O relatório final da CPMI do 8 de janeiro não traz apenas suspeitas sobre a atuação dos gestores da Polícia Rodoviária Federal (PRF) durante o governo de Jair Bolsonaro. Ressalta, também, o desvio de finalidade da corporação, que passou a participar de operações sem qualquer relação com a vigilância das rodovias federais.
Um dos exemplos trazidos pelo relatório é a atuação da corporação em uma operação para o cumprimento de mandados de prisão de traficantes de drogas na Vila Cruzeiro, no Complexo da Penha, na Zona Norte do Rio de Janeiro, em maio de 2022. Na incursão, foram mortas 23 pessoas e a justificativa da participação da PRF é que a quadrilha também estaria envolvida com o roubo de cargas.
"Na Vila Cruzeiro, que fica distante de rodovias federais, há indicações de que a PRF teria assumido o protagonismo da operação, que resultou na morte de pelo menos 23 pessoas", ressalta o relatório da CPMI.
A participação da corporação nessas operações foi autorizada por uma portaria, assinada em 2022 pelo então ministro da Justiça e Segurança Pública André Mendonça. Apesar da Constituição estabelecer que o papel da PRF é o "patrulhamento ostensivo das rodovias federais", no governo Bolsonaro a corporação passou a atuar em diligências que iam além das funções previstas em lei.
O Ministério Público Federal no Rio de Janeiro entrou com uma ação para proibir a PRF de participar de operações policiais fora das rodovias. "Especialmente em 2021 e 2022, e eu estou datando apenas porque foram nessas datas mesmo, está comprovado que a letalidade da Polícia Rodoviária Federal aumentou assustadoramente", justificou, ao Correio, o procurador Eduardo Benones, que pediu à Justiça Federal uma liminar contra o desvio de função constitucional da corporação.
Brutalidade
Outro episódio chamou a atenção para a atuação brutal da PRF e indicava uma reorientação na atuação da corporação: a morte do aposentado Genivaldo de Jesus Santos, de 38 anos, diagnosticado com esquizofrenia, no município de Umbaúba (SE), em 25 de maio do ano passado. Ele foi abordado em uma operação da corporação porque pilotava uma motocicleta sem capacete.
Ao ser parado, Genivaldo ficou inquieto. Os policiais encontram com ele uma cartela de medicamentos que usava em função da doença. Ainda mais nervoso, foi derrubado e contido com violência. Já àquela altura, pessoas que conheciam Genivaldo tentaram — em vão — convencer os agentes de que estavam agredindo um homem com problemas mentais.
Minutos depois, Genivaldo foi colocado na parte de trás de uma viatura da PRF. Mesmo algemado, ele continuava agitado. Foi quando um dos agentes, acreditando que assim conseguiria dominar a situação, jogou dentro do veículo uma bomba de gás lacrimogêneo. Genivaldo inalou, sufocou e perdeu os sentidos. Apesar de ter sido socorrido, chegou morto ao Hospital José Nailson Moura. Segundo laudo do Instituto Médico Legal (IML), a morte foi causada por asfixia mecânica e insuficiência respiratória aguda.
As imagens de Genivaldo sendo sufocado chocaram o país — ainda mais porque um dos agentes viu que ele estava com as pernas para o lado de fora e as colocou dentro do carro da PRF. Apesar disso, o ex-presidente Jair Bolsonaro não fez qualquer crítica à atuação dos policiais.
"Não podemos generalizar tudo que acontece no nosso Brasil. A PRF faz um trabalho excepcional para todos nós. A Justiça vai decidir esse caso. Tenho certeza que será feita a justiça e todos nós queremos isso aí. Sem exageros e sem pressão por parte da mídia que sempre tem lado, o lado da bandidagem", disse, em um evento em Recife cinco dias depois. (Colaborou Fabio Grecchi)Saiba Mais