O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), considera uma honra a escolha do Rio para o lançamento do novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que ocorre amanhã. Os recursos serão usados para custear grandes obras no estado, incluindo a ferrovia que liga o Rio ao Centro-Oeste, a usina nuclear Angra 3 e a Linha 3 do metrô, que quer ligar a capital fluminense a Niterói. Na passagem por Brasília, Castro manteve conversas nos Ministérios da Fazenda e da Educação. Negociou a construção do maior complexo farmacêutico do país, que pode levar à autossuficiência do Brasil em vacinas, segundo o governador.
Castro comentou ainda o embate entre estados do Sul-Sudeste contra o Norte-Nordeste em torno da reforma tributária. Concorda o governador (de Minas Gerais) Romeu Zema ao defender uma mobilização política entre os estados da metade inferior do Brasil, mas considera inadequada a polarização, neste momento, entre direita e esquerda. "A eleição acabou", resumiu. O governador celebrou ainda que o Rio sediará a cúpula do G20 no ano que vem, e detalhou o encontro que teve com integrantes do Itamaraty para iniciar a organização do evento, que ocorre ano que vem. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Correio.
O senhor veio para um périplo aqui em Brasília. O que leva desses encontros para o Rio?
A gente veio tratar de algumas questões com o Ministério da Fazenda. Uma delas é o maior complexo industrial farmacêutico do Brasil, que vai ser construído pela Fiocruz, lá em Campo Grande. É um projeto que estava com tudo certo, mas, com a demora e o aumento da Taxa Selic, desequilibrou muito. A gente veio retomar o diálogo com o ministério para que esse projeto seja viável. Faz o Brasil ser completamente autossuficiente na produção de vacinas, e bater toda a meta de exportação. São 15 mil empregos durante a obra, mais dois mil empregos depois, com a fábrica pronta. Além disso, fomos ao Ministério da Educação falar sobre o novo Plano Estadual de Educação. O Rio de Janeiro, infelizmente, acabou não votando o antigo plano. Como está na hora de fazer o novo, viemos negociar não só para não perder esses recursos importantes, mas também para que a gente possa olhar para a educação com essa prioridade.
E onde o estado conseguirá esses recursos?
A gente veio conversando para colocar os projetos no PAC. O programa será lançado amanhã, no Rio de Janeiro. Há projetos muito importantes, estruturantes. A gente acabou por colocar grandes projetos, e não pequenas obras que o estado tem tocado. Por exemplo, a subida das serras, a BR-040, a EF-118, que é uma ferrovia importantíssima que vai ligar o Rio a todo o Centro-Oeste, por meio do Espírito Santo. Ela coloca o Porto do Açu na rota do agronegócio. E a Linha 3, do metrô, que vai do Rio até Niterói. São projetos estruturantes. Chegou a hora de pensar no futuro, olhar grande, para frente. O Rio, durante muitos anos, foi o epicentro da crise, e a gente vem o transformando no epicentro da solução. Estamos falando também de Angra 3. Estamos falando de rodovias importantes, como a Transbaixada, a Via Láctea, a conclusão dela até a Avenida Brasil. São projetos realmente que mudam a mobilidade do Rio de Janeiro.
Como o senhor recebeu a decisão do governo federal de lançar o novo PAC, que é um dos grandes programas do Executivo, no Rio?
Para nós é uma honra. O Rio já foi palco de Copa, de Olímpiada. Eu venho defendendo muito que a importância do Rio de Janeiro para o país é muito maior do que as pessoas falam. É óbvio que a gente tem as belezas naturais e o turismo. Mas, além disso, o Rio é o segundo estado que mais manda recursos para a União. 20% do orçamento da União é feito no Rio. Fora isso, somos líderes com 85% da produção de petróleo e 70% da produção de gás. Somos o segundo maior mercado consumidor, o segundo maior parque fabril. Líder em aço. O Rio tem uma importância para o Brasil que, às vezes, é esquecida. Eu falo isso sempre: o Rio, em números, é mais importante para o Brasil do que o Texas é para os Estados Unidos. Você nunca imaginaria um Texas quebrado como o Rio está hoje. O pacto federativo fere o Rio de morte, quase. E é muito importante quando o governo federal volta a olhar para o Rio de Janeiro na perspectiva do protagonismo, e não daquele filho problemático.
Fala-se, em alas do PT, que esse lançamento seria também para tentar angariar votos do eleitorado fluminense, que o elegeu. Como o senhor vê essa possibilidade?
Eu creio que todo mundo que está governando tem que governar para 100%, e esperar que depois tenha o resultado eleitoral disso. O resultado eleitoral tem que ser consequência do trabalho que você faz. Quanto mais se trabalhar pelo Rio, melhor para nós. Não há nenhum receio nesse sentido. É o que a gente quer: mais ações pelo Rio, independentemente do governo que estiver. Sobre o resultado eleitoral, é óbvio que o presidente (Jair) Bolsonaro tem sua liderança, mas também tem a ver com o trabalho que nós fizemos lá, de reconstrução, de diálogo, de união da classe política. Quem mais trabalha mais terá resultado.
