O Brasil não é referência em maturidade democrática. A participação feminina no Parlamento brasileiro representa apenas 17,5%, o que coloca o país na 133ª posição no ranking global que avalia a presença de mulheres na política. Esse dado é elaborado pela União Interparlamentar (Inter-Parliamentary Union), que analisa todas as nações reconhecidas pela Organização das Nações Unidas (ONU) com base no Poder Legislativo. A colocação do Brasil está abaixo de países como Iraque (70º lugar), e Arábia Saudita (119º), que são locais onde, historicamente, os direitos das mulheres são menos desenvolvidos.
O cenário permanece preocupante quando se observam os dados referentes à participação feminina na política na América do Sul. O Brasil apresenta a taxa mais baixa nesse contexto, com apenas 17,7%. Considerando todo o continente americano, em que a média de participação feminina é de 34,7%, o Brasil só está melhor do que o Haiti, que ocupa a 189ª posição, e de Belize, que está na 141ª posição do ranking elaborado pela União Interparlamentar.
A participação de negros e pardos não é diferente. Em 2022, por exemplo, houve um aumento de 36,25% das candidaturas de pretos e pardos para a Câmara dos Deputados, frente a 2018, mas o número de candidatos eleitos subiu apenas 8,94%. Foram 27 negros eleitos e 107 pardos, diante de 1.424 candidaturas de pretos e 3.462 de pardos registradas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Somados os postulantes, representaram quase metade (47%) de todos que disputaram o pleito.
Esses dados, entretanto, podem estar subestimados, já que a definição de raça na candidatura é feita por autodeclaração e dos 134 pretos e pardos eleitos ano passado, cerca de 19% deles se declararam brancos nas eleições de 2018. Por outro lado, a quantidade de brancos eleitos deputados federais em 2022 no Brasil foi 72%.
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"O debate sobre inclusão política não pode ter como parâmetro uma visão meramente economicista, porque estamos falando de desigualdades que esse país tem obrigação constitucional de erradicar. E não são desigualdades apenas as de classe, mas de gênero e raça, já que mulheres e negros ainda estão lutando para que sejam reconhecidos como seres humanos no Brasil", ressaltou Laura Astrolabio, co-diretora da organização A Tenda das Candidatas.
Minirreforma
A participação de mulheres, negros e pardos na política brasileira está na mira do Congresso Nacional. Na Câmara, a Proposta de Emenda à Constituição 9/2023, conhecida como PEC da Anistia, o Projeto de Lei 4438/2023 e dois projetos de lei que formam a minirreforma eleitoral estão em tramitação e representam um retrocesso na paridade de gênero e raça no Poder Legislativo.
Esta semana, a minirreforma eleitoral foi aprovada na Câmara, com caráter de prioridade, e seguiu para apreciação da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde deve ser analisada nos próximos dias. Para que os efeitos das alterações previstas nos textos sejam válidos nas eleições municipais de 2024, o projeto precisa ser aprovado até 6 de outubro deste ano, mas Rodrigo Pacheco (PSD-MG) não garante que a votação ocorra até a data. "Não podemos produzir uma legislação às pressas. Não haverá nenhum açodamento", afirmou o presidente do Senado.
Por outro lado, a tramitação da PEC da Anistia está parada na casa depois de um pedido conjunto de vistas de parlamentares que tentam travar o andamento da proposta. Ambos os projetos carregam, em seus textos, alterações no repasse destinado à candidatura de mulheres, negros e pardos e, no caso da PEC 9/2023, perdoa partidos políticos que não tenham cumprido, nas últimas eleições, a cota mínima de candidaturas desse grupo.
"A PEC isenta de sanção os partidos que não destinaram, até as eleições de 2022, o mínimo de recursos exigido pela legislação às candidaturas femininas e de pessoas negras. Também libera as agremiações da obrigação de prestar contas de todos os recursos recebidos até a aprovação da PEC e as isenta do cumprimento de regras de transparência e integridade", explicou o cientista político Jorge R. Mizael.
Com a aprovação da minirreforma eleitoral, a representação feminina e negra no Legislativo deve diminuir a partir das próximas eleições. Isso porque o projeto promove um enfraquecimento nas regras que destinam uma cota mínima de 30% para candidaturas femininas. Atualmente, cada partido deve preencher essa porcentagem, mas o projeto de lei passa a estabelecer que as vagas sejam preenchidas pelas federações como um todo, assim as siglas, individualmente, não têm mais obrigação de destinar espaço para esse público.
A PEC da Anistia, em relação a esse tema, isenta de sanções os partidos políticos que não cumpriram a regra dos 30%. Nas eleições de 2022, os partidos descumpriram essa norma ao se recusarem a garantir o financiamento de candidatas e, por isso, agora forçam a aprovação da emenda que vai livrar as siglas das punições. Além disso, em relação à verba destinada para as candidaturas de pretos e mulheres, que segue a mesma porcentagem, será diminuída para 20% do Fundo Eleitoral.
"O Brasil tem índices de representatividade feminina na política insuficientes, dado que as mulheres são a maioria do eleitorado. Se o descumprimento de medidas de promoção de participação de mulheres não vem acompanhado de punição, logo, o próprio estímulo perde a eficácia. Com a PEC os segmentos não representados seguirão sem a devida representação", frisou Larissa Rodrigues Vacari de Arruda, doutora em ciência política pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), de São Paulo.
Em 2022, as candidaturas femininas representaram 34% do total de candidatos que concorreram a um cargo como deputado federal, estadual, distrital, governador ou presidente. Foram 9.891 mulheres na disputa, diante de 19.371 homens. Essa quantidade obedece ao mínimo estabelecido pela Lei nº 9.504/1997, a Lei das Eleições, que destina 30% das vagas para esse público em cada um dos partidos políticos. Entretanto, essa porcentagem está longe de ser a ocupada pelas mulheres dentro do Congresso, já que, nas últimas eleições, o total de eleitas foi 18%, ou seja, 311 candidatas.
Vale destacar que a lei estabelece um mínimo de 30% de candidaturas para cada gênero, mas muitos partidos têm usado esse percentual como teto máximo, não como um piso mínimo", pontuou Luiz Eduardo Peccinin, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep).
Arábia Saudita
A Arábia Saudita foi a última nação do mundo a conceder o direito de voto às mulheres. A primeira vez na história em que a população feminina conseguiu exercer esse direito no país berço do Islamismo foi em 2015 e, apesar do avanço, diversas barreiras ainda foram enfrentadas. Nessas eleições, o eleitorado feminino representou menos de um eleitor em cada dez, isso porque algumas regras dificultaram o registro de eleitoras, como a falta de informação e a proibição de dirigir.
Nas eleições de 2015, 900 mulheres concorreram ao parlamento saudita, contra seis mil homens. Mesmo assim, o país ainda é considerado democraticamente mais maduro e politicamente mais igualitário do que o Brasil, que permite o voto feminino desde 1932 e contou, no último pleito, com 82,3 milhões de eleitoras mulheres, representando 53% do eleitorado brasileiro.
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