Repercute ainda no governo a derrotaimposta ao Palácio do Planalto na última quarta-feira (25/10) na votação, no Senado, da indicação de Igor Albuquerque Roque para a chefia da Defensoria Pública da União (DPU). O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que o indicou, reconheceu em entrevista que tem responsabilidade sobre esse revés. O resultado pegou os governistas de surpresa, até porque o nome do defensor público foi aprovado na sabatina da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) com folga, no placar favorável de 20 a 1, há pouco mais de três meses.
Os bolsonaristas votaram em peso contra o nome de Roque no plenário, sob o argumento de que o defensor teria alguma responsabilidade num seminário organizado pela DPU que discutiu a saúde da mulher, no qual o aborto foi mencionado como uma questão de política pública. Não houve brado ali em defesa da extensão das permissões da interrupção de uma gravidez a não ser as previstas em lei, que são os casos de estupro, de risco à saúde da gestante e de diagnóstico de anencefalia.
Durante sua fala na sabatina, Igor Roque nem tocou nesse assunto. Ao contrário, fez uma referência a um tema que agrada a seguidores de Jair Bolsonaro. Ele defendeu o direito à ampla defesa dos "patriotas" que participaram dos atos de vandalismo do 8 de janeiro.
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"Destaco a atuação da DPU com os presos nos atos antidemocráticos em janeiro. Todos têm direito a uma defesa independentemente do pensamento ideológico. A despeito da gravidade desses atos contra o Estado Democrático de Direito, a DPU entende que esse mesmo Estado deve se fazer presente na defesa das garantias e direitos fundamentais, sem qualquer tipo de discriminação", afirmou Igor Roque, que disse não haver incoerência nesse papel dos defensores públicos que defendem esses bolsonaristas.
"Para ainstituição, que preza a dignidade humana e a defesa dos direitos humanos, não há qualquer incoerência em repudiar os atos antidemocráticos do 8 de janeiro e ao mesmo tempo trabalhar na defesa dos direitos de pessoas vulnerabilizadas que estão respondendo por esses atos na justiça. Todos e todas têm direito a ampla defesa e ao devido processo legal."
A indicação de Roque teve como relator o senador Humberto Costa (PE), líder do PT na Casa, que o apresentou como alguém com "todas as credenciais" para assumir a DPU. Ambos são pernambucanos.
O defensor prosseguiu, durante a sabatina, falando sobre seu envolvimento e sua disposição de trabalhar contra as desigualdades sociais."Atendemos pessoas vulneráveis que precisam de remédio, da mãe aflita que não consegue dar aos filhos a atenção à saúde necessária e o pão de cada dia. As pessoas com deficiência, que precisam dos benefícios previdenciários, a inclusão social, quem sofre com questões de moradia, os que estão em situação de prisão, os indígenas, os ribeirinhos, quilombolas, as pessoas LGBTQIA+. E a nossa população negra, que sofre diariamente com o peso do racismo", afirmou Roque aos senadores.
Sentado próximo a ele na CCJ, o senador Jader Barbalho (MDB-PA) ganhou um elogio de Roque, mas o parlamentar paraense foi um dos ausentes na votação do plenário que sacramentou a derrota do defensor.
O também defensor público federal Gustavo Ribeiro, que atua perante o Supremo Tribunal Federal (STF), lamentou que a DPU esteja sem um defensor-geral efetivo desde janeiro.
"Essa falta de definição, de alguém para planejar. O que pesa, na verdade, é que o interino fica com dificuldade em tomar grandes decisões. De fazer um planejamento para seu trabalho. Tinha um nome (Daniel Pereira, indicado por Bolsonaro no fim de 2022), mas foi retirado. Depois, veio outro, o do Igor (indicado por Lula em 19 de maio), só sabatinado (11 de de julho) e votado (25 de outubro) depois de algum tempo. Aprovado e depois rejeitado", lembrou Ribeiro.
Mea-culpa
Lula reconheceu não ter trabalhado pela aprovação do nome de Roque e atribui sua falta de empenho a sua cirurgia.
"O fato de não terem aprovado o Igor, possivelmente eu teria culpa, porque eu estava hospitalizado, não pude conversar com ninguém a esse respeito e nem sequer avaliar se ele poderia ser trocado ou não. Eu lamento profundamente. Eu não sei com quantos senadores ele conversou e se ele conversou com os líderes do governo", disse o presidente.
Na quarta, Roque acompanhava a votação do fundo do plenário, cercado por alguns assessores do Palácio. Com o correr da sessão, parlamentares do PT identificaram uma mobilização para não conduzi-lo ao comando da Defensoria. Só os votos dos bolsonaristas não seriam suficientes para se atingir esse propósito. A ausência de aliados de Lula no plenário, somada a um movimento de um grupo silencioso que desejava o tal recado para o Planalto, foi a razão da derrota.
Não compareceu para votar, além de Barbalho, a Professora Dorinha Seabra (União-TO), que é vice-líder do governo.
Senadores da oposição, como Carlos Portinho (PL-RJ), foram para as redes dizer que a derrota era um recado para Lula e que a possível indicação do ministro da Justiça, Flávio Dino, para o Supremo correrá riscos.
"Derrubamos o indicado do Lula para a DPU. Recado dado. Gesto forte! Tenho dito: se colocar o Dino pro STF vai passar vergonha!", postou Portinho.
O governo não entendeu assim. Os assessores do Planalto disseram, após a sessão, que são "coisas distintas". Acreditam que o nome de Dino será aprovado, mas não com a votação de Cristiano Zanin, que amealhou 58 votos, incluídos até alguns de senadores ligados a Bolsonaro.
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