Em mais uma viagem internacional, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) embarca, na quinta-feira (7/9), para Nova Délhi, capital Índia, onde participará da 18ª Cúpula de Chefes de Estado e de Governo do G20 — grupo que reúne 19 das principais economias do mundo e a União Europeia (UE). Durante o encontro, que ocorre em 9 e 10 de setembro, o brasileiro apontou que pretende tratar, principalmente, sobre a agenda social, com foco no tema da desigualdade. "A desigualdade de gênero, racial, no tratamento da saúde, desigualdade no salário, alimentar. É preciso que esse mundo seja mais justo", afirmou.
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O discurso do brasileiro, no entanto, corre o risco de cair no vazio. Profundamente dividido por causa da guerra da Ucrânia, o grupo terá dificuldade em obter avanços ante a tensão entre os dois grupos antagônicos de aliados: EUA-União Europeia e Rússia e China. Segundo especialistas consultados pelo Correio, o G20 não deve obter resultados práticos.
No entanto, na ocasião, o Brasil receberá pela primeira vez a presidência do grupo. O mandato brasileiro será exercido de 1º de dezembro de 2023 até 30 de novembro de 2024. Como país ocupante da presidência, será responsável por organizar a próxima cúpula, que deve ocorrer em novembro de 2024, no Rio. A agenda deverá render frutos em relação à política externa, trazendo um holofote diplomático ao Brasil, que receberá os principais presidentes do mundo.
Wagner Parente, consultor em relações internacionais e CEO da BMJ Consultores Associados, reforçou ser difícil esperar anúncios objetivos no próximo encontro do G20. Ele analisou que as discussões devem ficar centradas na área socioambiental. Porém, pontuou que, na futura liderança do Brasil no G20, o país deve dar o tom das negociações, buscando direcionar a pauta e conseguindo vantagens.
"Parece ser mais provável que grandes anúncios sejam feitos na próxima reunião do grupo, em novembro de 2024, no Rio. Na ocasião, existe possibilidade maior de capitalização política, internamente, de anúncios mais concretos — como a maior destinação de recursos de países mais ricos para preservação do meio ambiente e combate à pobreza", comentou Parente.
Governança global
Também serão tratados temas como meio ambiente e clima, além da reforma no Conselho de Segurança da ONU — este último, na opinião da especialista em relações internacionais Mariana Cofferri, figura como um objetivo difícil de ser alcançado. "Lula apresentará uma pauta de governança global, buscando a tão sonhada — e provavelmente inatingível — mudança do Conselho de Segurança da ONU. Buscará, ainda, a inserção da União Africana no grupo."
Ela lembrou que, apesar de esses serem os assuntos de destaque, o Brasil somente assumirá a presidência do G20 em dezembro. "Até lá, será difícil colocar em prática algum desses discursos. A pauta principal irá girar em torno daquilo que os países do G7 (Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Itália e Canadá) determinarem. Em especial, a agenda estadunidense irá estipular os próximos movimentos econômicos e cooperativos entre os países desse fórum", aponta.
Cofferri destaca a clara fissura dentro do G20. "Rússia e China estão isoladas por conta da guerra, motivo pelo qual, ambos os líderes (Vladimir Putin e Xi Jinping) não irão participar da reunião. De fato, o grupo terá grande dificuldade em obter qualquer tipo de avanço sobre esse tema, ou qualquer outro, que envolva esses dois países."
A advogada constitucionalista Vera Chemin, mestre em direito público administrativo pela Fundação Getulio Vargas (FGV), reforça que o G20 terá dificuldade em obter avanços durante o próximo encontro. "Não apenas pela divisão provocada pela guerra, como principalmente pelo fato de existir uma rivalidade histórica entre EUA, Rússia e China. A reunião, desta vez, não será frutífera, em razão dessa divisão. Sem esquecer que a conjuntura política mundial não favorece uma harmonia entre os seus membros, o que resultará em uma comunicação que cairá no vazio", disse.
