Belém — O primeiro dia da Cúpula da Amazônia, em Belém, terminou com poucas ações práticas previstas para o desenvolvimento sustentável e o combate ao desmatamento na região. A declaração emitida em conjunto pelos representantes dos oito países que abrigam a floresta não incluiu compromisso para a redução da exploração de petróleo na área. O assunto foi motivo de críticas duras do presidente da Colômbia, Gustavo Petro. A posição do chefe de Estado vai de encontro à do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Na segunda-feira, o petista afirmou que a questão da exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas — solicitada pela Petrobras e negada, a princípio, pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama) — não seria um ponto de debate da Cúpula. Ele, porém, já disse, em outra ocasião, achar "difícil" que um projeto petrolífero no local provoque dano. No governo, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, marcou posição contra esse tipo de atividade na região.
Gustavo Petro reclamou que na Declaração de Belém não há o compromisso para a redução de exploração na região. Na avaliação do líder colombiano, a política parece ser incapaz de "se destacar dos interesses econômicos que derivam do capital fóssil".
Petro ainda afirmou que para governantes da direita é fácil negar a importância de fontes de energia limpa, mas líderes progressistas deveriam estar mais alinhados à ciência. "Cada vez mais, o movimento social se junta com a ciência. E a política, cada vez mais, está presa na retórica", enfatizou. "É muito difícil para os latino-americanos pensar que nós, que vivemos do petróleo, do carvão, do gás, especialmente a Guiana, que, agora, o planeta precisa deixar de usar o petróleo, o carvão e o gás", acrescentou.
Questionado por jornalistas sobre o assunto, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, tentou se esquivar. Ele voltou a destacar o direito de o Brasil conhecer suas "potencialidades". "Faz todo sentido se debater a necessidade de nós sabermos e conhecermos as nossas potencialidades energéticas tanto em solo quanto em mar. A dúvida é respondida pelas próprias palavras 'transição energética'. Ninguém fala em mudança de matriz energética", frisou. "Mudança é algo mais abrupto, o que falamos é transição. Todos nós remamos no planeta para o mesmo rumo, que é melhorar nossa matriz de energia elétrica, e o Brasil como protagonista disso."
Silveira ainda destacou que "não podemos vendar nossos olhos à realidade". "Nenhum cientista consegue afirmar quando essa transição estará consolidada ao ponto de podermos abrir mão da necessidade de uso de algumas matrizes", completou.
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O presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, reiterou o posicionamento de Lula, ao afirmar que os governos dos oito países da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) não estavam em Belém para debater petróleo na Amazônia e tentou contemporizar a intenção da estatal. "Nós estamos, na verdade, analisando a questão da sustentabilidade. Temos, hoje, um programa de reflorestamento muito importante no Brasil, bancado pela Petrobras, cerca de 3% do território nacional em área. E temos muitas atividades na área de sustentabilidade. Então, é disso que nós viemos tratar", esquivou-se.
"A Petrobras produz petróleo na região amazônica com muita responsabilidade, sem nenhum incidente há décadas. Com muita responsabilidade, com tecnologia de ponta, com o máximo de mitigação de efeitos, com o mínimo de devastação, com o mínimo de prejuízo para a natureza, para a sustentabilidade e com muitos programas sociais importantes, deixando royalties e participações governamentais importantes para o estado do Amazonas e outros estados amazônicos", continuou Prates. "Então, essa decisão sobre petróleo, sobre suspender a exploração, etc, são decisões de Estado, do Estado brasileiro e, se forem tomadas, terão de ser cumpridas", acrescentou.
Na opinião de Prates, ainda é cedo para "tratar de um assunto tão drástico". "A transição energética, por si mesma, é uma transição, não uma ruptura. Não acontece de um dia para o outro. O que temos de fazer, inclusive aproveitando que a COP será aqui, é discutir como o uso do petróleo, que ainda vai durar por algumas décadas, pode ajudar a capitalizar, a financiar a transição energética", finalizou.
Lula: floresta não é "tesouro a ser saqueado"
Na abertura da Cúpula da Amazônia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu que o desmatamento seja zerado até 2030. No entanto, os outros sete países que compõem a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) enxergam a meta como ousada e alegam problemas estruturais em suas nações para alcançar a proposta.
Segundo Lula, o encontro em Belém serve a "grandes propósitos": uma nova visão de desenvolvimento sustentável, o fomento à ciência, tecnologia e inovação; o estímulo à economia local; o combate ao crime internacional; e a valorização dos povos indígenas e comunidades tradicionais e seus conhecimentos ancestrais.
"Em segundo lugar, estão as medidas para o fortalecimento da OTCA. A OTCA é um legado construído ao longo de quase meio século e representa o único bloco do mundo que nasceu com uma missão socioambiental. Ampliando e aprofundando nossas iniciativas de cooperação, coordenação e integração entre os membros da OTCA, poderemos assegurar que nossa visão de desenvolvimento sustentável terá vida longa e amplo alcance", pontuou. "Finalmente, fortaleceremos o lugar dos países detentores das florestas tropicais na agenda global, em temas que vão do enfrentamento à mudança do clima à reforma do sistema financeiro internacional", acrescentou.
Cooperação
Na avaliação de Lula, a floresta amazônica não pode ser tratada como um "depósito de riquezas" e que não é um vazio "a ser ocupado" ou um "tesouro a ser saqueado". "Queremos retomar cooperação com os países e superar desconfianças", enfatizou.
O petista destacou que os recursos da região não serão mais explorados "a serviço de poucos". Segundo ele, o sistema internacional global reservou aos sul-americanos o papel de fornecedor de matéria-prima. "A transição ecológica justa nos permite mudar esse quadro", emendou.
"A Amazônia é nosso passaporte para uma nova relação com o mundo — uma relação mais simétrica, na qual nossos recursos não serão explorados em benefício de poucos, mas valorizados e colocados a serviço de todos", complementou.
Lula também fez críticas ao governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). De acordo com ele, o antecessor tornou o país "um pária entre nações" e permitiu o aumento do desmatamento. "A crise política que se abateu sobre o Brasil levou ao poder um governo negacionista com consequências nefastas", disparou.
De acordo com o presidente, redes criminosas se organizaram e ampliaram a insegurança na Amazônia. Ele alegou que seu governo mudou esse cenário.
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