POVOS ORIGINÁRIOS

Marco Temporal Indígena é aprovado na Comissão da Reforma Agrária do Senado

Com 13 votos favoráveis ao relatório da senadora Soraya Thronicke, o projeto foi aprovado e segue para análise da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ)

O Projeto de Lei que determina o marco temporal para reconhecimento de terras indígenas no Brasil foi aprovado na Comissão da Reforma Agrária, do Senado, na tarde desta quarta-feira (23/8). O colegiado decidiu encaminhar a matéria com 13 favoráveis e 3 contra. Agora, o texto aguarda deliberação da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e, caso seja aprovado, segue para o plenário da Casa.

A relatora da proposta, senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS), pediu pela aprovação do texto que “já vem sendo discutido no Congresso Nacional há 16 anos". “Ainda há tempo para discussão”, disse. Apesar da oposição ao projeto solicitar que ele não fosse votado nesta tarde, o presidente da Comissão, senador Alan Rick (União-AC), encaminhou o relatório para votação.

Votaram pela  aprovação

  • Jayme Campos (União-MT);
  • Soraya Thronicke;
  • Izalci Lucas (PSDB-DF);
  • Sergio Moro (União-PR);
  • Ivete da Silveira (MDB-SC);
  • Wilder Morais (PL-GO);
  • Sérgio Petecão (PSD-AC);
  • Margareth Buzetti (PSD-MT);
  • Vanderlan Cardoso (PSD-GO);
  • Hamilton Mourão (Republicanos-RS);
  • Tereza Cristina (PP-MS);
  • Zequinha Marinho (Podemos-PA);
  • Jorge Seif (PL-RJ)

Votaram contra o relatório

  • Eliziane Gama (PSD-MA);
  • Beto Faro (PT-PA)
  • Humberto Costa (PT-PE).

Convidados pediram para PL não ser votado

Antes da votação, uma audiência pública foi realizada com entidades para decidir sobre a continuidade do debate do Marco Temporal. Os presentes pediram que o texto foi analisado por mais tempo. “Estamos aqui quase na eminência de uma votação mas no processo não teve o direito de uma consulta pública aos povos indígenas”, disse a presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana. 

Ela acrescentou que “nesse processo legislativo cada medida administrativa e legislativa do Estado brasileiro deve ser precedida de uma participação e consulta pública prévie, livre e informada”. Na comissão, o ex-deputado federal e ex-ministro da Defesa Osmar Serraglio argumentou que é necessário considerar o que os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram sobre o caso da Raposa da Serra do Sol, em 2017, que foi considerado base para todas demarcações de terras indígenas. À época, foi entendido que só são terras indígenas as ocupadas por indígenas na data da promulgação da Constituição, a proibição de expandir as áreas demarcadas e a determinação de que os direitos dos povos indígenas não se sobrepõem a questões de segurança nacional.

Reação nas redes sociais

Após a aprovação, artistas e líderes indígenas criticaram o projeto de lei. Por meio das redes sociais, ativistas contra o marco temporal apontaram que o PL “fere o direito originário”.

No Twitter, a cantora Daniela Mercury disse que a aprovação é “passar a boiada sobre as florestas e colocar em risco todas as Terras Indígenas”. O deputado distrital Fábio Félix classificou o momento como um “retrocesso”.

“A tese do Marco Temporal é uma violação da constituição e dos direitos dos povos originários”, argumentou Félix.

A deputada federal Célia Xakriabá, primeira indígena eleita em Minas Gerais, também se manifestou contra e disse que a aprovação é “derrubar a floresta e decretar o genocídio dos povos indígenas mais uma vez”. “A nossa mobilização não pode parar”, exclamou a parlamentar.

O que é o marco temporal

O marco temporal é uma tese jurídica que diz que os povos indígenas têm direito de ocupar somente as terras que ocupavam ou já disputavam em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição.

O projeto de lei aprovado nesta tarde na Comissão, pretende regulamentar o art. 231 da Constituição Federal, para dispor sobre o reconhecimento, a demarcação, o uso e a gestão de terras indígenas. O artigo em questão diz que é competência da União demarcar e proteger as terras indígenas. “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”, diz a Carta Magna.

O texto aprovado na Comissão foi o mesmo que passou pela Câmara no final de maio. Sem alterações, o projeto que segue para a CCJ estabelece que as terras não ocupadas por indígenas até 1988, independentemente da causa, não poderá ser reconhecida como tradicionalmente ocupada.

A responsabilidade da União em demarcar as terras também é afastada com o projeto. O texto determina que os processos para a demarcação de terras indígenas deverão contar, obrigatoriamente, com a participação dos estados e municípios onde se localiza a área pretendida e de todas as comunidades diretamente interessadas, como produtores agropecuários e suas associações.

Sobre a utilização das terras, o projeto diz que o usufruto “não se sobrepõe ao interesse da politica de defesa e soberania nacional, permitindo a instalação de bases, unidades e postos militares e demais intervenções militares, independentemente de consulta as comunidades indígenas envolvidas ou à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai)”.

Essa dispensa da consulta às comunidades se aplicará também à expansão de rodovias, à exploração de energia elétrica e ao resguardo das riquezas de cunho estratégico. Além disso, para realizar operações em terras indígenas, as Forcas Armadas e a Policia Federal também não precisam consultar as comunidades ou a Funai.

Para intervenções nessas terras, o poder publico poderá instalar equipamentos, redes de comunicação, estradas e vias de transporte, alem das construções necessárias a prestação de serviços públicos, especialmente os de saúde e educação, sem, igualmente, consultar as comunidades.

O texto gerou intensa mobilização contrária de ambientalistas e defensores dos direitos dos indígenas, que chegaram a promover bloqueios em estradas e mobilizaram artistas internacionais contra a medida. A oposição ao projeto conta, agora, com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), para engavetar a proposta, pelo menos, até que seja finalizado o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF).