O ex-diretor adjunto da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) Saulo Moura da Cunha afirmou que alertou pessoalmente o então ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Gonçalves Dias, sobre o risco de ataques às sedes dos Três Poderes. As declarações foram dadas em depoimento, nesta terça-feira, à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos atos golpistas.
Saulo Cunha relatou que, às 8h de 8 de janeiro, enviou mensagem a G. Dias — como o militar é conhecido — avisando que havia indícios de manifestantes se preparando para uma ação violenta. Segundo ele, o general respondeu com "acho que vamos ter problemas". O ex-diretor adjunto acrescentou que às 13h, após serem identificados carros de som incentivando a invasão dos prédios públicos, ligou para o então chefe do GSI e contou sobre a iminência da invasão — que ocorreu pouco depois, por volta das 14h30.
Também conforme depoimento de Saulo Cunha, G. Dias mandou excluir o próprio nome da planilha que mostra quem recebeu os alertas feitos pela agência nos dias anteriores aos ataques. O ex-diretor afirmou ter obedecido ao ministro, que teria alegado não ser o destinatário das mensagens.
Entre 2 de janeiro, quando Saulo Cunha assumiu o cargo, e o dia 8, a Abin enviou 33 alertas a órgãos como a Polícia Militar do Distrito Federal, o Ministério da Justiça, o GSI, entre outros. Os dados eram divulgados por meio de um grupo de WhatsApp, que continham representantes designados pelas instituições. "Eu entreguei essa planilha para o ministro, e ele determinou que fosse retirado o nome dele dali. Ele determinou, eu obedeci a ordem", frisou, ao ser questionado pela relatora da comissão, senadora Eliziane Gama (PSD-MA). "Eu encaminhei pessoalmente, do meu celular, diversos alertas ao ministro G. Dias. Diversos. E já coloquei à disposição aqui o meu sigilo telefônico", acrescentou.
Em resposta, Eliziane perguntou ao ex-diretor se ele não teria cumprido uma ordem ilegal do ministro, tendo assim também responsabilidade na alteração do documento. "A ordem não é ilegal. Ele (G. Dias) que determina quais informações devem ser incluídas. Da parte da Abin, não houve nenhuma iniciativa de esconder informações", rebateu.
Ele classificou os alertas como documentos sem informações sigilosas, contendo identificação de pessoas, e enviados via WhatsApp, em contraponto aos relatórios, mais completos e que demandam tempo para serem produzidos. Nenhum relatório foi preparado no período.
Cunha fez também uma reconstituição dos alertas enviados pela Abin. Até 4 de janeiro, a avaliação era de que a manifestação programada para Brasília seria de baixa adesão. Do dia 5 para o dia 6, porém, o número de ônibus estacionados na capital saltou de 53 para 105, segundo informações da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) remetidas à agência, o que acendeu o sinal de alerta.
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Contribuição
Em conversa com jornalistas no intervalo da sessão, o presidente da comissão, Arthur Maia (União-BA), se disse satisfeito com as informações prestadas. "Penso que os dados trazidos a respeito dessa mudança que aconteceu nos relatórios da Abin foi uma coisa muito elucidativa e, eu creio, de muita contribuição para a CPMI", pontuou.
A relatora, porém, reforçou a tese de que a ordem de G. Dias foi ilegal. "Ele (Saulo Cunha) atendeu a uma ordem absurda, ilegal. E ordem ilegal não se cumpre. Então a gente não pode eximi-lo da responsabilidade da alteração desse documento", argumentou. "Como, da mesma forma, precisamos cobrar a responsabilidade do G. Dias, se ele foi informado e, de repente, pediu a retirada do nome dele desse documento."
Eliziane, no entanto, ressaltou que a obrigação de uma ação ostensiva no dia dos ataques era, principalmente, da Polícia Militar do Distrito Federal, que também recebeu os alertas da Abin. "Quem não cumpriu essa responsabilidade e a sua missão deverá ser responsabilizado, e é esse o objetivo. A gente não pode, eventualmente, pegar uma narrativa de alguém que tenta implantar e colocar como se fosse verdade. Nós estamos trabalhando com fatos", declarou.
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