Paridade é pouco diante do que as mulheres querem e merecem. Em entrevista ao Podcast do Correio, a juíza Bruna dos Santos Costa Rodrigues do Tribunal de Justiça do Ceará apresentou os motivos que a levam a encampar uma luta incansável pela paridade de gênero no poder Judiciário e pela indicação de uma ministra negra ao Supremo Tribunal Federal.
Mulher, negra, filha de um colocador de papel de parede e de professora da rede pública, ela viveu uma situação marcante na carreira quando era juíza no município de Graça, 370km distante de Fortaleza. Uma mãe chegou acompanhada da filha dizendo que queria apresentá-la à criança, que certo dia havia chegado da escola e passado tempo demais no banho. “Ela falou: ‘Mãe, eu tô suja. Eu quero tirar essa cor de mim. Na escola, os meninos, os meus amiguinhos, disseram que a minha cor é muito feia, que eu tenho a cor encardida’”, relatou a mulher na sala da juíza. Diante de Bruna, a mãe apontou e disse: “Filha, você já viu a nossa juíza? Ela é negra”.
Desde o início da carreira, portanto, Bruna se tornou referência para outras meninas e mulheres como ela, e ainda combinou com aquela criança que um dia ela poderia ser uma juíza, como ela. “Quando uma mulher, uma menina, vê um Supremo Tribunal Federal com essa inexpressividade na sua composição, essa inexpressividade de gênero, isso reflete no futuro delas isso reflete, na autoestima”, destacou, em entrevista aos jornalistas Ana Maria Campos e Carlos Alexandre de Souza.
No Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a juíza integrou o grupo de trabalho para a elaboração e discussão de medidas contra violência doméstica e faz parte do Movimento Paridade no Judiciário, que coleta assinaturas para uma carta a ser enviada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para pedir a indicação de uma mulher negra ao STF.
“Não é (um movimento) só do poder Judiciário, são todos os Poderes. Na verdade, é da sociedade como um todo. Mas, naturalmente, esse movimento nacional da paridade de gênero no Judiciário acaba por trazer reflexos para outras carreiras”, observou a magistrada. “Temos uma sociedade que é majoritariamente feminina. Nós temos mais mulheres e nós temos mais mulheres negras. Mas, nas instâncias de poder, vemos a presença majoritária de homens, e isso não é um segredo. São dados do IBGE e do próprio CNJ”, completou. Na primeira instância, são 40% de mulheres e 60% de homens. Já na segunda instância, o número de mulheres cai para 25%.
O CNJ deu início, na manhã de ontem, à votação de uma resolução que disciplina a paridade de gênero no Judiciário a partir de critérios como merecimento e antiguidade. Ela ressaltou que a proposta do conselho é inovadora, e permite a multiplicidade de pensamentos que levará a agregar valores inclusive no momento do julgamento. “É importante que, numa sociedade como a que vivemos e na democracia, o poder Judiciário seja plural como a sua sociedade. Isso é de extrema importância, pois traz maior legitimidade. O que nós temos é a necessidade imperativa vinda da Constituição pela paridade de gênero.”
Juíza pioneira
Bruna citou o caso da juíza Auri Moura Costa para exemplificar o machismo que historicamente permeia as escolhas no Judiciário brasileiro. Primeira juíza do Brasil e primeira mulher a ocupar a presidência do Tribunal Regional Eleitoral do Ceará, em 1974, ela ingressou na magistratura por concurso e foi escolhida graças ao nome, que não era claramente feminino. “Quando ela chegou lá e viram, falaram: ‘Mas é mulher? Ela fala: ‘Eu sou mulher’. Mas ela já tinha tido tudo tão excelente que foi aprovada a primeira juíza do Brasil”, contou Bruna.
Daí começou um caminho sem volta: a luta de mulheres como Auri, os movimentos feministas, o acesso ao ensino superior, até a mobilização, agora, pela paridade nos cargos da magistratura. “O direito não nasce dos lírios. Nós ouvimos isso na faculdade. Os direitos decorrem de lutas sociais. Nós precisamos de movimentos sociais”, ressalta a juíza, que é mestra em políticas públicas pela Universidade Estadual do Ceará e escreveu a dissertação sobre a sub-representatividade de mulheres negras no Supremo Tribunal Federal (STF).
“Construir uma sociedade que seja livre, em que haja redução da desigualdade social, não é mera palavra escrita: é um comando constitucional. Eu acredito que, independentemente do que vai ocorrer no Conselho Nacional de Justiça com relação a essa resolução, o movimento por si só já foi muito importante”, destacou.
Assista à íntegra do podcast: