Congresso

Análise: de onde vêm as maiorias

"Precisamos encarar uma reforma política, mas para isso precisamos ter foco na questão mais crítica, que é o sistema eleitoral. O sistema chamado de proporcional com lista aberta, que é o que adotamos para a escolha dos deputados, não existe mais em nenhuma democracia civilizada"

Está se tornando consensual o entendimento de que o nosso sistema político não está funcionando para servir aos brasileiros. Há muitos que julgam, e eu com eles, que a política é a principal responsável pelo nosso baixo crescimento e pela pobreza da maioria da população. A partir daí surge a grande questão: a quem culpar por estes descaminhos?

Há quem prefira pôr a culpa na baixa qualidade dos políticos atuais. Se fosse este realmente o problema, não haveria nada a fazer. Os políticos em atividade foram eleitos conforme as leis do país e, de um modo ou de outro, são uma imagem da própria sociedade, na sua diversidade e nas suas carências. Os homens que temos na esfera pública são esses que estão aí. Este é um fato da vida. O caminho construtivo, e que está ao nosso alcance, é construir instituições nas quais a conduta desses homens seja diferente do modo como eles hoje se comportam.

Precisamos encarar uma reforma política, mas para isso precisamos ter foco na questão mais crítica, que é o sistema eleitoral. O sistema chamado de proporcional com lista aberta, que é o que adotamos para a escolha dos deputados, não existe mais em nenhuma democracia civilizada e é o responsável pelos nossos problemas de governança e de falta de representação.

Na quase totalidade dos países, a eleição para o Parlamento se dá por meio de dois sistemas: distrital ou proporcional com lista fechada. No distrital, o país é dividido em tantos distritos quantas são as cadeiras em disputa; em cada distrito, trava-se uma eleição majoritária, na qual o vencedor é o candidato mais votado.

Nessas eleições distritais, o eleitorado é limitado, os candidatos são conhecidos dos eleitores e o número total de candidatos é naturalmente pequeno. O vínculo entre o eleito e o eleitorado é muito forte, e permanece vivo durante todo o exercício do mandato — ao contrário do nosso sistema brasileiro, no qual, passados poucos meses a maioria dos eleitores sequer se lembra em quem votou.

O outro sistema, que vigora na Espanha, por exemplo, é o proporcional com lista fechada. Cada partido propõe ao eleitorado uma lista preordenada com o número de cadeiras em disputa. Apurados os votos partidários, e definido o número de cadeiras obtidas pelo partido, serão considerados eleitos os deputados, pela ordem com que estão relacionados na lista. O voto é no partido, sua plataforma, seus valores. O resultado eleitoral tem uma consequência transparente e induvidosa.

Nesses dois sistemas, as eleições descobrem a maioria política e a conduta dessa maioria é forçosamente coerente e fiel à vontade dos eleitores.

Desfuncionalidade

No Brasil, tudo é diferente. O deputado disputa o voto em todo o estado. Em São Paulo, por exemplo, os deputados são eleitos por 35 milhões de eleitores. Eleitores e candidatos não têm como se conhecer e não se estabelece entre eles vínculo de qualquer natureza. Se o voto fosse distrital, o eleitorado seria limitado a 500 mil, o tamanho de uma cidade média.

As cadeiras são atribuídas aos partidos, mas o voto é dado no candidato, sendo eleitos os mais votados da lista. O sistema todo é voltado para o candidato e não para o partido. Assim, o sistema não cria vínculo do eleitor com o eleito, nem desse com a legenda.

O sistema favorece a extrema fragmentação partidária e elege deputados inteiramente autônomos, livres para mudar de lado, sem qualquer consideração com a vontade de quem o elegeu. Como o governo do país depende tanto do presidente quanto do parlamento, é preciso formar uma maioria de qualquer jeito. O caminho que existe é negociar o interesse individual dos deputados e tentar governar com essas maiorias sem alma e sem responsabilidade, renunciando a qualquer ação transformadora que mude o país. Não é o povo que escolhe a maioria.

Esse é o destino de todos os nossos governos, qualquer que seja sua inclinação política e qualquer que seja o apoio que tenha da população. A mudança do sistema eleitoral é a única porta que nos resta para mudar o país. Precisamos nos acostumar com esta ideia.

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