Diplomacia

Mauro Vieira admite nas Nações Unidas: "Falhamos vergonhosamente"

Chanceler lamentou a "falta de união" dos países para enfrentar a crise no Oriente Médio. A falta de acordo no Conselho de Segurança da ONU é, para o ministro brasileiro, "moralmente inaceitável"

Vieira critica falta de consenso no Conselho de Segurança:
Vieira critica falta de consenso no Conselho de Segurança: "Todos estão vendo nossa incapacidade de nos unir" - (crédito: Getty Images via AFP)
postado em 31/10/2023 03:55

O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, ontem, na véspera do fim da presidência do Brasil no Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU), subiu o tom em um discurso duro sobre a paralisia do órgão, que tem "repetida e vergonhosamente fracassado" na resposta ao conflito entre Israel e o grupo terrorista Hamas.

"O Conselho de Segurança faz reuniões e ouve discursos, sem ser capaz de tomar uma decisão fundamental: acabar com o sofrimento humano. Milhares em Israel e na Palestina estão em luto pelos seus amados. Enquanto israelenses sofrem com o destino dos reféns, os moradores de Gaza sofrem com uma operação militar implacável que vem matando civis, incluindo uma intolerável quantidade de crianças. Nós temos os meios para fazer alguma coisa e até agora, repetidamente, falhamos vergonhosamente", disse o chanceler brasileiro, se referindo as mais de 8 mil mortes no conflito no Oriente Médio.

As declarações foram dadas enquanto Vieira presidia a reunião extraordinária do conselho, chamada pelos países da Liga Árabe, para discutir o conflito.

"Tanques e tropas estão no terreno em Gaza, e o tempo para agir está acabando. Minhas perguntas a todos vocês são: se não agora, quando? Quantas vidas mais serão perdidas até que nós, finalmente, passemos do discurso para a ação?", questionou o brasileiro.

 Além da questão humanitária, uma linha constante na atuação da diplomacia brasileira, a estratégia de subir o tom busca pressionar os outros integrantes do colegiado em construir uma resolução que aponte para o respeito da questão humanitária na Faixa de Gaza. A expectativa é que, com a saída do Brasil da presidência rotativa e com a China assumindo a função durante o mês de novembro, se torne mais difícil a aprovação de qualquer texto.

Desde o início do conflito, em 7 de outubro, quatro resoluções foram propostas no órgão mais importante da ONU: duas pela Rússia, que não obteve o número mínimo de votos, uma pelo Brasil — vetada pelos Estados Unidos — e uma dos EUA, vetada por Rússia e China. Agora, o Brasil corre contra o tempo para conseguir apresentar alguma ação concreta do colegiado antes do fim de seu período na presidência rotativa, que termina hoje.

Os esforços da diplomacia brasileira serão retomados, hoje, em favor de uma proposta base de resolução que tem sido negociada com os outros 14 integrantes do Conselho, mas a avaliação de diplomatas que acompanham os debates é que o texto dificilmente conseguirá o consenso necessário. Com a posse da China na presidência rotativa, a aposta é que os Estados Unidos e seus aliados ocidentais dificilmente aceitariam aprovar uma resolução coordenada pelos chineses.

"Nós continuamos em um impasse em razão de divergências internas, particularmente, entre alguns dos membros permanentes, e graças ao uso persistente do Conselho para alcançar seus próprios propósitos, em vez de colocar a proteção de civis acima de tudo", disse Vieira, criticando o embate entre estadunidenses, chineses e russos.

Estados Unidos, Reino Unido, França, Rússia e China são membros permanentes no Conselho de Segurança, assim com direito de vetar as propostas de resoluções. Os europeus, no entanto, não fazem uso do instrumento desde 1989.

Com a ampliação do antagonismo entre Washington, de um lado, e o bloco oriental — com Moscou e Pequim, do outro —, na prática, o conselho tem vivido em paralisia, sem conseguir aprovar resoluções desde 2016.

"As graves e sem precedentes crises humanas diante de nós exigem que rivalidades estéreis sejam abandonadas. O fato de o Conselho não ser capaz de cumprir sua responsabilidade de salvaguardar a paz e a segurança internacionais devido a antigos antagonismos é moralmente inaceitável", completou Vieira.

 

 

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