O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) lança nesta sexta-feira (11/8) o Novo PAC, a terceira edição do Programa de Aceleração de Crescimento (PAC), iniciativa que marcou seu segundo mandato e a gestão Dilma Rousseff, seja por alavancar os investimentos em infraestrutura e a geração de emprego no país, seja pelas denúncias de corrupção e os longos atrasos nas entregas das obras.
A intenção do governo é investir R$ 240 bilhões em quatro anos, mas a ideia é ampliar esses valores com recursos privados, por meio de concessões e parcerias público-privadas (PPP).
Investimentos já planejados por estatais como a Petrobras também poderiam ser incorporados ao Novo PAC, inflando os valores para até R$ 1 trilhão, disseram publicamente parlamentares após reunião com o ministro da Casa Civil, Rui Costa, nesta semana.
Em discurso que marcou os 100 dias de governo, Lula adiantou que a terceira edição do programa terá seis eixos: transportes; infraestrutura social; inclusão digital e conectividade; infraestrutura urbana; água para todos e transição energética.
Na prática, exemplificou em abril, isso significará investimentos em energia eólica e solar; internet em alta velocidade para escolhas e postos de saúde; ferrovias, rodovias, hidrovias e portos; e melhoria das condições de habitação em favelas.
Segundo informações preliminares, a nova edição deve incluir mais uma vez obras prometidas nos PACs 1 e 2 que não saíram do papel ou ficaram incompletas, caso das ferrovias Transnordestina e Oeste-Leste, ou da pavimentação de estradas em Minas Gerais e Paraná.
São empreendimentos anunciados no programa petista, mas que também já foram promessas de outros governos, sem virar realidade.
Para especialistas em infraestrutura ouvidos pela BBC News Brasil, a rotina comum de obras com prazos e orçamentos estourados no Brasil reflete, principalmente, a precariedade do planejamento e dos estudos de execução desses empreendimentos.
Isso, dizem, acaba gerando mais paralisações, seja porque os recursos terminam no meio do caminho, ou pela atuação de órgãos de controle, como tribunais de contas ou de fiscalização ambiental, que atuam diante das falhas dos empreendimentos.
"Um projeto mal elaborado ou que não consegue antecipar todos os desafios da construção vai ter impactos na sua execução. Isso pode fazer, por exemplo, que o projeto demande uma quantidade de recursos maior, o que muitas vezes acaba inviabilizando de fato a construção", explica o economista Rafael Martins de Souza, pesquisador do Centro de Estudos e Regulação em Infraestrutura (Ceri) da FGV, também avalia que o PAC teve um impacto modesto.
Segundo monitoramento do Tribunal de Contas da União, de um total de 21 mil obras financiadas com recursos federais no país, mais de 8 mil estão paradas (cerca de 40% do total). A previsão de investimento total nesses empreendimentos paralisados é de R$ 32,2 bilhões, sendo que R$ 8,2 bilhões já foram gastos.
Transnordestina: mais de uma década de atraso
Um exemplo de obra reciclada no Novo PAC é a ferrovia Transnordestina, anunciada em 2006 para ter cerca de 1.800 quilômetros de extensão, sendo 1,2 mil de trilhos novos e o restante de velhos trechos recuperados, conectando o interior do Piauí aos portos no Ceará (Pecém) e Pernambuco (Suape), para exportação de minério e grãos. A obra foi incluída já na primeira edição do PAC, lançado em 2007.
Segundo balanço das duas primeiras edições do programa feito pela Câmara Brasileira da Indústria da Construção em 2016, a obra deveria ter sido finalizada em 2012. Até hoje, porém, cerca de 60% do projeto foi concluído, segundo a CSN, que detém a concessão da Transnordestina.
O orçamento inicial era de R$ 4,5 bilhões, mas já foram gastos R$ 9,1 bilhões até junho deste ano, segundo a CSN, sendo R$ 1,71 bilhão de recursos federais, R$ 3,47 bilhões de empréstimos públicos e R$ 3,95 bilhões da própria CSN.
