Um relatório parcial da Corregedoria Nacional de Justiça, ligada ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), identificou "uma gestão caótica no controle de valores oriundos de acordos de colaboração e de leniência firmados com o Ministério Público Federal e homologados pelo juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba" no âmbito da Operação Lava-Jato. A divulgação do parecer provocou reação do ex-juiz Sergio Moro, hoje senador pelo União-PR, e do ex-coordenador da força-tarefa, o deputado cassado Deltan Dallagnol (Podemos-PR).
O documento da Corregedoria aponta para a "ocorrência das infrações" e recomenda o aprofundamento da correição extraordinária — autorizada em maio pelo ministro Luís Felipe Salomão —, que corre em sigilo.
A investigação foi aberta depois de o CNJ receber mais de 30 reclamações disciplinares contra juízes que atuaram na 13ª Vara Federal, em Curitiba, e desembargadores da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4).
O objetivo da apuração é identificar o que motivou a celebração de acordos com empresas envolvidas na Lava-Jato, principalmente a Petrobras, em que se constatou repasse de valores depositados judicialmente e bens apreendidos para a Petrobras e outras empresas — antes de sentença com trânsito em julgado —, que usaram esses recursos em interesse próprio para celebrar acordos com a Justiça dos Estados Unidos, onde a estatal também enfrentou processos por corrupção.
"Os trabalhos realizados pela equipe de correição identificaram que os pagamentos à companhia totalizaram R$ 2,1 bilhões e foram feitos entre 2015 e 2018, período em que a Petrobras era investigada nos EUA", destaca o parecer. "Ao mesmo tempo" — prossegue —, "o relatório salienta a homologação, pelo Juízo, de acordo entre Petrobras e a força-tarefa com a finalidade de destinar o valor de multas aplicadas em acordo firmado pela companhia no exterior. Nessa homologação, pretendia-se a destinação de R$ 2,5 bilhões visando à constituição da chamada Fundação Lava Jato".
As diligências identificaram que os repasses à Petrobras se "realizaram sem a prudência do juízo", apesar de a companhia "ser investigada em inquérito civil público conduzido pelo Ministério Público de São Paulo (MPSP), por autoridades dos Estados Unidos e sem discussão ou contraditório para plena identificação das vítimas do esquema de corrupção".
A Corregedoria verificou a existência "de um possível conluio envolvendo os diversos operadores do sistema de justiça, no sentido de destinar valores e recursos no Brasil, para permitir que a Petrobras pagasse acordos no exterior que retornariam para interesse exclusivo da força-tarefa".
O ex-juiz Sergio Moro, que comandava a operação, "a pretexto de dar transparência para a destinação de valores oriundos de acordos de colaboração e de leniência", foi quem autorizou, por ato de ofício, as transferências de valores depositados em contas judiciais para as empresas investigadas, com o argumento de que os recursos "estavam sujeitos a remuneração não muito expressiva".
Foram ouvidos pela corregedoria os juízes federais Eduardo Appio e Gabriela Hardt — à época, titular e juíza substituta da 13ª Vara Federal —; os desembargadores Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, Marcelo Malucelli e Loraci Flores de Lima, que integravam a 8ª Turma do TRF4; e o ex-procurador Deltan Dallagnol.
Também foram analisados documentos compartilhados da Operação Spoofing, apelidada de Vaza-Jato por expôr conversas hackeadas dos integrantes da força-tarefa.
A versão final do relatório será analisada e julgada pelo plenário do CNJ. Também será proposto um ato normativo para regulamentar a destinação de valores oriundos de acordos de colaboração e de leniência e para aumentar o controle sobre a destinação de multas penais e bens apreendidos.
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Defesa
Nas redes sociais, Moro chamou o relatório de "mera opinião preliminar sem base nos fatos". Ele declarou que a devolução de verbas à Petrobras seguiu um modelo adotado anteriormente pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no acordo homologado com os ex-diretores da estatal Nestor Cerveró e Paulo Roberto Costa.
"Em 60 dias de correição da 13ª Vara Federal pela Corregedoria Nacional de Justiça, nenhum desvio de recurso foi identificado, conforme sempre afirmei", escreveu.
Sobre os acordos de leniência, o ex-juiz disse que, antes da homologação, os termos foram "sempre aprovados previamente pela 5ª Câmara de Revisão do MPF que atua junto ao procurador-geral de República.
O senador ainda repudiou o uso da expressão "gestão caótica" no relatório. "Não faz justiça à operação que recuperou mais de R$ 6 bilhões para a Petrobras, fato sem precedente na história", enfatizou, antes de lamentar que, "após 60 dias de correição, nada concreto, salvo divergências de opinião e especulações sem base, tenha sido produzido".
Deltan Dallagnol também usou as redes sociais para rebater o relatório, mas mirou a artilharia no ministro Luís Felipe Salomão, corregedor nacional de Justiça. Disse que o magistrado quer, "na verdade, ganhar pontos com (o presidente) Lula na indicação para uma vaga no STF antes que seja tarde demais".
Para o ex-procurador, Salomão deveria reconhecer "que não há nada para além de uma intenção revisionista de, por meio de interpretações alternativas de regras legais, forçar a barra para criar ou reforçar narrativas de que haveria irregularidades".
Dallagnol convidou o ministro "para um debate público, aberto e transparente". "Será uma oportunidade relevante para informar a sociedade sobre os questionamentos especulativos lançados no relatório, sem base em evidências, que apontariam 'possíveis irregularidades'."
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