Em mais um périplo global, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) desembarcou, ontem, por volta de 00h (horário de Brasília), em Nova York, para participar da 78ª Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU). Com o tema "Paz, Prosperidade, Progresso e Sustentabilidade", o encontro reúne os líderes mundiais de 193 países para discutir os principais desafios globais.
No dia 19, o chefe do Executivo fará o tradicional discurso de abertura do encontro. Será a oitava vez que o presidente Lula abrirá a Assembleia. Especialistas apontam que a ida de Lula ao encontro retoma a participação ativa do Brasil nos fóruns multilaterais, onde o presidente deverá tratar de assuntos como o combate à fome e à desigualdade, guerra da Rússia na Ucrânia, Saúde, transição energética, desenvolvimento sustentável, reforma da governança global, além de aproveitar a ocasião para reverter a imagem do país pós-Jair Bolsonaro (PL), principalmente, em relação ao meio ambiente.
Durante o encontro nos Estados Unidos, a agenda de Lula prevê reuniões bilaterais com o presidente norte-americano, Joe Biden, no dia 20. De acordo com o Itamaraty, os dois presidentes devem anunciar um plano em defesa da criação de vagas de trabalho decente ao redor do mundo, com apoio da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Também deve ser discutido doações do país da América do Norte para o Fundo da Amazônia. O petista também terá bilaterais com o primeiro-ministro da Alemanha, Olaf Scholz, o presidente da Palestina, Mahmoud Abbas, e o diretor da Organização Mundial de Saúde (OMS), Tedros Adhanom.
A Saúde, que sofreu retrocessos, principalmente durante a pandemia de covid-19, será um dos eixos tratados na Assembleia onde o Brasil deverá ampliar a área de atuação. Serão três encontros sobre o tema, com a presença da ministra Nísia Trindade, que informou ao Correio, na semana passada, sobre os encontros. Ela acompanhará o presidente Lula na agenda em NY e no encontro com Adhanom. Além da prevenção, prontidão e resposta a pandemias, com a negociação de um acordo internacional para estabelecer regras de cooperação, vão conversar sobre experiências como a praticada pelo Sistema Único de Saúde (SUS) do Brasil e o combate à tuberculose.
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Lula poderá, durante o discurso na ONU, colher os benefícios do aumento da confiança no país, com destaque para melhora da percepção dos investidores e das agências de classificação de risco, assim como do alinhamento das expectativas sobre diretriz econômica e política do governo, na avaliação de Wagner Parente, consultor em relações internacionais e CEO da BMJ Consultores Associados. "Na Assembleia, o Brasil terá a oportunidade de expor seu projeto político-econômico para os próximos anos, permitindo que as expectativas internacionais e do setor privado sejam sincronizadas às ações da iniciativa pública", afirma.
O presidente ainda deverá focar o discurso em uma nova governança global, como as reformas do Conselho de Segurança da ONU, onde o país busca um assento permanente, e do Fundo Monetário Internacional (FMI). "Essas bandeiras devem ser retomadas impulsionando o Brasil como líder de um conjunto de países em desenvolvimento interessados em desconcentrar as esferas de decisão internacional", diz Parente.
Especialista em relações internacionais, Mariana Cofferri ressalta que Lula aproveitará o evento para ditar os desejos nacionais e resgatar o protagonismo brasileiro na reunião. "Por conta da recente assinatura do decreto que restituiu a Comissão Nacional para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), o Brasil buscará enfatizar a pauta de governança global com foco no desenvolvimento sustentável e energia limpa", diz. O retorno dessa comissão, tem como objetivo prático a produção de relatórios que estabelecem objetivos de desenvolvimento sustentável combatendo a pobreza e desigualdades sociais, mas principalmente reinserir o país neste debate, que havia sido deixado de lado no último governo", afirma. Para ela, o Brasil voltará a centralizar sua política externa nos temas que já têm sido trazidos no âmbito das reuniões do G20 (grupo das 19 maiores economias do planeta mais a União Europeia) e dos Brics (grupo dos emergentes Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).
