A poucas horas do fim do Julho das Pretas, o balanço que elas fazem está longe de ser positivo. Ao contrário: enxergam que a luta pela igualdade caminha a passos muito lentos, sobretudo quando se sabe que uma pesquisa divulgada na semana passada mostra que 81% dos brasileiros enxergam o Brasil como um país racista, mas apenas 11% afirmam que têm atitudes ou práticas discriminatórias. Realizado pela Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica (Ipec), sob encomenda do Instituto de Referência Negra Peregum e do Projeto Seta (Sistema de Educação por uma Transformação Antirracista), o levantamento constatou também que 10% dos entrevistados trabalham em instituições racistas; 36% convivem com pessoas que têm atitudes preconceituosas e 46% que convivem com pessoas que sofrem discriminação.
Para a jurista Vera Lúcia Santana, as constatações das pesquisa não surpreendem. "Ser a primeira vez que uma jurista negra integrou uma lista para ir ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) significa que continuamos com as mesmas barreiras. O Brasil não abre mão de ser racista. É economicamente lucrativo", analisa.
Para a jurista, as mulheres negras são perseguidas politicamente pelas tentativas de alijá-las dos processos decisórios — e contam com o beneplácito das instituições para isso. "A visibilidade de mulheres e homens negros é um ator que incomoda dentro da estrutura que a gente opera. Hoje, tem uma presença muito maior de advogados negros e negras, juízas e juízes, numa quantidade muito subrepresentada em relação à população, mas já não é um espaço tão solitário", lamenta.
Joseanes Santos, assessora parlamentar do Ministério das Mulheres e integrante da Frente de Mulheres Negras do Distrito Federal, salienta que "a posição que ocupamos, hoje, na sociedade brasileira, é resultado da travessia transatlântica sofrida pela população negra, da África para o Brasil. Tivemos que nos organizar politicamente, como quilombolas, mulheres de terreiros, empreendedoras, mães. Isso que fazemos, hoje, de resistência política, fazemos desde essa época".
Dados do TSE Mulher apontam que nas eleições de 2022, 17% de mulheres negras e pardas foram candidatas a cargos políticos — no pleito de 2018 o índice era 15%. Mas, segundo estudo realizado pelo Instituto Marielle Franco, em 2021 muitas mulheres negras manifestaram medo de estar na política por serem alvos de intimidação e violência física.
O levantamento constatou, ainda, que entre as postulantes a algum cargo público, 42% afirmaram terem sofrido violência física, 16,6% foram intimidadas por alguém ao realizar campanha na rua e 13,3% receberam ameaças de morte durante o período de pré-campanha ou campanha eleitoral. As 142 mulheres negras que responderam à pesquisa haviam sido candidatas à época, mas o estudo aponta um "aumento histórico" nas candidaturas de mulheres na política depois do assassinato da vereadora carioca.
"As balas que atingiram Marielle têm um lugar político, serve à resistência das mulheres negras brasileiras", afirma Joseanes.
No dia 25 — Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha —, a ministra da Cultura, Margareth Menezes, recebeu um grupo de aproximadamente 40 jornalistas negras para discutir uma maior presença delas nas redações. Segundo a ministra, "esse tipo de maneira de calar as pessoas e de calar as vozes das pessoas que se colocam à dispor da luta antirracista é uma prática da sociedade brasileira. Estamos buscando um outro momento, uma virada dessa coisa tão perversa. Estamos fazendo uma revolução sem armas na mão. A custo de muito sangue, de muita luta".
Margareth foi enfática ao cobrar uma maior presença — e visibilidade — da mulher negra na imprensa. "Precisamos de mulheres negras nesses espaços, pois elas amplificam a comunicação para que as informações sobre políticas públicas cheguem aonde elas precisam chegar", destacou. (Com Agência Brasil)
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