O que era uma grande dor de cabeça virou um pesadelo para o ex-presidente Jair Bolsonaro: a delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, seu ex-ajudante de ordens. As revelações do oficial do Exército também criaram grande constrangimento para a cúpula das Forças Armadas, porque o militar descreveu reuniões do ex-presidente com seus comandantes, um dos quais, o da Marinha, almirante Almir Garnier Santos, que teria manifestado disposição de apoiar um golpe de Estado caso recebesse ordens de Bolsonaro.
Mauro Cid confirma que havia uma conspiração golpista liderada pelo ex-presidente da República, com a participação do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, em cuja casa foi encontrada uma minuta de decreto golpista, e de militares de alta patente. Seu depoimento à Polícia Federal, já depois do acordo de delação premiada, está sendo corroborado por agendas de seus auxiliares diretos.
Houve encontros com os comandantes militares após o segundo turno das eleições, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já estava eleito. Mauro Cid revelou o teor das reuniões.
A repercussão mais imediata desses fatos se deu na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de janeiro, cuja relatora, Eliziane Gama (PSD-MA), havia apresentado requerimentos para convocar o general Augusto Heleno, ex-chefe de Gabinete de Segurança Institucional (GSI), na próxima semana. Presidente do colegiado, o deputado Arthur Maia (União-BA) evita pôr em votação pedidos que tensionem ainda mais as relações entre o governo e a oposição na comissão e pretende encerrá-la dentro do prazo, sem prorrogação, ou seja, em quatro semanas.
Entretanto, devido aos novos fatos que surgiram nesta quinta-feira, o deputado Rogério Correia (PT-MG), muito ativo na CPMI, apresentou requerimentos para convocar Bolsonaro e Garnier Santos. Maia será pressionado a encaminhar os pedidos à votação. Se isso ocorrer, a comissão pegará fogo na reta final de seus trabalhos.
Num dos encontros com os militares, após as eleições, Bolsonaro teria apresentado a minuta de um decreto no qual pretendia apontar irregularidades nas eleições e anular a vitória do presidente Lula. Também afastaria o ministro Alexandre de Moraes da Presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Ao descrever a reunião, o ex-ajudante de ordens disse que a proposta teve apoio do comandante da Marinha, mas fora rejeitada pelo comandante do Exército, general Freire Gomes, que foi muito pressionado por Bolsonaro.
Como se sabe, após os atos golpistas de 8 de janeiro, uma minuta de decreto para instaurar Estado de Defesa no TSE foi encontrada pela Polícia Federal na casa de Anderson Torres. Em depoimento à PF, o ex-ministro afirmou que o documento era "descartável" e "sem viabilidade jurídica".
Agendas do golpe
As agendas foram encontradas nos e-mails institucionais da Presidência da República e entregues à CPMI dos Atos Golpistas. Nelas, não há informações sobre os assuntos tratados nos encontros.
O primeiro registro é de 1º de novembro de 2022, ou seja, 48 horas após o segundo turno da eleição. Segundo o subajudante de ordens Jonathan Diniz, a reunião com Bolsonaro ocorreu no Palácio da Alvorada.
Participaram do encontro o general Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa; o ex-ministro da Justiça Anderson Torres; o ex-advogado-geral da União Bruno Bianco Leal; o general Braga Netto, ex-ministro e candidato a vice de Bolsonaro; e os "comandantes de Força". A reunião teria durado uma hora.
No dia seguinte, segundo Diniz, houve outro encontro, às 15h30, no Alvorada. Os participantes foram o almirante Garnier Santos, comandante da Marinha; o general Freire Gomes, comandante do Exército; e o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). O filho do presidente chegou mais tarde, às 16h30. A conversa durou até as 17h15.
Outra reunião com Bolsonaro ocorreu em 14 de novembro, no Alvorada, entre as 14h30 e as 16h20. Dela participaram os "comandantes de Força", o general Braga Netto e o almirante Flávio Rocha, então secretário especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE).
Sabe-se que alguns ministros atuaram para evitar o golpe, entre os quais os ex-ministros da Casa Civil Ciro Nogueira e das Comunicações Flávio Faria; o almirante Flávio Rocha (SAE) e o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Jorge Oliveira, ex-secretário-geral da Presidência. O ex-ministros da Defesa Fernando de Azevedo e Silva, nos bastidores, também atuou para evitar o golpe.
O constrangimento nas Forças Armadas é enorme. O ministro da Defesa, José Múcio, nesta quinta-feira, não escondia o desconforto com a situação. A Marinha e o Exército distribuíram nota comunicando que as Forças foram leais à Constituição. O comandante do Exército, general Tomás Paiva, em entrevista, disse que a Força espera as conclusões do Supremo para tomar providências em relação aos envolvidos.
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