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Rosa Weber deixa a defesa da democracia como principal legado

Ministra mostrou depois do 8 de janeiro que o país não se curvaria ao radicalismo e que o Estado de Direito não tinha sido abalado pelos bolsonaristas. Ficou conhecida pela atuação técnica, firme e discreta

A ministra Rosa Weber deixa a presidência do Supremo Tribunal Federal, no próximo mês, e leva para a aposentadoria uma recordação que não gostaria de guardar: a do STF vandalizado pelos radicais bolsonaristas que acreditaram na possibilidade de haver um golpe de Estado em 8 de janeiro. As imagens da sede do Judiciário às escuras, violentada e desrespeitada, com as salas de corredores depredados e sujos, era algo que a ministra jamais imaginou que veria de perto.

Isso, porém, não fez com que ela abandonasse o perfil técnico e discreto, diametralmente oposto ao de alguns dos seus colegas de Corte. O que não quer dizer que não fosse dura em suas palavras, quando da retomada dos trabalhos do Judiciário, dias depois do enxame de vândalos.

"Não destruíram o espírito da democracia. Não foram e jamais serão capazes de subvertê-lo, porque o sentimento de respeito pela ordem democrática continua e continuará a iluminar as mentes", afirmou.

Pedidos de vista

A mão firme de Rosa não se verificou somente quando teve de deixar evidente para vários setores da sociedade que o Judiciário não se intimidaria com as depredações. Dentro do STF, a magistrada também foi dura na condução dos trabalhos e fazendo valer alguns parâmetros que deveriam ser respeitados pelos próprios pares.

Um deles foi a limitação do tempo dos pedidos de vista (mais tempo para análise das ações) e a previsão de que as decisões liminares teriam um julgamento automático na Corte. Houve ainda outros recados que incomodaram sobretudo o Legislativo — o mais duro deles foi seu voto pela inconstitucionalidade do orçamento secreto. "Recoberto por um manto de névoas", disse a ministra em plenário, para incômodo de deputados e senadores.

A magistrada deixa o tribunal em outubro, pois, de acordo com a lei, é obrigatória a aposentadoria compulsória dos membros do STF aos 75 anos. Mas, para não deixar um estoque de decisões para o sucessor ou sucessora, decidiu adiantar votos de matérias polêmicas.

Na semana passada, Rosa votou a favor da descriminalização do porte pessoal de maconha. Também antecipou seu voto no julgamento sobre o recurso que discute a chamada "revisão da vida toda" da Previdência Social. Antes de deixar a Corte, ela também deve adiantar suas posições sobre regras para demarcação de terras indígenas — o chamado marco temporal —, descriminalização do aborto e violações de direitos humanos nas prisões.

Na avaliação do professor de estudos brasileiros da Universidade de Oklahoma, nos Estados Unidos, Fabio de Sá e Silva, Rosa teve uma atuação de grande relevância, apesar do perfil discreto. "Fez reformas regimentais importantes e mais do que necessárias, visando acabar com o 'monocratismo' e reduzir a possibilidade de manipulação dos processos pelos juízes", lembrou.

Já o cientista político Leandro Gabiati destaca a postura da ministra diante do vandalismo de 8 de janeiro. "Sua posição conjunta, com os outros Poderes, em defesa da democracia, sinalizaram que não haveria espaço para uma tentativa de interrupção democrática", destacou.

Rosa nasceu em Porto Alegre, em 1948, e antes de assumir uma das cadeiras do Supremo, presidiu o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e foi ministra do Tribunal Superior do Trabalho (TST). A carreira de jurista começou em 1967, quando foi aprovada em primeiro lugar no vestibular para o curso de Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Em 1991, foi promovida para o segundo grau de jurisdição, tornando-se desembargadora do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região — que presidiu entre 2001 e 2003. Em 2005, foi indicada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para ministra do TST.

Seis anos depois, a ex-presidente Dilma Rousseff sugeriu o nome da magistrada para ocupar a cadeira deixada pela ministra aposentada do STF Ellen Gracie. Em 12 de setembro de 2022, foi empossada como presidente da Suprema Corte, terceira mulher a ocupar o cargo — antecederam-na Ellen Gracie, entre 2006 e 2008, e Cármen Lúcia, entre 2016 e 2018.

Nas poucas vezes que se pronunciou fora dos autos, comentou a desigualdade de gênero nos tribunais, sobretudo nas cortes superiores. "No Brasil, temos muitas mulheres na base da magistratura, na Justiça em primeiro grau, mas o número decresce no intermediário. Na cúpula, nos tribunais superiores, o número é ínfimo", disse, durante a visita oficial do presidente da Finlândia, Sauli Niinistö, em junho.

Sucessão

Seu substituto à frente do STF será o ministro Luís Roberto Barroso — em 28 de setembro, ele e Edson Fachin (vice) serão empossados. Para o analista político Melillo Dinis, o magistrado terá serenidade para comandar a Suprema Corte. "Não tenho dúvida que, alçado à Presidência, manterá o mesmo cuidado e a mesma capacidade de liderar um colegiado de muitas cabeças, mas só uma Constituição", destacou.

Mas Fabio Sá e Silva ataca o envolvimento de Barroso em polêmicas. Para ele, ministro STF deve se ater a uma gestão técnica e discreta. "Alçado ao tribunal como um ministro progressista, se desfigurou ao abraçar a (Operação) Lava-Jato. No TSE, trouxe militares para supervisionarem eleições, legitimando uma intrusão indevida das Forças Armadas na política", criticou.

"No julgamento da descriminalização da cannabis, adotou posição mais conservadora que a de Alexandre de Moraes. E, embora tenha se colocado contra o bolsonarismo, cometeu deslizes políticos, como o "perdeu, mané' e o discurso da UNE (União Nacional dos Estudantes)", lembrou

Dois episódios incômodos e polêmicos

Os dois episódios envolvendo o futuro presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), renderam a Luís Roberto Barroso a alcunha de inimigo do bolsonarismo. No primeiro, em Nova York, o ministro respondeu a um militante de extrema direita que tentava constrangê-lo sobre o resultado das eleições no Brasil. Irritado, o magistrado respondeu com uma provocação: "Perdeu (as eleições), mané". O segundo episódio foi em julho, no congresso da UNE, quando ao se dirigir à plateia disse que "nós derrotamos o bolsonarismo". Os apoiadores do ex-presidente tentaram forçar a versão de que Barroso agira ilegalmente para impedir a reeleição e dar a vitória a Lula. O ministro emitiu uma nota se desculpando e deixando claro que o "nós" foram os eleitores que escolheram o petista.