Eduarda Paz (Especial para o Correio)
"Esta é minha quinta guerra e é diferente de todas as outras". A afirmação, feita com tristeza e amargura, é da professora de matemática Huda AlAssar. Ela viveu 15 anos no Brasil como refugiada e voltou, em 2006, para o sul da Faixa de Gaza, onde está com a família. A falta de água, alimentos, auxílio social, psicológico e o medo constante fazem parte da rotina.
Em 1991, Huda veio para o Brasil. Aqui, construiu família, formou-se em matemática e deu aula em escolas públicas de Duque de Caxias, município da Baixada Fluminense (RJ).
Em 2006, viajou com os quatro filhos para visitar a família em Gaza, onde pretendia ficar até 2008. No ano de retorno, Israel atacou a região. Huda e a família não conseguiram voltar.
Questionada sobre auxílios psicológicos e sociais durante o conflito, ela relata, emocionada, que são inexistentes. "Ninguém pode ter atendimento agora. Vamos fazer quando acabar. Como sou professora, tento ajudar para oferecer auxílio às crianças. Os pequenos não conseguem esquecer o que viram, os amigos que perderam", lamenta.
Guerras não são apenas bombardeios, tiros, mortes e mutilações. São, também, traumas, choques. Segundo a diretora da Federação Árabe Palestina no Brasil (Fepal), Ashjan Sadique Adi, o auxílio é fundamental para as pessoas que vivem os conflitos.
"A guerra afeta o psicológico, o mundo interno. Ocorre um bombardeio mental que gera medo, desespero e aflição. A saúde física é prioridade nessas questões, mas é preciso cuidar da saúde mental", afirmou a psicóloga social.
Preconceito
A Fepal trabalha junto às comunidades palestinas brasileiras — em torno de 20. Também atua para informar o que ocorre na Palestina e tentar derrubar o preconceito.
"Em Campo Grande (MS), soubemos que um motorista de aplicativo não quis aceitar uma moça — disse que ela era terrorista. É um trabalho (de conscientização) que precisa ser permanente", ressaltou.
Para a psicóloga clínica e social Reimy Solange Chagas, que atuou como gestora de saúde mental em agências internacionais, o sofrimento da guerra não é natural. "É sociopolítico e histórico. A pessoa é marcada de tal maneira que prejudica a vida dela", afirma.
Ela explica que o atendimento em territórios em guerra precisa levar em consideração o contexto geopolítico. A tristeza causa, segundo Reimy, um estado psicológico de luto. Por isso, o auxílio não é simples, ainda mais em territórios de conflito constante.
Quando a pessoa consegue sair do conflito, o serviço assistencial do país que a recebe precisa garantir os direitos necessários. A Cáritas, no Rio de Janeiro, atua em programas de acolhimento e proteção de refugiados. "Muita gente ainda desconhece que essas pessoas sofrem preconceito. Trabalhamos na comunicação com a mídia em geral, nas redes sociais, criando campanhas, contando histórias, pessoas que vão abraçando a causa", observa a coordenadora do programa de atendimento da Cáritas, a assistente social Aline Thuller.
Os brasileiros que desembarcaram na Base Aérea do Galeão, no Rio de Janeiro, em 14 e 15 de outubro, receberam auxílio de quatro voluntárias. O atendimento foi feito pela Força Nacional do SUS, do Ministério da Saúde.
Segundo Nilton Pereira Junior, diretor do Departamento de Atenção Hospitalar, Domiciliar e de Urgência da pasta, foram realizados mais de 240 atendimentos. "Estamos em contato com pessoas que tenham experiência em conflitos, guerras e com refugiados", afirma.
A psicóloga Fernanda Serpeloni é uma das voluntárias. Ela explica que os primeiros atendimentos são importantes para dar suporte. "Na primeira fase, podem aparecer lembranças, sentimentos de medo, sobressalto, taquicardia ou até mesmo garganta seca", descreve. "A primeira escuta pode levar para outros atendimentos também", acrescenta.
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