"Los hermanos"

Relação entre Brasil e Argentina pouco se altera com Milei; entenda

Apesar das preocupações de integrantes do governo Lula, especialistas consultados pelo Correio afastam a hipótese de uma manobra radical no relacionamento em caso de vitória do ultradireitista. Consideram que prevalecerá o pragmatismo

Os argentinos voltam às urnas, hoje, para escolher o futuro presidente do país em uma apertada corrida eleitoral disputada pelo ultradireitista Javier Milei, a direitista Patricia Bullrich e o governista Sergio Massa. O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva se jogou de cabeça na campanha do ministro da Economia do governo de Alberto Fernández e gostaria de vê-lo vencedor, mas não teria problemas em lidar com a ex-ministra da Segurança do ex-presidente Maurício Macri. O problema é se Milei, cujas ideias e palavras são consideradas no mínimo chocantes pelo Palácio do Planalto, for o próximo ocupante da Casa Rosada a partir de 10 de dezembro.

Analistas ouvidos pelo Correio, porém, não compartilham da preocupação manifestada pelo governo brasileiro — tal como fez o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que em recente entrevista expressou incômodo com a eventual vitória de Milei. Para os especialistas, a relação com a Argentina está consolidada e dificilmente haverá uma guinada de 180°.

"As relações, agora, estão guiadas pelos princípios diplomáticos, que não enxergam ou não priorizam, exatamente, a ideologia partidária do governante", argumenta Volgane Carvalho, mestre em Direito pela Pontífica Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS).

Visão semelhante é compartilhada por Nicholas Borges, analista político da BMJ Consultores Associados. Para ele, a vitória de Milei — ou até mesmo de Bullrich — poderia tornar as relações entre os dois países apenas mais pragmática. Ele lembra que isso não é inédito e cita o exemplo recente de Alberto Fernández com o ex-presidente Jair Bolsonaro.

"Eles tinham esse distanciamento político e ideológico muito claro e trocavam farpas constantemente. Mas, no campo político, nas negociações internacionais, era uma relação sempre levada a cabo pelos técnicos, pelos respectivos chanceleres", explica.

Volgane e Nicholas se alinham àquilo que, em recente entrevista, disse o embaixador do Brasil em Buenos Aires, Julio Bitelli. O diplomata atribui o destempero de Milei — inclusive as críticas a Lula, a quem chamou de "comunista" — ao "calor da campanha". "Em nenhum momento se falou de rompimento de relações. Isso está completamente fora de discussão", observou Bitelli.

Isso não representa, porém, que o futuro do relacionamento entre o Brasil de Lula e a possível Argentina de Milei esteja livre de embaraços. Na avaliação do mestre em ciência política e doutor em direito Rafael Favetti, o acordo do Mercosul com a União Europeia — que o Palácio do Planalto espera ver fechado até dezembro — ficaria mais distante.

"Com Milei, essa relação entra em stand-by. A fala de que vai sair do Mercosul é dura, mas existem muitas dificuldades para um governante fazer aquilo que quer", observa.

Já para o professor de Economia Internacional pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) Másimo Della Justina, Milei "faz o jogo dos Estados Unidos" — que não vê com qualquer simpatia o acordo entre os blocos sul-americano e europeu. Ele lembra, ainda, a entrada da Argentina no Brics, a partir do ano que vem. "Em estratégia de longo prazo, essa seria a última cartada que os EUA teriam para evitar um Mercosul funcional e forte, e uma Argentina também sendo associada aos Brics", acredita. Para ele, independentemente do vencedor de hoje, o novo presidente argentino pegará um país desestabilizado e fragilizado internacionalmente.

*Estagiário sob a supervisão de Fabio Grecchi

 

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