As sociedades modernas que vivem em regime de liberdade política são essencialmente sociedades plurais, compostas por indivíduos com diferentes histórias de vida, diferentes valores e diferentes interesses. E em razão mesmo da liberdade, os interesses e os valores dos indivíduos podem mudar e mudam com frequência ao longo do tempo. As funções de coordenação da vida social nessas condições são difíceis e complicadas. O modo como se dá essa coordenação é o que determina o destino das nações. Algumas poucas prosperam muito, enquanto a maioria permanece em relativo atraso econômico.
Sociedades em que os indivíduos, além de indivíduos, são também cidadãos, são perfeitamente capazes de caminhar em direção ao progresso econômico e à liberdade política por si mesmas. Esta transformação de indivíduos em cidadãos é mais fácil quando, na sociedade, as pessoas confiam nas outras e nas instituições.
Em nosso país, esta confiança está em baixa. A tarefa central das instituições públicas seria reconstruir a confiança perdida para que todos se sintam, pelo menos em parte, participantes de um destino comum.
Quais poderão ser os objetivos centrais de um país como o Brasil, superiores a quaisquer outros? Não estarei errado se disser que são o crescimento forte e de longa duração da economia e a consolidação da democracia. Em torno desses objetivos, é necessário mobilizar todas as forças sociais, deixando de lado outras questões que, embora relevantes para alguns grupos sociais, possam neste momento dividir ou separar as pessoas.
Essa deveria ser a tarefa do governo, do Parlamento e da cúpula do Poder Judiciário. Não penso que essas instituições e seus dirigentes estão empenhados nela. Ao contrário, todos têm estado às voltas com agendas paralelas que separam os brasileiros em grupos antagônicos. Vou repetir as palavras do sociólogo americano Daniel Bell, que foi um analista penetrante das sociedades modernas: os mais destrutivos conflitos em uma sociedade nascem da politização das questões morais e culturais, porque essas crenças tendem a ser absolutas e não são negociáveis.
Apesar de o Brasil viver, há anos, sem verdadeiro crescimento econômico, muito pouco nas agendas dos Poderes está ligado decisivamente a essa questão primordial, sem cuja solução o destino do país corre risco existencial. O Congresso e o Supremo, numa verdadeira competição, estão empenhados em questões delicadas e divisivas, como a legalização de drogas e do aborto, questões que acendem os mais intratáveis antagonismos numa sociedade já ferida por muitos conflitos.
Fonte de conflitos
De outra parte, ambos os Poderes agora se enfrentam para alterar a complexa situação de demarcação de terras indígenas em áreas com longa ocupação por produtores rurais. Tudo isso é fonte de conflitos e incompreensões, enquanto a economia do país se arrasta e a pobreza aumenta. Serão essas as prioridades atuais do Brasil?
Para tornar as coisas mais difíceis, aparecem as tentativas de se impor, sem maiores cuidados, a toda a vida brasileira as chamadas políticas de identidade, uma agenda carregada de perigos para o futuro da unidade do país. É o que o cientista político progressista americano Mark Lilla chama de a retórica da diferença impondo-se sobre a ideia fundamental de destino compartilhado. Em vez da pergunta essencial "o que posso fazer pelo meu país?", passa a vigorar "o que meu país me deve em virtude de minha identidade?"
A proteção das minorias é parte essencial da vida democrática moderna, mas, para que ela seja efetiva, é preciso que seja uma obra de todos e que não lance brasileiros contra brasileiros, semeando ressentimentos que levam à frustração, ao ódio e ao retrocesso no final.
Nós temos, claramente, muitas diferenças. Mas a diferença fundamental é a diferença econômica, que nos divide como nação em 90% de pobres e apenas 10% de ricos. Enquanto esta durar, todas as demais diferenças não serão sequer atenuadas. Se queremos ser desenvolvidos, livres e justos, precisamos aprender, primeiramente, a ser uma sociedade.
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