Em agosto de 2010, final do seu segundo mandato, Lula reconheceu a dificuldade em entregar a Trasnordestina, durante visita a canteiro da obra, em Salgueiro (PE). E disse que já havia participado de 31 reuniões sobre o empreendimento.
"Em Missão Velha (Ceará), eu fui há cinco anos, tinha máquina trabalhando lá, e aí começou a surgir problema com o projeto; depois, surgir problema com licitação; depois, surgir problema com supressão vegetal; depois surgir problema com o Ministério Público; depois, surgir problema na licitação, ou seja, é um verdadeiro inferno para você concluir um projeto dessa magnitude", se queixou.
Em julho deste ano, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, anunciou a retomada do empreendimento: "Estamos buscando uma solução para concluir os dois trechos da ferrovia, seja pro Ceará, que se dará através da concessão, seja para Pernambuco, que nós retomaremos a obra, inicialmente com investimento de orçamento da União, enquanto se reestuda aquele trecho para eventual concessão ou a formação de um parceria público-privada", afirmou em encontro com governadores do Nordeste.
"Estamos projetando no PAC, para esse período, o maior investimento em ferrovias já registrado no Brasil num só período, através de investimentos com a iniciativa privada, para que a gente consiga reduzir o custo da produção", disse ainda na ocasião.
Outra obra já anunciada para o Novo PAC é a conclusão da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol), prevista para conectar trecho da Ferrovia Norte-Sul em Tocantins até o porto de Ilhéus, na Bahia, com cerca de 1,5 mil quilômetros. Esse empreendimento também já integrou o programa e deveria ter sido concluído em 2015.
Estrada em Minas foi promessa de Lula, Dilma e Bolsonaro
O Novo PAC deve incluir também a promessa de pavimentar rodovias que já deveriam estar asfaltadas, segundo os investimentos previstos nos primeiros PACs.
Nesta edição do programa, o governo solicitou aos governos estaduais que informem suas prioridades. No caso de Minas Gerais, um dos pedidos é para que seja priorizada a pavimentação e implantação do trecho da BR-367 que atende municípios como Salto da Divisa, Almenara, Virgem da Lapa e Berilo.
A conclusão do asfaltamento da rodovia, que liga o Vale do Jequitinhonha a Belo Horizonte e ao Sul da Bahia, é cobrado há décadas pela população mineira.
Segundo reportagem do jornal Estado de Minas, a então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, prometeu finalizar a pavimentação da rodovia (cerca de 60 km) em fevereiro de 2010, durante visita ao Estado com Lula.
Em abril daquele ano, inclusive, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) firmou um termo de compromisso com o governo mineiro para elaboração dos estudos de viabilidade técnica, econômica e ambiental para restauração, melhoramento e pavimentação da BR-367. Até hoje, porém, a via continua sem asfalto.
O então presidente Jair Bolsonaro também anunciou e não entregou a obra.
"Em dezembro (de 2020), Bolsonaro esteve em Jacinto, município de 13 mil habitantes que fica próximo da divisa com a Bahia, ao lado de duas dezenas de políticos mineiros, para anunciar que o asfalto aguardado há mais de 50 anos chegaria à BR–367", nota outra reportagem, do jornal O Tempo.
A previsão no final de 2020 era investir R$ 157 milhões e entregar a obra em 2022. Poucos meses depois, porém, o valor foi vetado do Orçamento pelo próprio Bolsonaro.
Outra obra que o governo de Minas quer incluir no Novo PAC é a barragem de Berizal, que fazia parte do PAC 1.