Como anda a relação com o governo Lula?
Mantenho minha postura de sempre. Assim como eu ajo com os prefeitos, ajo com o governo federal. O papel de oposição e de situação é um papel do Parlamento. O governo não tem isso. O governo governa. O governador tem que trabalhar com todos os prefeitos, sem olhar coloração partidária. Assim como o governo federal deve olhar para os estados da mesma forma. A relação (com o governo Lula) é ótima, super-republicana.
A reforma tributária vem sofrendo críticas de estados do Sul e do Sudeste. Qual a visão do Rio de Janeiro?
Você tem estados hoje que vivem de ICMS, e você tem estados que vivem de transferência da União. Não pode haver uma rivalidade entre eles. A nossa maior crítica é que, do jeito que está, a reforma está gerando empobrecimento daqueles que produzem e não gera a emancipação daqueles que vivem de transferência. Dos quatro estados que mais contribuem para a União — São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul —, três estão no Regime de Recuperação Fiscal. Será que é só má gestão? É só erro do passado, ou você tem uma ideia de pacto federativo que está retirando demais desses estados, a ponto de eles contribuírem muito pelo Brasil e estarem quebrados? O Rio manda, todo ano, três vezes o valor de sua dívida em impostos federais. Todo mundo perde na perspectiva de nós contra eles.
Há um embate de propostas com estados do Norte e Nordeste, com governadores do Sudeste apontando uma relação desequilibrada. Como o senhor enxerga isso?
O Norte e o Nordeste se organizaram bem politicamente. Nunca houve um presidente do Comsefaz (Comitê Nacional de Secretários Estaduais de Fazenda) que não seja do Norte ou do Nordeste. Eles acabam tendo mais votos e o voto, sem ser qualificado, gera uma distorção de país. Nos sete estados do Sul e Sudeste, você tem 56% da população. Uma minoria da população está tendo uma prevalência sobre a maioria, quando, na verdade, você tinha que ter uma ideia de equilíbrio. Só o Nordeste tem nove estados, e o Sul e Sudeste, juntos, têm sete estados. Como uma região pode ser mais importante do que duas juntas? A lógica que conseguimos criar no Conselho Federativo, que passou na Câmara, é que as decisões sejam por maioria, mas que essa maioria contemple 60% da população. Aí você vai ter uma maioria real, e não uma maioria política.
O governador de Minas, Romeu Zema, fez uma fala muito criticada nesse sentido. Então ele escorregou nas palavras, mas não deixa de ter certa razão?
Ele foi muito bem na fala quando cita a organização entre Sul e Sudeste. Sul e Sudeste estão, na verdade, copiando o modelo de sucesso que o Norte e Nordeste fizeram. Se eu pudesse melhorar a fala dele, ou discordar, eu tiraria essa ideia de direita e esquerda. Isso tem que ficar para a eleição. O Zema tem muita razão quando fala que o Sul e o Sudeste têm que se organizar, até para que possam defender esses 56% da população. E vamos deixar para um momento seguinte essa discussão de direita e esquerda, que isso faz parte do processo eleitoral. A gente tem que saber sair do palanque. A eleição acabou. Tem que respeitar a urna e trabalhar colaborativamente. Na eleição, volta-se a discutir.
Então saímos dessa fase de discussão sobre a veracidade das urnas eletrônicas?
Ah, isso está superado. Bola para a frente, temos aí mais de 200 milhões de pessoas para cuidar.
Tem muita gente colocando o senhor como uma aposta para as próximas eleições. O senhor tem algum projeto político para sair candidato a presidente, ou a vice?
Os governadores do Rio cometeram o erro — quase todos eles, Garotinho, Cabral, Wilson Witzel —, de começar uma discussão nacional sem olhar e sem ter resolvido os problemas estaduais. O Rio tem muita coisa para resolver para o seu governador ficar olhando para algo que não seja o Rio. Depois, tem a questão de ver qual vai ser o melhor perfil para a próxima eleição. Está muito cedo ainda. O país saiu muito dividido de uma eleição, e trabalha hoje em reformas importantes. Acho que essa questão eleitoral vai ficar um pouco mais lá para a frente. Não quero incorrer no erro de falar de outra coisa que não sejam os problemas que o Rio de Janeiro enfrenta neste momento, que são muito graves.
Qual é o problema mais grave?
Eu colocaria dois no mesmo patamar: a segurança pública e o problema fiscal. Sem um estado equilibrado, você não consegue resolver a segurança pública. Mas, sem a segurança para o estado, você não consegue estabilizar a questão fiscal. Eu já investi mais de R$ 1 bilhão só na Polícia Militar. Nós tínhamos o segundo pior salário do Brasil, hoje temos o terceiro melhor. Éramos o 26º em elucidação de crimes. Nosso software mais jovem da Polícia Civil era da Copa. A gente investiu em todos os softwares mais modernos do mundo. Na Polícia Militar, fizemos o maior centro de treinamento da América Latina, para não acontecer mais situações de pessoas inocentes sendo atingidas por guerras ou de facções, ou da polícia fazendo o seu trabalho e acabar tendo efeitos colaterais. Não celebro a morte de ninguém, nem daquele que está do lado errado da sociedade, nem daquela vítima que estava do lado certo e infelizmente acabou sofrendo esse triste efeito colateral.
