Têmis, a deusa grega da Justiça, simboliza a personificação da ordem, da lei e da proteção dos oprimidos. É com essa inspiração que a ministra Assusete Magalhães, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), caminha com seus 39 anos de magistratura. Primeira mulher a presidir o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), ela também coleciona outros pioneirismos durante sua trajetória. Ao Correio, a integrante da Corte relata os desafios de ser uma mulher no Judiciário brasileiro e os detalhes da produção de um livro em sua homenagem.
O TRF-1 abarca 80% do território nacional, com 13 unidades da Federação. Assusete Magalhães foi a primeira e única mulher — até aqui — a presidir o órgão. No Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE-MG), ela também entrou para a história por ser a primeira a ocupar o cargo de juíza federal.
Da cidade de Serro (MG), a ministra chegou a Brasília em 1993. Casada, tem três filhos e três netos. Diz que adotou a capital como sua casa. "Ganhei o título de cidadã honorária. Sou brasiliense de coração, mas não perdi a ligação com minhas origens", afirma.
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Desde 2012 no STJ, ela é a sétima mulher a fazer parte da Corte. Atualmente, integra a Primeira Seção e a Segunda Turma, além de presidir a Comissão Gestora de Precedentes e de Ações Coletivas (Cogepac). Antes de abraçar a magistratura, atuou como procuradora do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e como procuradora da República.
Mais mulheres
Segundo o Conselho Nacional de Justiça, o Censo do Poder Judiciário identificou que as magistradas correspondiam a 35,9% do universo e as servidoras contemplavam 56,2% do quadro geral de colaboradores. O levantamento de 2019 identificou, ainda, que quanto maior o nível da carreira na magistratura, menor é a participação feminina. Elas representam 44% dos juízes substitutos, 39% dos juízes titulares, 23% dos desembargadores e apenas 16% dos ministros de tribunais superiores.
Magalhães destaca que, historicamente, o Judiciário é formado por homens, mas que, atualmente, é necessário haver uma virada. "Sabemos todos que a magistratura no Brasil se abriu recentemente para as mulheres. Até o ano passado, nós tínhamos tribunais brasileiros que não tinham uma única mulher", aponta.
A magistrada afirma que há uma evidente dificuldade maior para as mulheres. "Especialmente, se tratando de promoção por merecimento. Há uma pesquisa do do CNJ que revelou que cerca de 70% das magistradas brasileiras com idade entre 30 e 45 anos, elas foram inquiridas e sentiram na vida profissional um impacto maior do que seus colegas homens. Em razão das suas duplas, às vezes tripla jornada. Na nossa cultura, a maioria dos encargos familiares ainda compete à mulher", destaca.
No início de junho, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber, também criticou a ausência de mulheres no judiciário brasileiro, em especial, nos tribunais superiores. Para Assusete Magalhães, o país vive um momento importante de conscientização e inclusão.
"Há, sim, um preconceito no Judiciário com relação à ascensão da mulher. Mas, felizmente, isso vem modificando aos poucos. Isso demanda uma reforma cultural, que demanda gerações para que esse panorama se altere. Mas temos tido alguns avanços", frisa a ministra do STJ.
Atenção à família
A ministra Isabel Gallotti, que integra a Segunda Seção do STJ, tece elogios à colega da Corte. Ela conta que Assusete mostrou que é possível ser magistrada e cuidar da família — uma de suas grandes preocupações quando ingressou na área.
"Quando eu concorri ao TRF-1, eu era procuradora da República, e ela já era desembargadora. Levei meu currículo para pedir voto, e, na época, eu tinha um filho de apenas 1 ano. Ela me disse a coisa mais gratificante de toda a minha campanha, que foi: 'Aqui tem muito trabalho, vai valer a pena e você pode até ter um segundo filho. Porque eu trabalho muito, mas, de manhã, eu tenho tempo de fazer o dever de casa com os meninos'", relembrou. "Então, é possível você ser magistrada e ainda fazer o dever de casa", concluiu.
"Eu tomei posse na licença maternidade do segundo filho porque a minha vaga demorou quase 2 anos para ser preenchida. Eu sou muito grata sempre por essa frase. Isso me deu um conforto emocional", relatou Gallotti.
Coletânea reúne 59 artigos
Com uma trajetória de quatro décadas na magistratura, a ministra Assusete Magalhães é tema de uma publicação jurídica. Uma seleção com 83 autores reúne 59 artigos no livro Repensar a Justiça - Estudos em homenagem à ministra Assusete Magalhães. A obra argumenta e dialoga com o direito público, constitucional, tributário, com a previdenciário, administrativo e outros temas de especialidade da magistrada.
A coletânea traz textos de juristas — entre eles, ministras e ministros do Superior Tribunal de Justiça, do Supremo Tribunal Federal, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e do Tribunal de Contas da União (TCU). A organização é de Bianca Heringer, Grace Monteiro, Palmira Santiago e Rejane Rocha.
A obra, com prefácio do ministro Mauro Campbell Marques, é coordenada pela ministra Isabel Gallotti e pelo ministro Reynaldo Soares da Fonseca — que ressaltou ao Correio a importância da história de Assusete. "É uma juíza desbravadora, uma juíza que evidentemente abriu caminhos não só pela questão de ser mulher, mas como profissional e como juíza federal dentro da magistratura federal. Por isso, ela chegou ao STJ", disse.
O lançamento da obra está previsto para 22 de agosto, no Salão Recepções do STJ, das 18h30 às 22h. Os artigos tratam de temas variados, como sistema de precedentes, responsabilidade civil do Estado, métodos alternativos de solução de conflitos, licitação, serviços públicos, proteção de dados, direitos sociais e democracia.
Assusete Magalhães formou-se em direito em 1973, e em letras (inglês) em 1974, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Atuou como advogada (1974-1975), assessora jurídica da Delegacia Regional do Trabalho de Minas Gerais (1975-1976), procuradora autárquica do Instituto Nacional do Seguro Social (1976-1982) e procuradora da República (1982-1984), antes de ingressar na magistratura como juíza federal em 1984.
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