VENDA ILEGAL DE PRESENTES

Joias de Bolsonaro: os argumentos da PF para operação que mirou assessores de ex-presidente

O dinheiro obtido com a venda, diz a PF, seria destinado a Bolsonaro. Segundo a PF, os crimes investigados nessa etapa da operação são peculato e lavagem de capitais

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postado em 12/08/2023 09:02 / atualizado em 12/08/2023 09:02
PF indicou em relatório que parte dos bens foi levada em voo oficial de Bolsonaro aos EUA -  (crédito: Andre Borges/EPA-EFE/REX/Shutterstock)
PF indicou em relatório que parte dos bens foi levada em voo oficial de Bolsonaro aos EUA - (crédito: Andre Borges/EPA-EFE/REX/Shutterstock)

A Polícia Federal deflagrou nesta sexta-feira (11/8) uma operação nesta contra pessoas próximas ao ex-presidente Jair Bolsonaro, entre elas militares, suspeitos de participarem de um esquema de venda ilegal de presentes recebidos por Bolsonaro durante compromissos oficiais.

O dinheiro obtido com a venda, diz a PF, seria destinado a Bolsonaro. Segundo a PF, os crimes investigados nessa etapa da operação são peculato e lavagem de capitais.

A operação foi autorizada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, e é um desdobramento das investigações sobre o destino de joias recebidas pelo ex-presidente enquanto estava no poder. Apesar de as investigações terem Bolsonaro como um dos alvos, a operação de hoje não teve nenhuma medida contra o ex-presidente.

Quatro pessoas foram alvo da operação: o ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, tenente-coronel do Exército Mauro Cesar Barbosa Cid, que está preso; o pai dele, o general do Exército Mauro Cesar Lorena Cid; o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro e tenente do Exército Osmar Crivelatti; e o advogado Frederick Wassef, que já defendeu Bolsonaro e familiares em processos judiciais.

A BBC News Brasil enviou perguntas ao advogado de Mauro Cid, Bernardo Fenelon. As perguntas foram endereçadas a Mauro Cid e seu pai, mas Fenelon não respondeu aos questionamentos. A reportagem também enviou questões ao advogado e ex-secretário de comunicação de Bolsonaro, Fabio Wajngarten. Ele não respondeu às perguntas.

A reportagem tentou contato com Frederick Wassef em dois números vinculados a ele. Nenhuma resposta foi enviada.

A BBC News Brasil não conseguiu localizar a defesa de Osmar Crivelatti.

Jair Bolsonaro
Andre Borges/EPA-EFE/REX/Shutterstock
PF indicou em relatório que parte dos bens foi levada em voo oficial de Bolsonaro aos EUA

De acordo com o relatório, o tenente-coronel Mauro Cid e Crivelatti teriam participado do grupo responsável pelo desvio, envio ao exterior e tentativa de venda dos itens.

Seu pai, o general Mauro Cesar Lorena Cid, teria recebido as joias e encaminhado os produtos a locais de venda. Lorena Cid é amigo pessoal de Bolsonaro. Os dois se formaram juntos na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman). Durante o governo Bolsonaro, Lorena Cid ocupou um cargo na A Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil).

Frederick Wassef, por sua vez, teria atuado no que a PF chamou de "operação de resgate" das joias desviadas após a publicação de reportagens sobre o caso, março de 2023.

A operação atingiu integrantes do núcleo mais próximo de Bolsonaro um mês depois de ele ter sido condenado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ficar inelegível por oito anos.

Mas quais são os argumentos da polícia federal que levaram à operação de hoje?

Desvio de presentes oficiais em voos oficiais

Segundo trechos do relatório da Polícia Federal enviado ao STF, há indícios de que assessores de Bolsonaro teriam usado aviões da Força Aérea Brasilia (FAB) para retirar do Brasil presentes de alto valor e joias que foram dadas ao ex-presidente durante compromissos oficiais.

A legislação brasileira determina que presentes oficiais precisam ser registrados junto ao governo para que seja feita uma análise sobre se eles devem ser incorporados ao patrimônio público ou se podem ser destinados a quem os recebeu.

"Foi criada uma estrutura para desviar os bens de alto valor presenteados por autoridades estrangeiras ao ex-Presidente da República, para serem posteriormente evadidos do Brasil, por meio de aeronaves da Força Aérea brasileira e vendidos nos Estados Unidos", diz um trecho do relatório da PF.

Ainda de acordo com a PF, a prática teria sido ilícita.

"(Esses) fatos que, além de ilícitos criminais, demonstram total desprezo pelo patrimônio histórico brasileiro e desrespeito ao Estado estrangeiro, cujos presentes ofertados, em cerimônias diplomáticas, podem retratam aspectos de suas culturas e representa um gesto de cortesia e hospitalidade ao Brasil, representado naquele momento pelo Presidente da República", disse.

As mensagens mostram que o médico de Bolsonaro, Marcelo Câmara, alertou Mauro Cid sobre a necessidade de comunicar à uma comissão do governo a intenção de vender os itens.

"‘Só dá pena pq estamos falando de 120 mil dólares / Hahaaahaahah", teria respondido Mauro Cid.

Segundo a PF, mensagens de texto trocadas entre os membros do grupo indicam que eles tinham ciência de que a venda dos itens era ilegal.

