NEM CÁ, NEM LÁ

Fernando Villavicencio: candidato assassinado no Equador criticava Lula e Bolsonaro

Conhecido no Equador principalmente por seu trabalho como jornalista investigativo, Villavicencio foi líder sindical da Federação dos Trabalhadores Petroleiros (Fetrapec) no fim dos anos 1990

BBC
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postado em 10/08/2023 12:52 / atualizado em 10/08/2023 12:53
Villavicencio foi líder sindical e pautou sua campanha política na luta contra a corrupção -  (crédito: Getty Images)
Villavicencio foi líder sindical e pautou sua campanha política na luta contra a corrupção - (crédito: Getty Images)

O assassinato do candidato à presidência do Equador Fernando Villavicencio com três tiros na cabeça, nesta quarta-feira (9/8), gerou intensa troca de acusações entre bolsonaristas e lulistas nas redes sociais.

Villavicencio, no entanto, se mostrava crítico aos dois.

Conhecido no Equador principalmente por seu trabalho como jornalista investigativo, Villavicencio foi líder sindical da Federação dos Trabalhadores Petroleiros (Fetrapec) no fim dos anos 1990.

Como deputado, desde 2021, dizia que sua principal bandeira era a luta contra a corrupção — Villavicencio definia o Equador como um "narcoestado", propunha restaurar a segurança com as forças armadas e a polícia nas ruas e combater duramente o que chamava de "máfia política" no país.

Seu principal adversário político era Rafael Correa, ex-presidente do Equador e aliado de Luiz Inácio Lula da Silva, sobre quem Villavicencio compartilhou uma série de textos sobre corrupção na Petrobras.

Mas Villavicencio também compartilhava conteúdo crítico contra o ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro — desde reportagem que falava sobre "potencial genocídio" promovido pelo brasileiro durante a pandemia até denúncias de corrupção contra os filhos do ex-presidente.

'Lava-jatista' e 'de esquerda'

Petróleo foi um dos temas mais discutidos por Villavicencio em seus 59 anos de vida.

O ex-candidato nasceu em 11 de outubro de 1963 na província de Chimborazo, no centro-sul do Equador.

Segundo o perfil publicado no site de sua campanha, foi dirigente sindical da Federação dos Petroleiros (Fetrapec) em 1999.

Sua biografia de campanha diz que, desde adolescente, ele esteve ligado a organizações sociais indígenas e de trabalhadores.

Villavicencio cresceu no meio rural, onde aprendeu a "cultivar e respeitar a terra e a conviver com os mais humildes".

Segundo perfil publicado pelo jornal espanhol El Pais, Villavicencio se considerava de esquerda.

Em 2021, tomou posse como deputado eleito pela Alianza Honestidad, uma frente política formada, entre outros partidos, pelo Partido Socialista Equatoriano.

À frente da Frente Parlamentar Anticorrupção, apresentou uma série de denúncias que deram origem a investigações sobre suposta corrupção no setor petroleiro durante as presidências de Rafael Correa, Lenín Moreno e Guillermo Lasso.

O principal escândalo político divulgado sob sua gestão como deputado foi o chamado caso "Petrochina", que denunciava uma dívida que o Equador teria adquirido com a China durante o governo de Rafael Correa e que Villavicencio classificou como esquema de corrupção.

Nos últimos anos, Villavicencio compartilhou uma série de tuítes positivos sobre a operação Lava Jato.

Em 31 de outubro do ano passado, data em que a eleição de Lula como presidente foi confirmada, Villavicencio escreveu: "O retorno dos ladrões da lava jato".

Em 2019, criticou Bolsonaro quando o Brasil não compartilhou informações de delações premiadas da Odebrecht com a procuradoria equatoriana.

'Não compartilho nada com Bolsonaro'

Villavicencio citou Bolsonaro em 11 tuítes desde 2018 — dez deles tinham teor crítico.

Às vésperas da eleição que elegeu Bolsonaro, Villavicencio respondeu ao tuíte de um professor equatoriano que afirmava que torcia pelo então candidato Fernando Haddad, já que a "outra opção" (Bolsonaro) seria "aterrorizante".

"Não podemos curar a raiva com mais mordidas do mesmo cão", disse Villavicencio. "Bolsonaro é produto da traição do PT, da maior corrupção da história. Por Deus.... E não compartilho nada com Bolsonaro."

Em novembro de 2018, compartilhou reportagem da BBC em espanhol que apontava "as surprendentes semelhanças entre o Brasil que elegeu Bolsonaro e a Venezuela que escolheu Hugo Chávez há 20 anos".

Em dezembro do mesmo ano, compartilhou reportagem sobre investigações contra Flavio Bolsonaro, filho do ex-presidente, e seu ex-motorista e assessor Fabrício Queiroz.

O texto abordava uma investigação ligada à operação Lava Jato que apontava, segundo um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras, o Coaf, movimentações financeiras de mais de R$ 1,2 milhão consideradas suspeitas por Queiroz.

A investigação mais tarde desembocaria no caso das "rachadinhas".

Idosa segura cartaz de campanha de Villavicencio
Getty Images
"É hora dos corajosos" foi o slogan da campanha de Villavicencio.

Falas negativas sobre Lula

Desde 2019, Villavicencio citou Lula 9 vezes em seu perfil no Twitter — todas elas em tom crítico.

Em janeiro de 2019, compartilhou reportagem sobre delação do "ex-ministro de Lula da Silva" Antonio Palocci, que havia relatado repassar propina paga pela Odebrecht em dinheiro para o atual presidente.

Em diversos tuítes, Villavicencio pressionava autoridades para ter acesso ao conteúdo de uma suposta reunião entre Rafael Correa, Lula e Marcelo Odebrecht em 2006.

Em sua menção mais recente ao brasileiro, em novembro de 2022, disse que Lula e Odebrecht ganhava com a falta de cooperação entre executivos da construtora e autoridades peruanas.

De ameaças a assassinato

A apenas 10 dias das eleições presidenciais antecipadas no Equador, Fernando Villavicencio foi morto a tiros após encerrar um evento de campanha na capital do país, Quito.

Os disparos aconteceram por volta das 18h20, horário local, enquanto ele entrava em um veículo, ainda cercado por seguranças.

Em 4 de agosto, sua campanha informou à imprensa que Villavicencio continuaria viajando pelo país, apesar das ameaças de morte que "continua recebendo de grupos criminosos".

Pelo Twitter, após a confirmação do assassinato, o presidente equatoriano, Guillermo Lasso, disse que "o crime organizado foi muito longe, mas todo o peso da lei recairá sobre eles".

Lasso declarou estado de emergência nacional por 60 dias.

A irmã de Villavicencio, Patricia Villavicencio, culpou o atual governo pela violência que acabou com a vida do político.

"Eles não queriam que a corrupção fosse investigada. Eu amaldiçoo este governo. Não fizeram nada para protegê-lo. É uma conspiração", disse à mídia local.

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