Atos antidemocráticos

Presidente da CPMI do 8/1 tenta cercear imprensa

Deputado Arthur Maia baixa ato proibindo jornalistas de publicar informações "sigilosas" ou de fazer flagrantes "de conteúdo privado". Entidades de classe reagem e criticam determinação do parlamentar: "censura ao trabalho jornalístico"

O deputado Arthur Maia (União-BA), presidente da CPMI sobre o 8 de janeiro, baixou, ontem, um ato que visa restringir a atuação da imprensa na cobertura dos trabalhos do colegiado. Segundo o documento, estariam proibidas a divulgação de "informações privadas ou classificadas como confidenciais pela Comissão Parlamentar de Inquérito sem expressa autorização". O texto dispõe, também, que estaria vedado à imprensa capturar "imagens de conteúdo privado e de terceiros sem autorização".

"Embora o direito à liberdade de expressão e seu corolário — consubstanciado na liberdade de imprensa — consistam em pilares do estado democrático de direito, não há direito absoluto no ordenamento jurídico pátrio, de maneira que tal previsão deve ser sopesada com os direitos próprios da personalidade, como o direito à intimidade e proteção da vida privada", diz trecho do ato baixado pelo presidente da CPMI, ameaçando o profissional de imprensa que descumprir a determinação com "sanções previstas neste ato, sem prejuízo civil ou penal".

Desde o começo dos trabalhos do colegiado, a imprensa vem trazendo a público documentos classificados como sigilosos — como, por exemplo, os R$ 17,2 milhões recebidos pelo ex-presidente Jair Bolsonaro por meio de pix, detalhado em um relatório de inteligência financeira (RIF) do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).

Questionada pelo Correio sobre a base legal para a decisão, a assessoria do deputado explicou que o objetivo seria "coibir eventual violação de sigilo de comunicações de qualquer um dos presentes, bem como fotos de documentos sigilosos que porventura estejam no plenário", pois "há parlamentares que levam esses documentos impressos e, mesmo com toda a cautela, esses documentos podem ser fotografados com câmeras de alta resolução".

Ainda segundo a assessoria de Maia, o ato se escuda em trechos da Constituição e da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Indagada se Maia teria respaldo legal para uma decisão que cerceia a atuação dos jornalistas que cobrem os trabalhos da CPMI, foi remetido ao Correio um parecer da Advocacia do Senado que, supostamente, embasaria o decreto do deputado.

Fotografia

O ato de Maia foi divulgado depois que um fotógrafo da Agência Brasil ter sido expulso da sessão pelo presidente da CPMI por registrar uma troca de mensagens entre o senador Jorge Seif (PL-SC) e uma jornalista e, posteriormente, ter publicado a imagem no Instagram pessoal. O parecer da Advocacia do Senado aborda, especificamente, casos semelhantes, mas não se refere ao vazamento de documentos sigilosos à imprensa — conforme previsto no decreto do presidente da comissão.

A assessoria do parlamentar disse ao Correio que o objetivo da decisão não seria punitivo e que não se trata de proibição ou limitação dos vazamentos de documentos, mas de "foto de documento sigiloso, por exemplo". "Certamente, a ideia não é punir um jornalista que teve um documento como fonte de informação dada por um parlamentar", observa a assessoria.

Entidades de classe criticaram a determinação de Maia. O Sindicato de Jornalistas Profissionais do DF (SJPDF) e a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) repudiaram "veementemente a grave violação da Constituição e do exercício profissional da categoria". "A exigência de mais um ato de credenciamento (de profissionais da imprensa) e a definição do que se pode ou não ser divulgado pelos jornalistas é uma tentativa de limitação do livre exercício profissional e de censura ao trabalho jornalístico. Não cabe a Maia ou a qualquer outro parlamentar definir o que deve ou não ser publicado pelos jornalistas", afirmam as entidades em nota.

"O Sindicato alerta que os atos de Arthur Maia abrem um precedente perigoso contra a liberdade de imprensa, além de extrapolar o poder de presidente da CPMI", acrescenta a nota conjunta.

Kássio libera ações de bolsonaristas

O ministro Kassio Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal, liberou, ontem, as primeiras ações penais dos atos golpistas de 8 de janeiro. Cabe agora à ministra Rosa Weber, presidente do STF, incluir os processos na pauta. A expectativa é de que a Corte inicie os julgamentos em setembro.

A magistrada se aposenta no próximo mês, poucos dias antes de completar 75 anos, e não deve participar de todos os julgamentos. Como presidente, ela tem sido a porta-voz do STF sobre os atos antidemocráticos e já manifestou que os vândalos devem receber punição exemplar e célere.

O relator das ações é o ministro Alexandre de Moraes. Ele e sua equipe trabalharam em julho, no recesso do Judiciário, para concluir a instrução dos primeiros processos — última etapa antes do julgamento. As ações estavam no gabinete de Nunes Marques porque ele é o revisor e tem como atribuição analisar aspectos formais antes de liberar os casos para julgamento.

Os primeiros réus levados a julgamento serão Aécio Lucio Costa Pereira, João Lucas Vale Giffoni, Jupira Silvana da Cruz Rodrigues e Nilma Lacerda Alves, acusados de participação direta na invasão dos prédios públicos — todos estão em prisão preventiva. Os bolsonaristas respondem por crimes como associação criminosa, abolição violenta do estado democrático de direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e deterioração de patrimônio tombado.