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Sergio Moro, senador (União-PR): "Lula fomenta o revanchismo"

Ex-juiz da Lava-Jato classifica ataques do governo e da base no Congresso como uma vingança contra a operação que desbaratou a corrupção na Petrobras. E espera que o ministro Luis Roberto Barroso, à frente do STF, ajude a distensionar o país

 28/09/2023 Credito: Ed Alves/CB/DA.Press. Politica. CB Poder recebe o Senador Sérgio Moro.  -  (crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)
28/09/2023 Credito: Ed Alves/CB/DA.Press. Politica. CB Poder recebe o Senador Sérgio Moro. - (crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)
postado em 29/09/2023 03:55

Com Denise Rothenburg

Para o senador e ex-juiz da Operação Lava-Jato, Sergio Moro, o Brasil está longe de uma pacificação devido àquilo que considera "revanchismo" do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A afirmação foi feita, ontem, na entrevista que concedeu ao CB.Poder — parceria entre o Correio Braziliense e a TV Brasília. Segundo o parlamentar, quando integrantes do governo e da base no Congresso atacam a Lava-Jato trata-se de uma "tentativa stalinista de reescrever a história" — daí porque revanchista. Porém, o senador afirma que está disposto a trabalhar pelo processo de pacificação e espera que a gestão do ministro Luis Roberto Barroso, à frente do Supremo Tribunal Federal (STF), também siga nesse sentido. A seguir, os principais trechos da entrevista.

O que o senhor, que já foi juiz e conhece o Judiciário, espera da presidência do ministro Luis Roberto Barroso no Supremo Tribunal Federal (STF)?

O ministro Barroso é um ministro muito qualificado, muito preparado e habilidoso. Ele tem dito que quer ajudar na pacificação do país, o que é muito positivo. Espero que tenha sucesso nessa missão. Será uma excelente gestão se conseguir interromper esse revanchismo que vem do governo (Luiz Inácio) Lula (da Silva) em relação ao passado. Resguardar a independência interna da magistratura, que, hoje, vemos juízes que estão sofrendo processos disciplinares, que, ao meu ver, não se justificam. Reflete esse revanchismo influenciado e estimulado pelo governo Lula.

Qual a avaliação do senhor sobre a insistência do Senado no marco temporal? Há um caminho para a pacificação entre Senado e STF?

Não creio que foi uma afronta ao Supremo porque, no próprio STF, vários ministros já tiveram oportunidade de dar declarações afirmando: 'Olha, nós estamos tendo que decidir porque o Congresso tem se omitido'. Às vezes, não é bem verdade. Mas, às vezes, reflete, de fato, uma falta de deliberação do Congresso. E o que o Congresso fez? Deliberou. Resolveu a questão.

Há, no Congresso, 11 propostas de emendas constitucionais que tratam das competências do STF e que sempre estiveram paradas. O senhor acha que, agora, depois desse embate com o STF, essas PECs vão caminhar?

Sou daqueles que defendem a pacificação. Então, endosso o que o ministro Barroso tem dito, que gostaria de trabalhar pela pacificação do país, que envolve diversos agentes. Não creio que tratar esses temas em um ambiente de conflito entre instituições, entre Congresso e Supremo, seja o mais saudável, até porque ambas as instituições têm papel relevante dentro do país. O que particularmente defendo é que possamos remodelar, sem embate, inclusive dialogando com os ministros Supremo, as competências daquela Corte, transformando-a numa corte constitucional, à semelhança das europeias.

Nas últimas indicações, os presidentes deixaram muito claro que queriam alguém próximo a eles no Supremo, alguém alinhado ao perfil deles. Isso não complica ainda mais essa relação entre Judiciário e Legislativo?

Certamente. Esse é um critério ruim, indicar quem é amigo do presidente ou quem é próximo do presidente. O importante é indicar um jurista que tem independência. O que nós queremos como sociedade, e acho que é o papel do Senado, é buscar juízes independentes no Supremo Tribunal Federal. Esse vai ser meu critério de avaliação de quem for indicado.

A Lava-Jato, que tem sido tão criticada ultimamente, conseguiu recuperar recursos importantes para o Tesouro Nacional e para a Petrobras. O senhor acha que, do jeito que as críticas vêm caminhando, vamos chegar ao ponto de esse dinheiro ter que ser devolvido a quem o desviou?

Recuperamos bilhões. Não foram milhões, foram bilhões. A Petrobras declarou que recuperou R$ 6 bilhões por conta da Lava-Jato. Só na 13ª Vara, que eu ocupava, foram R$ 2 bilhões que entraram em contas judiciais e foram repassados à Petrobras. Agora, estou sendo investigado no CNJ (Conselho Nacional de Justiça) porque devolvi dinheiro à Petrobras. É uma coisa surreal, absurda. Mas como disse, a gente não tem medo de qualquer investigação porque a gente sabe que a verdade está ali do nosso lado. O que acontece? A gente não pode ter uma democracia com vitalidade sem que a gente trabalhe, também, pela honestidade e pela integridade. E isso envolve o combate à corrupção, prevenir e punir quando acontece. O que a gente vê nesse governo Lula é um desmantelamento. Primeiro, enfraqueceu a Lei das Estatais, iniciativa de partidos satélites do governo Lula. E fazem essa demonização da Lava-Jato com narrativas que não se sustentam. Como que quem combateu o crime é o vilão da história? E quando você pergunta: "Quais foram os excessos e as irregularidades?" — nunca tem uma resposta precisa. Por exemplo: a investigação que estão querendo colocar no CNJ é porque eu teria violado "regras de prudência". Mas, espera aí: algum dinheiro foi desviado? O dinheiro recuperado não foi importante? O que é essa regra de prudência que foi violada? Então, são narrativas que não se sustentam na prática.