Controvérsias
Contudo, Lula tem acumulado controvérsias em sua incursão internacional. Na Índia, por exemplo, chegou a dizer que Putin não seria preso caso viesse ao Brasil para a Cúpula do G20, mesmo sendo signatário do Tribunal Penal Internacional (TPI), e ao questionar inclusive a continuidade do Brasil no Tribunal são vistas com preocupação por tratar de temas sensíveis, observa a professora de direito internacional da Universidade de São Paulo (USP) Maristela Basso.
"Pela primeira vez em décadas, embora com um presidente experiente, o Brasil se apresenta na abertura da Assembleia sem uma agenda clara e, pior ainda, com uma "agenda presumida" em declarações atabalhoadas, fora de lugar e desastrosas a respeito de temas e questões extremamente sensíveis, tais como, a guerra na Ucrânia, as relações dos EUA com a China, desta com a Índia, das funções do G20 e seu novo contraponto o Brics . Também têm sido bastante indigestas para a comunidade internacional as falas do no sentido de polarizar o mundo entre Norte e Sul, Ocidente e o resto do mundo", analisa.
"O Brasil deveria abrir a Assembleia com uma clara tentativa de reposicionamento e recuperação do prestígio internacional perdido. Para tanto, basta que Lula anuncie, por exemplo, a criação de duas autoridades internacionais com sede no Brasil: o Tribunal Internacional Ambiental e o Tribunal Internacional Anticorrupção. Ademais, deveria se abster de outros comentários", opina a acadêmica.
O ex-embaixador do Brasil em Washington Rubens Barbosa expõe que a reunião não trará medidas concretas, mas a depender do discurso de Lula, poderá projetar o Brasil como uma liderança nas questões ambientais e de segurança alimentar. "A reforma do Conselho de Segurança da ONU não vai avançar. Mas dependendo dos termos do pronunciamento, Lula poderá projetar o Brasil como uma liderança nas questões de mudança de clima, de segurança alimentar e de redução da fome e da pobreza. Nesse contexto, o Brasil deveria reafirmar sua posição de independência e equidistância, tanto no tocante a guerra quanto na tensão dos EUA com a China."
Para a advogada constitucionalista Vera Chemin, mestre em direito público administrativo pela Fundação Getulio Vargas (FGV), o cenário que envolve o Brasil não é dos melhores, uma vez que o presidente Lula tem manifestado apoio a governos ditatoriais, além de estes serem hostilizados pelos países desenvolvidos, o que pode fragilizar a relação política e até econômica do Brasil.
"Um exemplo é o fato do presidente estreitar relações com Cuba, China, Rússia, Venezuela e outros países que se contrapõem aos países ditos capitalistas. A questão não é a expectativa de colher algo frutífero para o país e, sim, demonstrar efetivamente que o governo está, de fato, priorizando políticas públicas que viabilizem não apenas o seu crescimento econômico e sim, o seu "desenvolvimento" e que contribuam para a consecução de objetivos internacionais", afirma Chemin. Mariana Cofferri destaca também que será necessário um posicionamento esperto do governo brasileiro sobre a guerra na Ucrânia, pois "o posicionamento de Lula tem sido polêmico ao apoiar estritamente o lado russo".
Na avaliação do diplomata e professor Paulo Roberto de Almeida, enquanto Bolsonaro dava maior preferência a questões internas do que internacionais com defesa a desmontes nas áreas ambientais, Lula deverá levar à Assembleia da ONU reivindicações mais agressivas quanto à responsabilidade dos países ricos no fenômeno do aquecimento global, além de insistir para que os mesmos financiarem não só os programas de combate ao desmatamento nos grandes países em desenvolvimento como a transferência de tecnologias para a transição energética e industrialização sustentável.
"Lula, provavelmente, se absterá de voltar ao assunto TPI que já causou muita polêmica dentro e fora do país, mas continuará oferecendo os seus bons préstimos genéricos para contribuir com a cessação de hostilidade e para negociações de paz no conflito da Ucrânia", diz o ex-embaixador. Na avaliação dele, Lula ainda tem uma boa imagem em diversos meios, "mas a nova Guerra Fria e o conflito na Ucrânia, assim como sua falta de liderança na própria região, podem ser óbices a uma consagração no cenário".
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