O Brasil está bem perto de adotar uma política de controle da emissão de gases de efeito estufa que pode trazer ganhos econômicos bilionários. Tramita no Senado Federal o Projeto de Lei 412/2022, que cria um mercado de carbono por meio de legislações voltadas à economia de baixa emissão de gases de efeito estufa. O relatório da proposta foi apresentado pela senadora Leila Barros (PDT-DF), na sessão na Comissão de Meio Ambiente (CMA), na última quarta-feira.
O texto deve ser votado na Comissão de Meio Ambiente até o fim de setembro e, assim, seguir para apreciação do plenário. A intenção é que o relatório seja aprovado antes da próxima Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP28), que começa em 30 de novembro, em Dubai, nos Emirados Árabes. A ideia é que o Brasil apresente um sistema eficaz de comércio de carbono e passe a contribuir, mais efetivamente, para frear o efeito estufa e apresentar os primeiros resultados antes da COP30, marcada para Belém, em 2025. Profissionais envolvidos na elaboração das regras do novo mercado de carbono esperam que o relatório da senadora Leila seja aprovado sem grandes dificuldades, apesar de conter alguns pontos polêmicos.
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"Esse é um tema que desperta bastante interesse e é um dos poucos temas, hoje, no Senado, que é bem visto independentemente do espectro político. Eu acho que ele não tem tanto problema em termos de aprovação, mesmo entendendo que vai ter, sim, debate. E esse debate vai ter alguns impactos, ainda que pontuais, no texto. A minha expectativa é que seja uma aprovação tranquila", estima Tiago Amaral, assessor parlamentar do senador Jaques Wagner (PT-BA) — que faz parte da CMA — e um dos técnicos envolvidos na elaboração do projeto.
O projeto cria um comércio de carbono no Brasil e estipula limites de emissões de CO² (dióxido de carbono) para indústrias e empresas. Com isso, o setor industrial será obrigado a investir em tecnologias e iniciativas para diminuir a quantidade de gases nocivos dispensados no planeta e, assim, contribuir para frear o aquecimento global. "As indústrias vão ser, de certa forma, obrigadas a investir em inovação, tecnologia e energia limpa. Tem todo um processo que, para nós, vai ser muito positivo. O Brasil tem que se tornar uma vanguarda nesse sentido", ressaltou Leila Barros.
Para estabelecer esse comércio, o relatório abraçou três projetos de lei que tratam sobre o mesmo assunto e estabelecem, além do marco regulatório para a compra e venda de créditos de carbono, sanções para empresas que ultrapassarem os limites de emissões de gases. "É uma matéria que não existe campo, não é de esquerda nem de direita, é uma pauta fundamental, prioritária para o Brasil, e vai dar grande impulsionamento na redução das emissões de gases de efeito estufa e, também, contribuir para a área econômica", avaliou Leila.
Segurança jurídica
O projeto institui o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), que será responsável por estabelecer regras que se aplicam às atividades, fontes e instalações que emitam ou possam emitir gases de efeito estufa. O SBCE também irá controlar o comércio do crédito de carbono, os ativos gerados e será responsável pela implementação gradual desse sistema no país.
O SBCE será gerido por um comitê ligado a algum ministério, que ainda não está definido, mas existe a possibilidade de ser atribuído à pasta da Fazenda. Além disso, o projeto prevê algumas regras que poderão ser incrementadas posteriormente pelo operador do novo mercado regulado.
Entre essas regras estão a implementação de limites máximos de emissões; a estipulação da quantidade de Cotas Brasileiras de Emissões a ser alocada entre os operadores (empresas) e do percentual máximo de Certificados de Redução ou Remoção Verificada de Emissões admitidos na conciliação periódica de obrigações; e a gestão dos mecanismos de estabilização de preços dos ativos financeiros.
Os crédito de carbono serão consideradas ativos mobiliários, com negociação regulamentada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda. Em relação aos ganhos advindos da venda desses créditos, haverá tributação no Imposto de Renda (IR).
As regras, na visão do advogado ambiental André Pereira de Morais Garcia, do escritório Duarte Garcia, Serra Netto e Terra, conseguirão dar ao Brasil segurança jurídica, além de melhorar a visão internacional do país. "O PL vem exatamente para dar maior segurança jurídica e movimentar muito a economia, tem muito dinheiro dentro desse mercado. A gente está falando de um mercado bilionário", ressaltou.
Não são todas as empresas que estarão sujeitas à regulamentação. As indústrias que emitem acima de 10 mil toneladas de CO² por ano serão obrigadas a submeter um plano de monitoramento de emissões ao SBCE e enviar relato de emissões e remoções de gases de efeito estufa, conforme plano de monitoramento, depois da aprovação do projeto pelo órgão gestor do SBCE. As que emitem acima de 25 mil toneladas, deverão, além das normas atribuídas às organizações com menos emissões, enviar o relato de conciliação periódica de obrigações.
As indústrias que não cumprirem essas determinações, estarão sujeitas a multas, que variam de 5% do faturamento bruto da empresa a multas de R$ 50 mil a R$ 5 milhões. Outras sanções também poderão ser aplicadas, como suspensão ou cancelamento de registro, licença ou autorização, e suspensão da participação em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito.
"Sabemos que nenhuma legislação vai ser perfeita, mas instituir um sistema, tratar o mercado de carbono de forma transparente, regulamentando, vai ser importante para os acordos multilaterais que o Brasil tem e, também, na questão da economia", disse Leila.
