Ponto a ponto

Luís Roberto Barroso, presidente do STF: 'Não vejo crise com o Congresso'

Ministro anuncia que pretende dialogar com o Legislativo de forma respeitosa, "como deve ser". E lembra que quando não se tratar de uma decisão que envolva cláusula pétrea da Constituição, a última palavra deve ser do Parlamento

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, assegurou, ontem, que não existe crise alguma entre Judiciário e Legislativo. Ao conceder a primeira entrevista coletiva horas depois de assumir o comando da Corte, sucedendo a ministra Rosa Weber, ele deixou claro que o diálogo entre os dois poderes não está interditado. "Pretendo dialogar com o Congresso de forma respeitosa e institucional, como deve ser. Não vejo crise. O que existe, como em qualquer democracia, é a necessidade de relações institucionais fundadas no diálogo, na boa-fé", afirmou. O aceno de Barroso à distensão vem no momento em que o deputado bolsonarista Domingos Sávio (PL-MG) protocolou uma proposta de emenda constitucional pela qual o Congresso poderia derrubar, por maioria qualificada, as decisões do STF que "extrapolem os limites constitucionais". A PEC conta com o apoio de 175 deputados alinhados com a extrema direita. Além disso, o Supremo vem sendo muito criticado por decisões que, teoricamente, ferem o poder legislador do Congresso — como a decisão sobre o marco temporal de demarcação de terras indígenas e a descriminalização da quantidade de maconha que distinga o traficante do usuário ou a que faz com que o aborto até a 12ª semana de gravidez não seja crime. A seguir, os principais temas tratados por Barroso na entrevista.

Tensão entre Poderes

"A Constituição brasileira cuida de muitos temas que outras partes do mundo são exclusivos da política. Cuida de matéria tributária, de saúde, educação, proteção do meio ambiente, dos indígenas. O arranjo institucional cria superposições. Portanto, pretendo dialogar com o Congresso de forma respeitosa e institucional, como deve ser. Não vejo crise. O que existe, como em qualquer democracia, é a necessidade de relações institucionais fundadas no diálogo".

Decisão final

"Não é uma competência arbitrária de dar a última palavra sobre a Constituição. Há um permanente diálogo explicitado ou não com os outros poderes e com a sociedade em geral. E não se tratando de uma decisão sobre cláusula pétrea, o Congresso no fundo é quem tem a última palavra. Porque ele sempre pode produzir uma emenda revertendo a situação do Supremo. E isso acontece em todo mundo. Não é um fenômeno brasileiro.

PL das Fake News

"A questão do PL está em tramitação no Congresso e fora da minha atribuição, embora seja um defensor da regulação moderada, parcimoniosa, com uma estrutura mínima estabelecida em lei. Acho que isso deveria se transformar em senso comum. Não importa se alguém é liberal, progressista ou conservador. Todos estamos todos de acordo que não pode ter pedofilia nas redes, não pode ter venda de armas, de drogas, discurso de ódio pregando ataques a pessoas e instituições. Há um meio termo muito razoável que todos nós podemos estar de acordo".

Regulação das redes

"Temos que regular para impedir conteúdos inaceitáveis socialmente. Temos que regular para tratar do compartilhamento de receitas. É preciso regular para enfrentar os comportamentos coordenados e inautênticos que ocorrem quando se amplifica automaticamente por meio automatizados desinformação. Isso é grave".

Papel da imprensa

"Com a evolução digital e a ascensão das plataformas, boa parte da publicidade migrou dos meios de comunicação tradicionais para os meios digitais. Porém, a crise do modelo de negócios na imprensa tradicional é uma preocupação democrática porque a imprensa, embora privada, não é só um interesse privado. Há um interesse público na atuação da imprensa, que é criar um universo de fatos comuns sobre os quais as pessoas formam as suas opiniões".

Mulheres no Judiciário

"A nomeação de ministros no Supremo é uma prerrogativa do presidente da República, com a participação do Senado. Os três nomes, Flávio Dino (ministro da Justiça e Segurança Pública), Jorge Messias (advogado geral da União) e Bruno Dantas (presidente do Tribunal de Contas da União), são excelentes dos pontos de vista de qualificação técnica e de idoneidade. Todo mundo assistiu ao meu discurso de posse e sabe que defendo a feminilização dos tribunais de maneira geral, mas essa é uma prerrogativa do presidente".

