O Ministério da Saúde demorou para responder uma série de ofícios que chegaram à pasta, em Brasília, que alertavam para a gravidade da intoxicação por mercúrio de milhares de indígenas que vivem na bacia do Rio Tapajós, no Pará. Estudos conduzidos pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e investigações realizadas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal, apontam um cenário preocupante. Calcula-se que entre 13 mil e 15 mil pessoas do povo munduruku estejam contaminados pelo metal jogado nas águas da região pelos garimpeiros ilegais que invadiram as terras dos nativos.
A intoxicação pela substância gera graves danos ao organismo. Estudo conduzido pela Fiocruz, em 2020, apontou que 15,8% das crianças que vivem em áreas de aldeias apresentam alterações neurológicas em razão da contaminação. Além dos danos físicos a longo prazo, que causam vômitos e hemorragias, a pesquisa avaliou 88 exemplares de peixes, de várias espécies, e detectou que 100% deles apresentam índices preocupantes de mercúrio.
O problema é resultado de uma série de omissões e do desmonte de órgãos de fiscalização ambiental, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), nos últimos anos. A ausência de vigilância e repressão levou garimpeiros ilegais a atuarem na região e despejarem toneladas de mercúrio nos rios.
De acordo com o MPF, citando investigações policiais, a cada 11 anos uma represa de mercúrio como a da mineradora Samarco — que se rompeu em Brumadinho (MG) — é despejada no Tapajós. Em novembro de 2015, a barragem do Córrego do Feijão não resistiu ao acúmulo de rejeitos de mineração e despejou 40 milhões de metros cúbicos de sobras de minério de ferro e sílica sobre o município. Outros 16 milhões de metros cúbicos continuaram descendo lentamente nas semanas seguintes.
Alertas
Em 2020, o MPF fez os primeiros alertas sobre a situação e, em 2022, os ofícios foram enviados ao ministério. Diante da ausência de resposta, em abril, novos comunicados foram remetidos, recomendando que a pasta decretasse emergência de saúde pública de importância nacional na região da bacia do Tapajós. Diante de outra falta de resposta, em julho a Procuradoria-Geral da República (PGR), cujo documento foi obtido pelo Correio, deu prazo de 30 dias para que a pasta decretasse a situação de emergência, que poderia facilitar o deslocamento de equipes de saúde para atuar junto ao povo munduruku.
A PGR questionou quais medidas para mitigar o problema seriam tomadas, alertando para o risco de etnocídio. A resposta não chegou e a posição do ministério foi, novamente, o silêncio. "A persistência da deliberada omissão do Estado brasileiro em reconhecer e envidar esforços no sentido de prevenir a contaminação e tratar a população contaminada por mercúrio, há de refletir, observando-se o alto grau de contaminação do povo indígena munduruku. (...) Eis que redundará em relegar o povo munduruku — e as demais populações afetadas — à própria sorte", destaca um trecho do documento da PGR ao ministério.
O Correio procurou o Ministério da Saúde em busca de uma posição sobre o caso. Em nota, a pasta confirmou que foi notificada e que enviou uma comissão para avaliar a situação. "O Ministério da Saúde foi notificado da suspeita de intoxicação humana por mercúrio em comunidades indígenas e ribeirinhas da região do Médio e Baixo Tapajós, no Pará. Em julho, a pasta enviou aos municípios de Santarém e Itaituba equipe avançada integrada por profissionais das áreas de Vigilância, Saúde Ambiental, Saúde Indígena e Emergências", destaca o ministério.
"A missão exploratória se dedicou a coletar informações e registros referentes às populações identificadas como expostas e intoxicadas por mercúrio, a fim de formular um diagnóstico mais preciso da situação e definir possíveis ações de resposta e assistência. O trabalho da missão exploratória servirá para orientar as próximas ações, incluindo a necessidade de deslocamento de outras equipes para territórios indígenas", complementa a pasta.