No dia 30 de novembro de 2022, os dois bolsonaristas hoje condenados pela tentativa de explodir uma bomba no Aeroporto Internacional de Brasília não participaram apenas de uma audiência pública no Congresso Nacional, onde seguidores do ex-presidente fizeram ataques à Justiça Eleitoral e questionaram sem provas a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva.
Naquele dia, George Washington de Oliveira Souza e Alan Diego Rodrigues se conheceram e se falaram pela primeira vez. A relação entre eles seguiu até a tentativa de detonar um artefato num caminhão cheio de combustível, em 24 de dezembro, véspera de Natal.
A revelação foi feita pelo mesmo George Washington, em depoimento que prestou à Justiça do Distrito Federal, em 24 de março deste ano. O Correio teve acesso ao vídeo com o conteúdo das declarações de Washington, quem preparou a bomba e planejou o atentado.
Confira a seguir
Nesse trecho, ele relata que não conhecia Rodrigues e que foi abordado por ele pela primeira vez nessa audiência. A reunião, prossegue Washington, se deu "sob o comando do general Girão", uma referência ao deputado General Girão (PL-RN), que esteve no encontro.
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"Fui abordado pelo Alan (Rodrigues) no dia daquela audiência pública sob o comando do general Girão. Como se ele (Rodrigues) já me conhecesse. Como se sempre me procurasse. Todas as vezes foi ele quem me abordou", disse Washington, ao responder questionamento da defesa de Alan Rodrigues.
Perguntado, pela defesa de Rodrigues, se houve algum motivo para procurar o comparsa para ele fazer o "implante" da bomba no caminhão, respondeu: "Foi um caso aleatório. Aquele minuto, aquele segundo de besteira na vida de um homem".
À reportagem, Girão negou liderança sobre o evento e também qualquer proximidade com os envolvidos no atentado à bomba no aeroporto.
Washington, quem montou a bomba, foi condenado a 9 anos e 4 meses de cadeia. Rodrigues, quem levou o artefato e o deixou em um caminhão, recebeu uma pena de 5 anos e 4 meses. A sentença foi assinada pelo juiz Osvaldo Tovani, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, em 11 de maio.
Golpe militar
A audiência pública à qual Washington se refere ocorreu um mês após a vitória de Lula, na Comissão de Transparência, Fiscalização e Controle e foi organizada pelo senador Eduardo Girão (Novo-CE). Nesse encontro, parlamentares bolsonaristas, advogados, militantes e seguidores do ex-presidente discursaram, atacaram o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, as urnas eletrônicas e afirmaram que não iriam abandonar as ruas e a frente do Quartel General do Exército, em Brasília. Nos discursos, houve até defesa do golpe militar.
Também no depoimento à Justiça, em março, Alan Rodrigues, assim como Washington, confirmou que estava desde novembro de 2022 em Brasília e que frequentava o acampamento em frente ao QG. Ele afirmou que seu objetivo "era saber a verdade sobre as eleições". E que, no QG, foram lhe passando a bomba, levada por ele até o aeroporto no carro de Wellington Macedo, blogueiro bolsonarista, que está foragido, mas que já prestou depoimento. Em comum, os três choraram perante o juízo e se disseram arrependidos do episódio.
Sobre a presença de Washington e Rodrigues na audiência pública, a Policia Legislativa do Senado teria a informação de quem a autorizou, mas não revela o nome por uma questão de sigilo, mostrou o Correio em 26 de dezembro do ano passado. Em junho deste ano, a Folha de S.Paulo noticiou que o senador Zequinha Marinho (Podemos-PA) teria autorizado a entrada de George Washington. O parlamentar negou qualquer relação com o condenado.
Entre os bolsonaristas que compareceram à audiência estavam, além do senador Girão e do deputado Girão, os deputados Daniel Silveira (PTB-RJ), Osmar Terra (MDB-RS), Carla Zambelli (PL-SP) e Marcel Van Hattem (Novo-RS) e os então eleitos Zé Trovão (PL-SC) e Gustavo Gayer (PL-GO).
Girão nega contato com condenado
Citado por George Washington, o deputado General Girão é alvo de um inquérito aberto por Alexandre de Moraes há um mês, que apura supostas incitações feitas pelo parlamentar a favor dos atos golpistas de 8 de janeiro. A investigação ocorre a pedido da Procuradoria-Geral da República da Polícia Federal.
Ao Correio, Girão informou, por intermédio de sua assessoria, que participou dessa audiência no Senado igual a vários outros parlamentares e que não conhece e nunca manteve qualquer contato com George Washington e Alan Rodrigues.
No depoimento que prestou à Polícia Civil, quando foi preso, Washington citou que procurou um "importante general do Exército" para relatar os fatos. Girão nega que seja esse militar.
"Conforme o próprio depoimento destaca, seria um general das Forças Armadas da época e o deputado General Girão está na reserva há muitos anos, ou seja, impossível ter sido o parlamentar em questão" — respondeu a assessoria do deputado.
E, sobre sua citação de seu nome pelo condenado na audiência, a assessoria do general respondeu que ele "se responsabiliza por suas próprias palavras e não de pode ser responsabilizado pelo que diz qualquer outra pessoa".
O deputado diz que não organizou a audiência pública e acredita que Washington o confundiu com o senador Eduardo Girão.
"Ressalta-se que os dois parlamentares possuem o mesmo sobrenome sendo comum, inclusive, confusão quanto a isso pelas próprias casas legislativas federais (Senado e Câmara)".
E diz ainda o deputado que "ninguém pode ser responsável por qualquer conduta de terceiro e nem ter sua imagem vinculada apenas por ter participado de um evento no mesmo ambiente".