A ex-presidente brasileira e atual chefe do New Development Bank (NDB) - conhecido como "Banco do Brics" -, Dilma Rousseff, se reuniu nesta quarta-feira (26/7) com o presidente da Rússia, Vladimir Putin.
Dilma acompanha as atividades da Cúpula Rússia-África, um fórum econômico que reúne diversos líderes mundiais em São Petersburgo, e aproveitou para marcar reuniões bilaterais com Putin e o presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa.
Segundo sua equipe, o objetivo dos encontros é discutir a próxima Cúpula do Brics, marcada para 22 a 24 de agosto em Joanesburgo, e temas como a expansão de membros do NDB.
Instituída para ser uma alternativa às fontes tradicionais de financiamento, a organização inclui os membros do grupo (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), além de Bangladesh, Egito e Emirados Árabes Unidos.
Em nota, Dilma negou que um dos tópicos discutidos no encontro com Putin seja a concessão de empréstimos a Moscou pelo NDB.
Mas afinal, qual o interesse atual da Rússia com o banco e o próprio Brics?
Segundo analistas consultados pela BBC News Brasil, o principal laço que une o Kremlin aos demais membros é econômico: isolados desde a invasão da Ucrânia, o governo russo tem contado com China e Índia para mitigar os efeitos das fortes sanções econômicas impostas pela Europa Ocidental e pelos Estados Unidos.
Além disso, Putin vê no Brics uma boa oportunidade para tentar difundir sua narrativa sobre o atual conflito e encontrar novos parceiros.
"Considerando a atual situação volátil da Rússia, que está isolada e precisa de aliados, os (países do) Brics se tornam mais importantes", diz Junuguru Srinivas, professor da Universidade Woxsen, na Índia, e estudioso do tema.
Driblar as sanções
Segundo Srinivas, como a Rússia está impossibilitada de receber ajuda direta devido às sanções e pressão da comunidade internacional, precisa de parceiros dispostos a fazer negócios.
"A única fonte de recursos financeiros da Rússia hoje é a venda de energia. E quais países são hoje extremamente dependentes da energia russa? China e Índia", diz.
Moscou teria oferecido descontos a Pequim em seus preços de petróleo e gás, o que abriu aos russos um enorme mercado até então não explorado.
A Rússia também se voltou para a Índia: antes da invasão da Ucrânia, apenas 1% das suas exportações de petróleo eram destinadas ao país. Em maio de 2022, elas já correspondiam a 18%.
Em 19 de junho, em discurso virtual durante a abertura do fórum de negócios do Brics, Putin deixou claro que enviar seus produtos para os demais membros do grupo, especialmente os dois vizinhos asiáticos, é a estratégia da Rússia para driblar as sanções.
Enquanto vende derivados de petróleo a chineses e indianos, Putin citou a possibilidade de aumentar a presença de carros chineses no país e a abertura de lojas de uma rede indiana de supermercados.
"As entregas de petróleo russo para China e Índia estão aumentando. E a cooperação agrícola tem se desenvolvido dinamicamente", disse Putin, o principal responsável pelas remessas de fertilizantes para os países do Brics.
Além disso, junto aos demais membros do bloco, os russos têm avançado para diminuir sua dependência financeira de dólar e euro nas transações internacionais.
Em janeiro deste ano, as reservas internacionais da Rússia, em moeda estrangeira e ouro, chegaram a níveis recordes, valendo mais de US$ 630 bilhões.
Essa é a quarta maior reserva do mundo e poderia ser usada para ajudar a sustentar a moeda da Rússia, o rublo, por um tempo considerável.
Nos últimos anos, o governo tem reduzido consideravelmente a porcentagem de divisas mantidas em dólares, justamente para proteger a Rússia de sanções ao máximo possível.
Segundo Cristian Nitoiu, professor da Universidade Loughborough Londres, esse é um ponto de convergência entre Moscou e os demais membros do Brics.
O grupo tem debatido alternativas à dependência do dólar e, em maio deste ano, o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva disse "sonhar" com uma moeda comum para o bloco.
"Os países do Brics têm sido bastante transparentes sobre sua intenção de abandonar o dólar", diz Nitoiu. "Há dois ou três anos, a moeda ainda era usada em transações entre Rússia e Índia e até Rússia e China. Isso não acontece mais, obviamente."
Especialistas, porém, não acreditam que o grupo de países conseguirá abandonar a moeda americana tão cedo.
"Os cinco países têm muito possivelmente visões diferentes sobre como esse objetivo pode ser alcançado, assim como interesses diferentes com isso, o que pode dificultar", diz Cristian Nitoiu.
Difusão de uma narrativa
Os analistas consultados pela reportagem afirmam acreditar também que a relação russa com os demais países do Brics é vista como mais uma oportunidade para o Kremlin projetar sua política externa e disseminar sua própria visão de mundo.
"A Rússia está isolada e esses países são ativos importantes para as relações internacionais nesse momento", diz Junuguru Srinivas.
Desde o início da guerra na Ucrânia, Pequim é vista como o principal parceiro de Moscou.
Para além da aliança econômica, o governo chinês aposta em um discurso de amizade e troca de elogios com os russos, ao mesmo tempo em que reforça seu apoio à paz e à defesa da soberania.
A Índia também vem se abstendo em fóruns internacionais durante discussões de propostas de condenação à Rússia.
Já Brasil e África do Sul adotam uma postura mais neutra, com declarações do presidente Lula que provocaram fortes reações negativas por parte de Estados Unidos e União Europeia.
"Enquanto China e Índia são apontados como aliados mais ativos, Brasil e África do Sul são neutros. Mas de toda maneira, nenhum deles faz parte do grupo que condena vocalmente a atuação russa, o que já é uma abertura", explica Srinivas.
Tanto que Vladimir Putin cogitava comparecer presencialmente à cúpula de Joanesburgo no final de agosto, mas confirmou que participará apenas virtualmente para evitar conflitos envolvendo o Tribunal Penal Internacional (TPI).
Em março, o TPI emitiu um mandado de prisão contra Putin, acusando-o do crime de guerra em casos de deportação de crianças da Ucrânia. E como membro da corte, a África do Sul teoricamente teria que cumprir a ordem de detenção.
Por isso, apenas o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, deve comparecer presencialmente como representante do país.
"A Rússia conta mais com Índia e China para o apoio econômico, mas Brasil e África do Sul também são importantes, até porque eles poderiam servir como porta-vozes da narrativa do Kremlin em seus respectivos continentes", diz Cristian Nitoiu.
"É uma forma de reunir legitimidade."