queremos fazer uma intervenção no Rio de Janeiro como já foi feito e que não resultou em nada. Não queremos tirar a autoridade do governador, tirar a autoridade do prefeito. O que queremos é compartilhar com eles, trabalhar junto com eles uma saída", disse Lula.
Ainda em Brasília, o ministro Flávio Dino reforçou a estratégia do governo federal e informou que já havia deslocado, antes da onda de atentados, 550 agentes — 300 da Força Nacional e 250 da Polícia Rodoviária Federal (PRF) — para atuar no estado.
Dino enviou ao Rio de Janeiro seu substituto direto, o secretário executivo da pasta, Ricardo Cappelli. Ele participou da primeira reunião de monitoramento do plano de atuação das forças federais na segurança pública do estado.
A fim de reforçar o discurso de divisão de responsabilidades, o governador defendeu a tese de que o avanço do crime organizado não é um problema do Rio, mas "de todo o Brasil". "Não são mais organizações criminosas pontuais que estão aqui, estão ali. São verdadeiras máfias alastradas pelo Brasil inteiro: Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia, Ceará, Rio Grande do Norte", alertou.