"Os assuntos serão repetitivos, até por conta da natureza do G20. O que vai mudar é o tom do debate entre os representantes daqueles países, cujo resultado será praticamente inócuo, se partirmos do ponto de vista de que a tensão entre eles será mais uma razão para afirmar que os países pretendem apenas cumprir uma agenda exigida formalmente pelo grupo, sem chegar a um denominador comum quanto às políticas a serem acordadas para a solução dos problemas relacionados com aqueles temas", criticou Chermin.
O diplomata e professor Paulo Roberto de Almeida acha que a cúpula será "um G20 morno, sem grandes soluções para os grandes problemas". "Putin não vai por causa dos seus problemas. Ele está condenado à prisão e, provavelmente, evitará surpresas. Mesmo que a Índia não faça parte do Estatuto de Roma, o russo não ousará participar, porque poderá ser censurado pelos colegas do G20, sobretudo pelos ocidentais", declarou.
"Também não teremos Xi Jinping, que enfrenta o decréscimo da economia, aumento do desemprego entre jovens e algumas bolhas imobiliárias e outras no sistema financeiro. Teremos, apenas, Joe Biden (presidente dos EUA) com seus colegas da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) e da União Europeia e de outros países. Temas, como sustentabilidade, combate à fome ou a situação econômica do mundo, serão discutidos, mas sem grandes soluções", emendou.
Palco
No entanto, Almeida avalia que o G20 será um palco que colocará Lula em evidência. "O presidente terá seu momento de sucesso, ao proclamar o desejo de reduzir as desigualdades, de combater a pobreza e a fome no mundo. Provavelmente, não tocará no assunto da Ucrânia, a grande pedra no caminho da diplomacia do Lula. Ele deverá se abster de voltar ao tema do 'Clube da Paz'. Não espero grandes iniciativas no G20. Lula terá a chance de falar sobre os temas do momento, alguns bem recebidos".
O ex-embaixador do Brasil em Washington Rubens Barbosa destacou que o petista deverá evitar abordar a guerra na Ucrânia. "Se ele tocar no assunto, vai cair no vazio. Não vai haver avanço nos temas geopolíticos", disse.
Para a professora de direito internacional da Universidade de São Paulo (USP) Maristela Basso, a sede da reunião no país representa um momento importante. "Todos os olhos do mundo se voltarão para o Brasil, ocasião na qual o país deverá ter preparado uma agenda importante voltada à saúde do planeta e à criação de duas importantes autoridades internacionais supranacionais. Uma encarregada de julgar os crimes de corrupção e a outra dos litígios que resultam de desastres e do uso indevido do meio ambiente. Ele deverá apresentar uma agenda propositiva, que deixe um legado de gestão brasileira na presidência do G20."
Basso opina que Lula evitará tocar em temas sensíveis, como a guerra da Rússia e as disputas entre EUA e China. "Todos sabem o que o presidente pensa sobre tais questões. Então, esses temas devem ser retirados da agenda. Contudo, para que sua presença seja relevante, deve tratar de temas que estão na pauta internacional e precisam evoluir, como: questões climáticas, pobreza, saúde global e fortalecimento da OMC (Organização Mundial do Comércio)".
Segundo o Planalto, na Índia, o presidente participará de três reuniões de trabalho do G20 e manterá reuniões bilaterais. Ele fará o último discurso da cúpula, na tarde do dia 10, após receber simbolicamente a Presidência das mãos do premiê indiano, Narendra Modi. Ambos irão falar sobre a Presidência da Índia em 2023 e as expectativas para a do Brasil em 2024. No sábado (9/9), está prevista a participação de Lula em duas reuniões temáticas. O painel "Um Planeta" falará de desenvolvimento sustentável, transição energética, mudanças climáticas e preservação ambiental.
O painel "Uma Família" debaterá o crescimento inclusivo, o progresso nos objetivos de desenvolvimento sustentável, educação, saúde, e desenvolvimento liderado por mulheres. No domingo (10/9), na terceira sessão da cúpula, o painel "Um Futuro" abordará transformações tecnológicas, infraestrutura pública digital e o futuro do emprego.
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