Uma nota divulgada pelo Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS) em 2021 resumia a novela desse empreendimento: "As obras da barragem Berizal foram iniciadas em 1997 no rio Pardo, no trecho entre os municípios de Taiobeiras e Berizal. Em 2 de julho de 2002, o Conselho de Política Ambiental de Minas Gerais embargou as obras, sob alegativa de que o DNOCS deixou de requerer o licenciamento estadual".
"Em 2004, o TCU colocou a obra na lista negra das que ficariam impedidas de receber verbas públicas federais por falta desse licenciamento. Em 2008 e 2009, o empreendimento perdeu os recursos destinados a ele. Nesse período, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva incluiu a barragem Berizal, nas obras que seriam executadas com recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)", continuou a nota.
Já entre os pedidos do governo do Paraná para o Novo PAC está a conclusão da pavimentação da Estrada Boiadeira (BR-487).
Os últimos dois trechos a serem asfaltados (de Porto Camargo a Serra dos Dourados, e de lá até Cruzeiro do Oeste) foram licitados em 2014 pelo DNIT, com previsão de entrega em 2016.
O primeiro, porém, está sendo concluído apenas agora, e o segundo é o que deve voltar ao programa.
A BBC News Brasil questionou o DNIT sobre o que ocasionou os atrasos na pavimentação da BR-367 (MG) e BR-487 (PR), bem como o valor investido nesses trechos não concluídos, mas não obteve retorno até a conclusão desta reportagem.
Já o Palácio do Planalto e a Casa Civil foram questionados sobre como respondem às críticas às edições anteriores do PAC e como pretendem evitar que os longos atrasos se repitam, mas não houve resposta.
Também não houve esclarecimento sobre as informações de que o governo prevê até R$ 1 trilhão de investimentos públicos e privados em quatro anos.
"Essas e outras informações serão detalhadas na ocasião do lançamento do Novo PAC e nos dias subsequentes", respondeu a Casa Civil.
'PACs 1 e 2 não foram bem sucedidos'
Mesmo obras do PAC que foram entregues também foram marcadas por atrasos, orçamentos estourados e denúncias de corrupção, caso da usina de Belo Monte, refinarias da Petrobras e estádios da Copa do Mundo.
Para o economista Claudio Frischtak, presidente da consultoria Inter.B e com uma década de atuação no Banco Mundial, as duas primeiras edições do programa não fugiram à tradição brasileira de ineficiência e má execução das obras.
Sua consultoria realizou um balanço do programa em 2016, a pedido da Câmara Brasileira da Indústria da Construção, e concluiu que a contribuição em termos de melhoria na quantidade e qualidade dos serviços foi limitada, em áreas como transportes, saneamento e geração de energia.
Na visão de Frischtak, um problema dos dois PACs foi o grande foco do governo no impacto mais imediato, de geração de empregos e movimentação da economia devido aos insumos e serviços contratados, e a pouca atenção com o produto final que seria entregue e teria de fato um efeito social e econômico de longo prazo, como melhora de logística ou do saneamento básico de determinada região.
"Os PACs 1 e 2 não foram bem sucedidos. Na verdade, foram programas muito problemáticos", critica.
Para que o Novo PAC não repita os erros do passado, diz o economista, é preciso ter uma melhor governança. Algo básico, defende, seria priorizar os empreendimentos segundo a taxa de retorno social, um cálculo que prevê o impacto de fato do projeto para a população. No entanto, esse parâmetro ainda é pouco usado no país, lamenta.
O economista Rafael Martins de Souza, pesquisador do Centro de Estudos e Regulação em Infraestrutura (Ceri) da FGV, também defende um foco maior na eficiência e na entrega final da nova edição do PAC.
"Quando a gente fala em infraestrutura, a gente tem muita preocupação no Brasil em tratar do volume de investimentos e dos impactos de curtíssimo prazo desses investimentos em renda e trabalho. Mas o importante é pensar que esses esforços de investimentos em infraestrutura têm um objetivo final que é ampliar a quantidade e a qualidade do serviço de infraestrutura", conclui.
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