Potencial bilionário
O comércio será baseado no sistema de crédito de carbono (CO²), que funciona como uma bolsa de trocas, em que uma empresa que emite menos carbono do que o permitido ganha uma espécie de certificado, apontando o crédito que pode ser negociado com uma indústria, por exemplo, que polui o ar acima do estabelecido pela lei.
Assim, o sistema gera uma compensação de gases emitidos e fomenta um mercado bilionário. Grandes áreas ambientais preservadas, como na Amazônia Legal, têm grande saldo positivo de créditos de carbono, por causa da capacidade de absorver esses gases e reduzir a poluição global. O Acre, por exemplo, detém uma capacidade potencial de reter 100 milhões de toneladas de CO², que podem ser vendidas por US$ 5,64 (cerca de R$ 30) cada crédito, somando um ativo financeiro de US$ 564 milhões.
"Esse mecanismo, além de contribuir com a mitigação das mudanças climáticas e com a redução da emissão de gases do efeito estufa, propicia benefícios secundários ao manter a floresta em pé, preservando a biodiversidade e demais serviços ecossistêmicos", ressaltou o engenheiro florestal Leonardo Bialli acerca do sistema de crédito de carbono relacionado às áreas de preservação da natureza.
Esse conceito surgiu a partir do Protocolo de Kyoto, em 1997, "baseado numa preocupação dos países em relação às mudanças climáticas, que já estavam ocorrendo naquela época, mas levaram anos para que esse mercado avançasse um pouco, a partir da criação de parâmetros para os países desenvolvidos regularem as suas emissões de carbono, e possibilitando que países em desenvolvimento fizessem uma compensação por meio de créditos", explicou o advogado ambiental André Garcia.
Métricas e padrões
"Esse mercado teve uma desaceleração por conta de uma ausência de padrões e métricas que, muitas vezes, geravam uma sobreposição desses crédito de carbono, não era uma medida muito confiável naquela época", lembrou o advogado. Em 2015, com o Acordo de Paris, houve um nivelamento desses parâmetros e o mercado começou a avançar. "O acordo começa a estabelecer, em seu Artigo 6º, padrões para esses créditos de carbono, de uma forma que deu segurança jurídica para esse comércio. Então, sei que estou comprando um crédito e, à medida que eu o compenso, ele deixa de existir. Assim, são inventariados outros créditos ao longo dos anos. Isso é muito bom e gerou um reaquecimento desse mercado de compensação", esclareceu Pereira.
Esses créditos são calculados, geralmente, por engenheiros ambientais especialistas no assunto, que usam padrões técnicos e métricas já adotados para chegar a um valor aproximado do volume de emissões que deixaram de ir para atmosfera. Com esses valores, a empresa pode negociar com outras organizações, e a indústria que adquirir os créditos vai utilizá-los dentro do inventário de emissões.
A Europa é, hoje, referência no comércio de carbono, por deter o maior mercado do mundo, com mais de 10 mil instalações industriais que fazem parte do sistema. Califórnia, nos Estados Unidos, Quebec, no Canadá e o México também adotaram regras para segmento. O Brasil, apesar de ainda não ter regulamentação, adotou o mercado voluntário. "Por isso que se espera muito uma regularização do mercado brasileiro, para que determinados setores da indústria passem a ter um limite máximo anual de emissão de gases do efeito estufa e, posteriormente, façam sua compensação ou invistam em tecnologias que reduzam gases e possibilitem um meio ambiente melhor", afirmou Pereira.
Quatro perguntas para senadora Leila Barros (PDT-DF)
O que a senhora destacaria como pontos mais importantes do projeto?
A proposta se destaca por ser a mais sólida e equilibrada até agora para criar um sistema de precificação de carbono no Brasil. Estabelece o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE) de forma completa, cumprindo obrigações internacionais e proporcionando segurança jurídica para empresas e investidores. Além disso, é abrangente e flexível, permitindo ajustes contínuos através de regulamentações específicas.
Como indústrias e investidores têm reagido à proposta?
O setor industrial e empresarial tem reagido de forma positiva à proposta. A avaliação geral é que o texto é excelente. Recebemos vários questionamentos e sugestões, sempre muito pontuais. Meu gabinete segue aberto para receber sugestões, visando construir um consenso essencial para aprovarmos esse importante projeto para o desenvolvimento sustentável da nossa economia.
O que isso afeta, na prática, o dia a dia das pessoas e a dinâmica das empresas?
A implementação do Mercado de Carbono promoverá inovação, incentivando empresas a adotarem tecnologias mais limpas e eficientes. Isso criará empregos e renda. A credibilidade dos créditos de carbono atrairá investimentos estrangeiros, que podem ser reinvestidos em políticas públicas. O SBCE é um instrumento que busca precificar o carbono e reduzir as emissões das instalações que mais emitem. A consequência direta é a redução na pegada de carbono dos produtos produzidos nestas instalações.
Quais as expectativas para o avanço desse projeto no Senado? Acredita que ele será aprovado sem grandes alterações?
Esperamos concluir a votação até o fim de setembro. Os senadores entendem a importância desse projeto para a economia brasileira. Regular o mercado de carbono agora é medida fundamental para que, no futuro, não tenhamos que enfrentar regulamentações estrangeiras que podem pressionar nossa economia e dificultar nossas exportações, principalmente do agronegócio. Como disse, os questionamentos são pontuais e não acho que o texto terá grandes alterações.