Marco temporal

"A vantagem do constitucionalismo democrático é que a instituição demarca, com algum grau de precisão, as competências de cada um dos Poderes da República. A questão do marco temporal: houve um projeto de lei aprovado, ele ainda vai a sanção, ainda não foi questionado do ponto de vista da lei no Supremo. Mas ainda pode vir a ser. (...) Essa é uma decisão que também comporta algum diálogo porque ela também não é bem compreendida. O Supremo decidiu que, se em 1988 uma determinada comunidade indígenas não estivesse ocupando uma área porque, dali, foi expulsa injustamente, mas continuou reivindicando a área, o marco temporal não se aplicaria. Se ele tivesse saído de lá e não tivesse voltado mais, não poderia um belo dia aparecer e reivindicar aquela área".

Temas incômodos

"Drogas e a questão da interrupção da gestação são questões controvertidas em todo o mundo. Em alguns países, esse tema foi resolvido pelos tribunais constitucionais e, em outros países, foi tratado por legislação. Acho perfeitamente normal que uma questão tão importante e decisiva da sociedade seja debatida no Congresso também".

Descriminalização

"É preciso esclarecer um ponto que tem sido mal compreendido de maneira geral. Criminalizar ou descriminalizar drogas é uma competência do Congresso. Portanto, ninguém discute isso. O que está em discussão é um dispositivo do Código Penal relativo ao porte para consumo pessoal. O Congresso tomou a decisão de despenalizar o porte de drogas para consumo pessoal. Essa não é uma decisão do Supremo. O que o STF está fazendo é definir qual quantidade vai ser considerada porte e qual vamos considerar tráfico".

Debate sobre drogas

"O Brasil precisa de um debate sobre a política de drogas, porque ela é responsável pelo encarceramento de jovens pobres de periferias do Brasil. O que estamos fazendo não está dando certo. É uma política (contra as drogas) que não serve para nada. Nenhum tema deve ser tratado como tabu".

Golpistas do 8/1

"A escolha do plenário virtual é do relator (ministro Alexandre de Moraes). O caso só sairá do virtual se algum dos ministros pedir destaque, para que o caso seja julgado no plenário físico. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) está no papel dela. As pessoas e as instituições, na vida, têm papéis diferentes. Mas eu, pessoalmente, acho que o julgamento em plenário virtual, ao contrário do que às vezes se supõe, não interfere com o direito de defesa".

Frases polêmicas

"Quando você cumpre a missão da sua vida, nem elogio e nem críticas desviam do caminho que você escolheu. Lido bem as duas coisas. Espero que o quadro de radicalização, agressividade e desrespeito que levou a essas duas manifestações [o ministro respondeu, em Nova York, a um bolsonarista que tentou constrangê-lo sobre o resultado da eleição com a expressão 'Perdeu, mané'; e em um evento da União Nacional dos Estudantes, em 12 de junho, ao se dirigir à plateia disse que 'nós derrotamos o bolsonarismo'] não se repita mais. Foram frases em momentos de grande agressividade, agressão, xingamentos e ofensas. A minha crítica era ao extremismo e não às milhões de pessoas que votaram no ex-presidente (Jair Bolsonaro) com todo direito que elas tinham de votar nele".

Militares nas eleições

"As Forças Armadas eram fiscalizadoras das eleições desde antes da minha gestão no TSE (Tribunal Superior Eleitoral). O que criei, diante das acusações injustas e falsas de fraude, foi uma comissão de transparência. Lamentavelmente, as coisas não se passaram bem ali, porque o desejo era para que contribuíssem para a transparência e para a segurança. E trabalharam para levantar desconfianças".

Questão prisional

"Pretendo divulgar a pauta com antecedência. Hoje (ontem) é meu primeiro dia, portanto pretendo ter uma reunião de pauta. Temos cerca de 300 processos na fila, precisamos fazer uma seleção adequada. A única coisa que já defini: penso em começar a gestão tocando uma questão muito espinhosa e muito importante que é a questão prisional. Na terça-feira, possivelmente, essa vai ser a primeira discussão".

Responsabilidade fiscal

"A mim, me pareceu injusto remunerar a poupança do trabalhador com um valor inferior ao que se remunera a caderneta de poupança, sendo que o FGTS (Fundo de Garantia Por Tempo de Serviço) ainda tem menos liquidez.

Ações penais

"As ações penais tomam muito tempo do Plenário, que deve ser reservado para as de impacto coletivo, mais do que para os casos individuais, que geralmente ficam nas turmas. Há essa ideia de voltar as ações penais para as turmas a fim de agilizar os processos".

 

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