Um dos poetas mais celebrados do século 20, T.S. Eliot, disse num verso que "o gênero humano não suporta tanta realidade". Ele escreveu isto em 1943, numa Europa que estava sendo devastada pela guerra, ainda sem esperança de vencer. Suas palavras descrevem perfeitamente as disposições do homem de hoje, especialmente na chamada cultura ocidental, a nossa cultura, queiramos ou não.
Eu relembro esses versos para melhor entender um aspecto para mim intrigante do debate político que se observa neste momento no Brasil, tal como mediado pelos meios de comunicação, em especial a tevê. Nesses tempos de vida menos presencial, quem se sente menos à vontade com as esquisitices das redes sociais acaba recorrendo com mais frequência aos canais informativos de tevê, para tomar conhecimento da vida pública e dos movimentos da política. Infelizmente, por mais tempo que dedicamos a este mister, menos conhecemos do Brasil real e mais somos apresentados a um país de fantasia. Na tevê, a política é cada vez mais uma das muitas formas de entretenimento.
Por mais otimistas que sejamos, é impossível não reconhecer que o Brasil é um lugar muito problemático. Há mais de 40 anos somos um país de crescimento baixo e irregular. Além disso, somos um dos países mais desiguais de todo o mundo e esta desigualdade não tem se atenuado com o passar do tempo. As políticas públicas compensatórias têm evitado catástrofes humanitárias, mas ter 140 milhões de brasileiros, numa população pouco acima de 200 milhões, sobrevivendo exclusivamente de transferências de renda do governo, é um sinal contundente de que somos uma sociedade que fracassou.
Todo este tempo sem crescer trouxe grandes sequelas. Nossa infraestrutura está sendo consumida pelo tempo e pelo uso e não há investimentos para refazê-la ou restaurá-la. A nossa indústria está encolhendo. Os sistemas de saúde e educação estão sempre subfinanciados e quase toda a população depende deles. O transporte público nas grandes cidades não é ruim, é uma maldade. As favelas estão engolindo as cidades e faltam habitação decente e saneamento.
Quem vê o noticiário político, no entanto, não toma conhecimento de nada disso, o que nos faz lembrar de outros versos, agora de um poeta nosso, Chico Buarque: "A dor da gente não sai no jornal".
Ilusionismo
Nas tevês, uma parte do tempo se gasta em frívolos debates sobre mudanças ministeriais, numa gestão que mal começou, pois apenas na semana passada foi aprovado o chamado arcabouço fiscal, sem o qual o governo apenas funciona, mas não administra de fato. Num conjunto de 37 ministérios especula-se sobre a criação de mais alguns. Há novos ministros escolhidos, de cujos currículos pouco se sabe. Seus ministérios serão escolhidos depois. Certamente são homens polivalentes.
Em outra boa parte do tempo, as tevês cuidam das agruras do ex-presidente Jair Bolsonaro e seu entorno, por causa de jóias, presentes e outras travessuras. É preciso manter acesos os antagonismos, pois é só disto que é feita a política. Os problemas reais do país podem ser deixados para depois. Sempre haverá tempo para isso.
Enquanto isto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, enfadado desses problemas, ocupa o resto do tempo dos noticiários com suas aventuras internacionais, preocupado que está em jogar o peso geopolítico do Brasil na criação de uma nova ordem internacional policêntrica, ao lado da China, da Rússia, da Índia e da África do Sul, e agora também do Irã, da Etiópia, da Argentina, dos Emirados Árabes, do Egito e da Arábia Saudita, em contraposição ao poder colonialista dos países ocidentais. Quer tentar, também, a criação de uma nova moeda de reserva internacional, para libertar o mundo da dominação do dólar.
O mundo vive a feliz convergência de um líder sem problemas para resolver em seu país e um mundo carente de soluções redentoras. Tudo isto oferece às tevês um bom estoque de coisas prazerosas.
Enquanto os brasileiros estiverem distraídos com esses enredos ficcionais, vamos viver em paz, embora sufocados sob o peso cada vez maior dos problemas que escolhemos ignorar. A grande dúvida é saber se, na vida real, como nas ficções de baixa qualidade, o final será também feliz.
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