O ex-procurador Deltan Dallagnol foi cassado na Câmara dos Deputados. O senhor não teme perder o mandato por conta do trabalho na Lava-Jato?

É muito zum-zum-zum em cima dessa cassação, desses processos na Justiça Eleitoral. A gente respeita a Justiça Eleitoral e vamos esperar, com tranquilidade, o resultado do julgamento, tanto no TRE (Tribunal Regional Eleitoral) como no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), porque, no fundo, os fatos e a verdade estão do nosso lado. Nossa campanha foi feita de maneira limpa e íntegra, fazendo apenas aquilo que a lei permitia. Agora, existe esse clima de revanchismo fomentado pelo governo Lula que, claro, traz alguma apreensão. Mas estamos tranquilos quanto aos fatos e estou focado no meu mandato.

Diante de tantas críticas e tantas coisas que estão sendo revistas sobre a Lava-Jato, o senhor acha que errou em algum ponto?

Faltam fatos objetivos. Ninguém consegue apontar uma pessoa inocente que foi condenada e presa na Lava-Jato. O roubo é inegável. Os fatos são coisas teimosas — são R$ 6 bilhões recuperados pela Petrobras. Dinheiro devolvido de ladrões. Se me apontassem um inocente que foi condenado…

O presidente Lula. O PT diz que ele é inocente.

Não, nunca foi declarado inocente. Tem até uma declaração do ministro Gilmar Mendes (do STF) nesse sentido, que não houve nenhuma declaração de inocência dele. O que houve foi a anulação das condenações por motivos formais — foi julgado num lugar e aí se diz que é em outro. E tem a tal da suspeição que, sinceramente, é um grande erro judiciário. Nunca houve nenhuma perseguição política em cima do presidente. Mas o que que tenho feito no meu mandato? Não ocupo a tribuna do Senado para ficar falando do triplex, do sítio de Atibaia, remoendo esses fatos. Estou olhando para frente. Só voltam esses fatos quando sou injustamente atacado. A gente tem que preservar, sim, o legado e a verdade, porque a democracia começa a se perder nisso: sinais de autoritarismo quando a gente vê esse revanchismo, essa tentativa stalinista de reescrever a história como se a Petrobras não tivesse sido roubada. Essa é uma preocupação, além do desmantelamento dos mecanismos de prevenção e de combate à corrupção. Mas tenho minha consciência absolutamente tranquila. E quando se vê essas críticas... "Mas, espera aí, não foi recuperado dinheiro? Algum inocente foi punido?" Não tem nada disso. Foi pura aplicação da lei.

O senhor participou, recentemente, de um evento em Buenos Aires para falar de liberdade. Como vê a democracia brasileira e a América Latina nesse momento?

Durante muito tempo, o Brasil ficou de costas para a América Latina, talvez pelo tamanho continental, pela língua que é diferente. Mas temos problemas comuns. Um desses é o populismo de esquerda com viés autoritário na América Latina. Se não controlado, desemboca em tiranias ou ditaduras, como é na Nicarágua, Cuba e Venezuela. Esse grupo pretende ser um contraponto, afirmando os valores fundamentais da liberdade e da democracia. Acreditamos no livre mercado, na liberdade de expressão, na proibição da censura. E somos contra, também, extremismos dentro desse grupo. Mas precisamos fazer o contraponto ao grupo de Puebla e ao Foro de São Paulo, que têm fomentado essas ditaduras na região. Democracia vem antes de esquerda e de direita. Pode ser de esquerda, pode ser direita, mas a democracia é fundamental. No entanto, parte da esquerda — não vamos generalizar — tem um discurso fundamentalista, coloca-se como o monopólio da virtude. Todo mundo que não é com ela é fascista, nazista, extremista ou é agente da CIA ou dos Estados Unidos.

O senhor não põe o ex-presidente Jair Bolsonaro nessa lista de possíveis líderes da direita?

Não, é um líder da direita aqui no espaço latino-americano, só que ele não necessariamente tem afinidades próximas a esse grupo. Esse grupo é extremamente crítico ao presidente Lula atualmente. Entende que o Brasil está num caminho perigoso de revanchismo e acaba fomentando também dentro da América latina, dando apoio a esses tiranos e ditadores. Veja que Lula recebeu (o presidente da Venezuela, Nicolás) Maduro com honras no Brasil e não fez nenhuma crítica aos abusos da ditadura Venezuelana.

*Colaboraram Marina Dantas e Henrique Fregonasse, estagiários sob a supervisão de Fabio Grecchi

 

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