Em uma inusitada parceria, antigos aliados de Jair Bolsonaro se juntaram e foram buscar acolhimento num dos extremos da esquerda da política nacional, o PSol. Militares de baixa patente das três forças, como cabos, sargentos e soldados, e familiares se aproximaram de parlamentares do partido tido como o "mais radical" do Congresso ainda no governo do "capitão", que se encerrou ano passado.
A proximidade e a interlocução entre esses segmentos das Forças Armadas com o PSol se fortaleceu a partir deste ano. Deputados do partido, casos de Glauber Braga (RJ) e Fernanda Melchionna (RS), têm recepcionado grupos desses ex-bolsonaristas em reuniões nos plenários da Câmara.
A pauta que os uniu diz respeito à melhorias do sistema de proteção social dos militares, principalmente a previdência. A reforma das aposentadorias do governo Bolsonaro privilegiou os militares de alta patente, como generais e coronéis.
Ao Correio, o deputado Braga afirmou que a esquerda tem que atuar em favor dos direitos dos praças, ignorados por Bolsonaro, na lei aprovada pelo governo. "Com essa lei, Bolsonaro só olhou para os oficiais e deixou para trás mais de 80% das Forças Armadas. A esquerda tem que lutar pela garantia de direitos de praças e com isso disputá-los também para uma orientação anti-imperialista, exatamente o contrário do que fez o governo passado", afirmou o deputado do PSol.
Muito acessada por militares da reserva, a revista Sociedade Militar chegou a publicar um texto com a informação de que "deputado do PSol toma de Bolsonaro posição de defensor de praças do Exército, Marinha e Aeronáutica". Essa matéria afirmava que no Rio, "berço eleitoral" do ex-presidente, o parlamentar "ganha confiança de militares e protagoniza busca de direitos para a categorias na base da estrutura militar".
Esses deputados do PSol organizaram uma audiência pública, há dois meses, com o plenário lotado de antigos bolsonaristas. Com muito custo, os parlamentares da esquerda conseguiram aprovar a realização da audiência na Comissão de Relações Exteriores, um espaço ocupado para discutir temas do oficialato, do orçamento das forças e verba para equipar Marinha, Exército e Aeronáutica.
"Na prática, esses militares perderam salário, seus familiares também perderam e as gratificações foram utilizadas apenas para o alto escalão das Forças Armadas, enquanto os de baixo têm sido penalizados e, inclusive, têm pagado na prática esse novo modelo, oriundo da reforma da previdência dos militares enviada pelo governo Bolsonaro na época, que foi bastante criticada por nós", disse Fernanda Melchionna, que comandava a reunião e estava na recepção a esse pessoal. "São vidas, gente! São contracheques, são salários, são carreiras, são familiares que estão sofrendo com as consequências dessa lei."
No plenário da Câmara, dezenas de familiares e militares, alguns mais ou menos engajados com Bolsonaro no passado. Uma das presentes era a pensionista Ivone Luzardo, que preside a Unemfa (União Nacional das Esposas de Militares das Forças Armadas), uma apoiadora do
ex-presidente desde o início dos anos 2000. Luzardo participou das primeiras reuniões de Bolsonaro com as mulheres de praças e cabos, já que muitos deles, na ativa, não podiam se expor. Nessa época, esses encontros do ex-presidente, muitas vezes em praças das cidades do Distrito Federal, não reuniam sequer 10 pessoas.
Luzardo esteve em quase todos os protestos contra a reforma previdenciária de Bolsonaro. "Quero ver ele se eleger só com voto de general", repetia Luzardo nessas reuniões. Representantes de outras entidades participaram dos debates, como George Brito, presidente do Sindicato dos Militares. Ele representa militares reformados. No encontro, ele exibiu o contracheque de um reformado cuja pensão militar era de R$ 430.
"Prestem atenção, meus irmãos de armas, não vamos conseguir reverter isso aqui, nem por decreto e nem por lei. Essas pessoas serão mendigas. Essas pessoas estão na sarjeta, passando necessidades. São suas irmãs e seus irmãos, eles têm fome como o senhor tem, como os senhores oficiais têm", disse Brito, se dirigindo ao tenente Heraldo Rodrigues, representante do Ministério da Defesa na audiência. O oficial é secretário de Pessoal, Saúde, Desporto e Projetos Sociais da pasta.
No encontro, Rodrigues afirmou que uma das "premissas" da reforma previdenciária ocorrida no governo Bolsonaro foi premiar a meritocracia nas Forças, valorizar os de maior mérito, reconhecer a experiência profissional e a disponibilidade permanente da pessoa para a atividade militar e sua dedicação exclusiva à atividade militar, pelo adicional de permanência.
O sargento Vanderley Carlos Gonçalves, representante dos militares das Forças Armadas de São Paulo, reagiu à fala do enviado do governo ao debate. "Sou sargento do Quadro Especial do Exército. Servi durante 30 anos na Força. E o que vejo na retórica do Comando das Forças Armadas é que nós somos os patinhos feios. Nós militares dos quadros especiais, ótimos militares, não temos mérito. Não há meritocracia para nós. A meritocracia é só para eles. Estamos cansados de mentiras. Vemos pessoas com certas funções dentro de instituições que, simplesmente, com retóricas mentirosas, chegam e atingem a imagem de mais de 30 mil militares que têm família", disse Gonçalves.
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