"As mensagens evidenciam que, além da existência de um esquema de peculato para desviar ao acervo privado do ex-Presidente da República, Jair Bolsonaro, os presentes de alto valor recebidos de autoridades estrangeiras, para posterior venda e enriquecimento ilícito do ex-Presidente, Marcelo Câmara e Mauro Cid tinham plena ciência das restrições legais da venda dos bens no exterior", diz um trecho do relatório.

A BBC News Brasil não conseguiu localizar a defesa de Câmara.

Coronel Cid
Andre Borges/EPA-EFE/REX/Shutterstock
Ex-ajudante de ordens de Bolsonaro é apontado como 'intermediário' das vendas

Ao todo, os investigadores conseguiram identificar quatro conjuntos de presentes e joias que teriam sido levados aos Estados Unidos pela equipe de Bolsonaro.

O primeiro conjunto era formado por uma caneta, um anel, um par de abotoaduras, um rosário árabe ("masbaha") e um relógio recebido em nome Bolsonaro pelo ex-ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, durante uma viagem à Arábia Saudita, em outubro de 2021.

O segundo conjunto continha um anel, abotoaduras, um rosário islâmico ("masbaha") e um relógio da marca Rolex em ouro branco que teria sido dado a Bolsonaro durante uma visita oficial à Arábia Saudita em outubro de 2019.

O terceiro conjunto continha duas esculturas dadas de presente a Bolsonaro durante uma visita ao Barein, em novembro de 2021.

O quarto conjunto, por sua vez, continha um relógio da marca Phelippe Patek que Bolsonaro teria recebido nessa mesma viagem Barein,

De acordo com as investigações, os kits foram transportados do Brasil para os Estados em diversas ocasiões. Uma delas foi durante a visita oficial de Bolsonaro aos Estados Unidos, em junho de 2022, para participar da Cúpula das Américas.

A outra foi durante a viagem da comitiva de Bolsonaro aos Estados Unidos, em dezembro de 2022, após a derrota do ex-presidente nas eleições.

Frederick Wassef
Reuters
Advogado Wassef, que atuou para Bolsonaro, teria sido responsável por 'resgate' de relógio

Tentativas e venda de presentes desviados

De acordo com a PF, as investigações mostram detalhes de como o grupo do qual Mauro Cid fazia parte teria tentado vender

Segundo os investigadores, depois que os itens desviados chegavam aos Estados Unidos, o grupo começava a procurar compradores em potencial. Os itens foram, então, enviados a casas de leilão ou lojas especializadas no ramo em Nova York e Miami.

No caso de um relógio da marca Rolex, segundo a PF, o item foi vendido por US$ 68 mil.

A PF suspeita que o dinheiro da venda dos itens fossem direcionado a Bolsonaro.

"Identificou-se, em acréscimo, que os valores obtidos dessas vendas eram convertidos em dinheiro em espécie e ingressavam no patrimônio pessoal do ex-Presidente da República, por meio de pessoas interpostas sem utilizar o sistema bancário formal, com o objetivo de ocultar a origem localização e propriedade dos valores", diz um trecho da decisão de Alexandre de Moraes.

Ainda segundo o relatório da PF, alguns itens supostamente desviados não foram vendidos porque não teriam sido avaliados como preciosos pelos estabelecimentos especializados.

Foi o que teria ocorrido com um kit de joias dadas pelo governo da Arábia Saudita e que continha abotoaduras, um relógio e um rosário islâmico conhecido como "masbaha" e um anel. O material foi remetido a uma casa de leilões em Nova York, mas não foi vendido.

"No dia 8 de fevereiro de 2023, o kit foi submetido a leilão, mas não foi arrematado, não sendo vendido por circunstâncias alheias à vontade dos investigado", diz um trecho do relatório.

Joias
Divulgação
Conjunto de joias teria sido um dos vendidos

Operação de resgate

O terceiro argumento usado pela PF para justificar a operação desta sexta-feira foi a identificação do que eles chamaram de "operação de resgate" dos itens.

Essa ação teria ocorrido depois que veículos de imprensa passaram a publicar reportagens sobre as tentativas de Mauro Cid e outros membros do governo de liberar um outro lote de presentes dados pelo governo saudita a Bolsonaro e que foi retido pela Receita Federal.

Trocas de mensagens entre os integrantes do grupo mostram, diz a PF, que eles atuaram para recuperar peças vendidas e entregá-las às autoridades brasileiras como se nunca tivessem sido desviadas e vendidas no exterior.

"Mais uma vez, há robustos elementos de prova no sentido que os bens extraviados, provavelmente com o uso do avião presidencial em 30/12/2022, foram objeto de verdadeira Operação resgate, com objetivo de esconder o fato de que haviam sido alienados", diz um trecho da decisão de Alexandre de Moraes.

Segundo as investigações, Wassef teria sido o responsável por reaver um relógio da marca Rolex que havia sido vendido.

Os outros itens que haviam sido vendidos ou aguardavam a venda, segundo o relatório da PF, foram recuperados por Mauro Cid.

Depois disso, aponta a investigação, os itens foram trazidos de volta ao Brasil e entregues à Caixa Econômica Federal (CEF).

A BBC News Brasil questionou o Exército Brasileiro sobre a atuação de seus oficiais, segundo as investigacões da PF.

Em nota enviada à BBC News Brasil, o Exército Brasileiro disse que a instituição "vem acompanhando as diligências realizadas por determinação da Justiça e colaborando com as investigações em curso".

"Por fim, cabe destacar que o Exército Brasileiro não compactua com eventuais desvios de conduta de quaisquer de seus integrantes", diz um trecho da nota.

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