Mais de nove meses depois dos ataques golpistas contra as sedes dos Três Poderes em Brasília no 8 de janeiro, os atos dos vândalos continuam latentes nas memórias das pessoas e tocando aqueles que se envolveram diretamente nas ações de contenção e reparação dos danos contra os prédios. A Câmara dos Deputados reuniu, nesta sexta-feira (20/10), seis servidores de áreas distintas que trabalharam naqueles dias — como limpeza, segurança e restauração dos bens — para lembrarem e relatarem, em rodas de conversa, a experiência que viveram e suas consequências.
Responsável por coordenar a resistência à invasão da Câmara, o policial legislativo Adilson Ferreira Paz esteve na linha de frente e fez um relato que impressiona. Ele trata o que ocorreu como um "enfrentamento" contra os bolsonaristas radicais que invadiram a instalação da Câmara e repetiu algumas vezes que não sabe como não morreu gente, que foi pura sorte.
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"Foi um enfrentamento contra um grupo muito heterogêneo e que veio para combater. Estavam preparados, com máscaras antigás e roupas camufladas. Sabiam o que estavam fazendo. Estavam bem coordenados e tinham conhecimento da área", destacou.
O policial montou três linhas de policiamento do lado externo, incluído a cúpula do prédio e a rampa, mas, com o passar do dia, bolsonaristas foram lotando a Esplanada e a situação ficou desproporcional. Tentaram pegar a arma dele, mas não conseguiram. Na conversa, Paz contou que até o vento estava desfavorável: as bombas de gás jogadas para conter os invasores seguiam para outro rumo.
"Depois invadiram o prédio e tratamos de proteger, e nos proteger, dentro do plenário. Não tinha com quem negociar. Eles não tinham liderança e nos diziam: 'é cada um por si'", relatou o policial ao grupo de pessoas que foram ouvir os servidores nas mesas de conversa.
Restauração
Gilcy Rodrigues Azevedo coordenou os trabalhos de restauração e recuperação dos objetos e bens culturais destruídos pelos vândalos. Ela se emocionou algumas vezes durante a roda de conversa. A servidora chegou ao prédio às 6h30 do dia 9 de janeiro e jamais se esquecerá do que encontrou: "Era muita coisa para fazer, não deu nem tempo para chorar".
Especialista em gestão de risco, Gilcy afirmou que foi preciso agir rápido para salvar todas as peças vandalizadas pelos terroristas. Os produtos químicos e outros produtos atirados contra as obras exigiam pressa para impedir a deterioração do acervo.
"Você não quer chegar na sua casa e ver as coisas fora do lugar, principalmente quando você trabalha com esses bens que são a história e a memória do povo brasileiro. Vendo a memória sendo danificada, vilipendiada e retirada de mim foi uma dor muito grande", contou.
A especialista relatou também que ajudou na restauração uma ação de prevenção, pois já se trabalhava com a ideia de que um ato de vandalismo poderia ocorrer e atingir todos os bens.
"Obviamente sempre foi um risco previsto, por se tratar de um prédio onde as pessoas se reúnem no seu entorno para se manifestar. Sabíamos exatamente o que poderia acontecer, principalmente nas áreas dos salões. Foi um salvamento rápido."
Os relatos de Paz e Gilcy foram parte do projeto Biblioteca Humana, focado desta vez nos episódios do 8 de janeiro. O evento é realizado pelo Centro de Documentação e Informação (Cedi) da Câmara.
Além dos dois, também participaram dessas rodas de conversa: Aline Ferreira, conservadora-restauradora e que participou do trabalho de restauração; Jônatas Almeida Silva, policial legislativo que também esteve na linha de frente naquele dia; Renato Araújo, funcionário que atuou no reparo dos danos aos computadores ainda no dia 8; e Rosa Raimunda Araújo, funcionária da área da limpeza e que participou ativamente do mutirão de limpeza nas áreas atingidas pela invasão.
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