Multilateralismo

Lula no Brics: ampliação do bloco desafia protagonismo do Brasil

Bloco econômico pode se expandir, com possível adesão de países com Arábia Saudita, Irã, Argentina e Venezuela. Especialistas afirmam que o ingresso de novos membros deve proporcionar mais investimentos e melhor governança para o grupo

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) participa nesta terça-feira (22) da 15ª Cúpula do Brics, grupo que reúne Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul. Sob o lema “Brics e África: Parceria para Crescimento Mútuo Acelerado, Desenvolvimento Sustentável e Multilateralismo Inclusivo”, o encontro ocorre até quinta-feira (24/8).

Entre os principais assuntos, estão a expansão do bloco, critérios e princípios a serem adotados para embasar a entrada de novos membros no grupo, a criação de uma moeda comum, a guerra da Rússia na Ucrânia, mudanças climáticas, transição energética, o aprimoramento de uma nova ordem global e o combate à fome.

Essa é a primeira cúpula presidencial desde 2020, por conta da pandemia de covid-19. Até então, os encontros eram feitos anualmente por videoconferência. O chefe do Executivo brasileiro desembarcou no domingo (21) em Joanesburgo, na África do Sul. Ontem, o petista seguiu sem agenda oficial. A primeira-dama, Janja, que o acompanha na viagem, visitou o Joburg Theatre para conversar com bailarinos brasileiros do ballet local.

Nesta terça (22), pela manhã, está previsto o encontro de Lula com representantes do Congresso Nacional Africano, além do Programa Conversa com o Presidente, às 8h30 (horário de Brasília). Já às 11h, Lula participa do Diálogo do Fórum Empresarial do Brics. No começo da tarde, vai à reunião no Retiro dos Líderes do grupo, além de participar de um jantar de boas-vindas aos líderes oferecido pelo presidente da República da África do Sul, Cyril Ramaphosa.

Na quarta-feira (23), ocorre a reunião de cúpula entre os líderes do bloco, em duas sessões. No dia 24, o encontro será estendido com os países-membros do Brics e cerca de 40 países convidados, em sua maioria chefes de Estado e governo de nações interessadas em ingressar no bloco, vindos da África, da América do Sul, do Caribe e da Ásia.

Expansão tem 22 interessados

Segundo o Ministério das Relações Exteriores, 22 países já manifestaram formalmente interesse em integrar o bloco. A especialista Mariana Cofferri, analista de Relações Internacionais, analisa que a entrada de novos países no Brics tende a diminuir o poder do Brasil no grupo enquanto tenta consolidar posição de liderança entre outros membros, sob risco de perda de relevância.

“De um lado, diante o cenário internacional, a participação de mais países neste grupo fortalecerá o Brics atraindo mais investimentos. Porém, uma série de países completamente diferentes, com economias e governos muito diferentes como a Arábia Saudita, Irã, Egito, Bahrein, Argentina, Venezuela, por exemplo, tem interesse em ingressar. E é fundamental que se estabeleçam critérios e condições possíveis, para alinharem seus interesses. Caso contrário, será impossível estabelecer políticas de desenvolvimento e governança entre eles”, apontou.

Além disso, a entrada de vários países emergentes pode vir a ofuscar o protagonismo no cenário internacional brasileiro, que embora não seja o líder do grupo, como maior economia, é o maior representante político – e esta posição, o governo Lula almeja manter.

Cofferri ressaltou que apesar de se mostrar amigável, o país ainda vê ressalvas e resiste ao ingresso de novos membros. “O Brasil defendeu a ideia de novos membros, principalmente ao que se refere aos países vizinhos brasileiros, contudo, sempre impondo diversas condições para o ingresso ao grupo. Observa-se assim que por detrás de um discurso amigável, o país ainda é resistente à expansão do bloco”, analisou.

Na comitiva brasileira também está a ex-presidente e atual presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), Dilma Rousseff, que tem como desafio escolher o possível câmbio da moeda comum aos países que integram o Brics, o que desobrigaria as economias de fazer transações em dólar. Cofferri defende que é necessário um amplo debate, pois a medida poderia aumentar a influência da China em relação à moeda yuan.

“A China, a grande líder do Brics, entende que quanto mais países entrarem no grupo, maior será sua influência, e consequentemente, o apoio obtido nas políticas de adesão do yuan como moeda comum”, citou.

Além de Lula, também estarão presentes na reunião o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, o presidente da China, Xi Jinping, e o presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa. O presidente russo, Vladimir Putin, deve participar por videoconferência devido a um mandado de prisão expedido pelo Tribunal Penal Internacional (TPP) contra ele por supostos crimes cometidos pela Rússia durante a guerra contra a Ucrânia. Como a África do Sul é um dos países que integra o tribunal, o país poderia prender Putin caso ele entrasse na nação. Putin é acusado de ser responsável por crimes de guerra, incluindo a deportação ilegal de crianças da Ucrânia para a Rússia. O país nega as acusações

Guerra na Ucrânia

Sobre a guerra da Rússia na Ucrânia, o assunto deverá ser discutido internamente, durante o “retiro”, encontro fechado dos chefes de Estado e de governo do Brics.

No último dia 20, em entrevista ao jornal sul-africano Sunday Times, Lula lamentou que Putin não estará de forma presencial na cúpula. “O ministro [das Relações Exteriores da Rússia, Serguei] Lavrov é um diplomata muito importante e experiente, mas seria muito importante que a Rússia participasse desse encontro com o seu presidente. Nós vamos discutir importantes temas globais, como a paz e a luta contra a desigualdade, e eu gostaria muito de discuti-los pessoalmente com o presidente Putin", alegou.

Sobre a fala de Lula, na mesma entrevista, que esboçou entre as prioridades do encontro uma nova governança global, Ricardo Mendes, da consultoria Prospectiva, destacou que o Brasil tem uma ‘visão míope’ sobre o assunto.

“Não acredito muito em nova governança global. Acho que os países médios estão em um momento interessante. Eles não estão buscando uma governança nova, mas sim espaços para alianças com países diversos. Diferentemente do G20, que buscava ser um contraponto à hegemonia dos EUA, esses mesmos países hoje buscam ter alianças estratégicas com os EUA, com a China e outros países. Veja o caso da Índia, que é um dos principais aliados estratégicos dos EUA em temas de defesa. A visão míope do Brasil é pensar o Brics como um instrumento de governança. O país tem que buscar alianças estratégicas que o tragam benefício, e não um contraponto aos EUA”, defendeu.

A respeito da possível nova moeda, opinou que o movimento pode ser positivo. “Pode tornar o fluxo comercial desses países menos dependentes das oscilações do câmbio. Recentemente a China firmou esse tipo de mecanismo com quase todos esses países que estão pleiteando entrar no Brics”, finalizou.

Giro pela África

Lula visita ainda nos dias 25 e 26 a capital de Angola, Luanda, onde será recebido pelo presidente João Lourenço, com quem terá uma reunião privada e outra ampliada no primeiro dia da visita. Entre os principais temas a serem tratados está a cooperação bilateral e o reforço das ligações históricas.

No domingo (27), o presidente irá a São Tomé, capital de São Tomé e Príncipe, para participar da 14ª Conferência de Chefes de Estado da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), entidade que tem como membros Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste. Segundo o Planalto, as agendas reforçam o compromisso do Brasil em ampliar alianças com o continente africano.