E a questão fiscal?
A gente tem que trabalhar duro na questão da segurança pública, e trabalhar aqui, com Brasília, para melhorar a questão fiscal. Dos sete estados do Cossud (Consórcio Sul-Sudeste), você tem 56% do público, 70% do PIB, 80% da arrecadação federal e 93% da dívida dos estados com a União. Você tem estados completamente amassados por uma dívida com indicador de IPCA 4, com um país que só cresce a um ponto (percentual). São dívidas impagáveis, que fazem os estados terem cada vez menos capacidade de investir em educação, infraestrutura, no social. O Rio já quebrou, Minas já quebrou, Rio Grande do Sul já quebrou, e os outros vão para o mesmo caminho, se a gente não fizer, realmente, a reforma necessária.
Na segurança, outro problema são as milícias. O que foi feito em relação a isso?
A gente fez a maior operação de combate às milícias. Prendemos mais de três mil milicianos. Bloqueamos mais de R$ 2 bilhões deles na Justiça. Nas últimas guerras, é o tráfico que tenta invadir as áreas da milícia. Houve um enfraquecimento considerável das milícias. A criação das narcomilícias, que é a união do tráfico com as milícias, é a nossa principal preocupação. E o estado vem batalhando para combater isso. A gente sabe que não é só um problema estadual. O Rio não produz armas, drogas, isso está entrando pelas nossas fronteiras. A gente precisa muito da ajuda das prefeituras no ordenamento urbano para não deixar que esses poderes territoriais avancem. E precisa muito do sistema judiciário como um todo, Justiça, Ministério Público, Defensoria, para que a gente não crie um "prende e solta".
Quando o carioca, o brasileiro, o turista estrangeiro vão se sentir seguro no RJ?
Acabou de sair o Anuário da Segurança. Fama é uma coisa complicada. O estado mais violento é a Bahia. O segundo é o Ceará. Das 20 cidades mais violentas do Brasil, só tem duas do Rio de Janeiro, e não são as primeiras. Quando você faz um recorte da nossa área turística, o turista no Rio de Janeiro hoje não tem problemas. E se tem, são os mesmos que ele vai ter em Londres, Roma e Paris. Pequenos furtos. Nós temos um problema pontual, sério — não é porque é pontual que não é sério — isolado em comunidades, que a gente vem batalhando para resolver. Já está muito claro para todo mundo que não existe a fórmula mágica. Não chegou aonde chegou de uma hora para outra, e não vai se resolver de uma hora para outra.
O Rio enfrenta também a crise dos aeroportos do Galeão e Santos Dumont. Como o governo fluminense vê a situação?
O Galeão é mais uma das vítimas da crise de concessões que existe no Brasil hoje. Você tem concessões de toda sorte e com diversos níveis com problema. Defendo que a próxima grande lei a ser discutida no Congresso deveria ser um Marco das Concessões, com regras claras de reequilíbrio econômico e financeiro, atualização de contratos. Você tem contratos de 25, 30 anos. Se a tecnologia muda, imagina o direito. Sobre o Galeão, as pessoas da época diziam que se esperava entre R$ 4,5 bilhões e R$ 7 bilhões, e foi licitado por R$ 17 bilhões. Então não é economicamente viável, o Galeão. Pegou-se uma época de Copa e Olimpíada, que não é a realidade. No Galeão, hoje, a conta não fecha.
E o Santos Dumont?
Na nossa opinião, houve uma transferência a ponto de inchar o Santos Dumont para depois vendê-lo caro. Foi uma sucessão de erros que fez o Galeão chegar a 6 milhões de passageiros/ano, e o Santos Dumont cresceu de 8, 9, para 11 milhões. A gente tem que entender que o Rio é um estado multi-aeroportos. Os dois aeroportos se canibalizam se não tiverem uma ideia clara de que têm que trabalhar juntos. Mas também, pegar e destruir os aeroportos não é o que a gente quer, nem mesmo o Santos Dumont. O que a gente tem que fazer é criar um equilíbrio.
O Rio de Janeiro será a sede da próxima cúpula do G20, no ano que vem. Em que pé está a articulação com o governo federal para organizar o evento?
Esse foi o meu primeiro pedido para o presidente Lula. Eu pleiteava que o G20 fosse para o Rio. Era muito importante sediar, sobretudo por causa da Eco 92, Rio 20, Olimpíadas, Copa. O Rio tem logística, rede hoteleira, locais vocacionados para grandes eventos. Ficamos felizes de o Itamaraty e o governo federal terem o mesmo entendimento, e agora é fazer um grande evento.
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