Na visita à Europa, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reiterou a defesa de neutralidade das nações latinas ante a guerra entre Rússia e Ucrânia e criou uma indisposição com o presidente do Chile, Gabriel Boric.
A postura de Lula a respeito do conflito foi majoritariamente adotada na declaração conjunta emitida após a 3ª reunião de Cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) e União Europeia, em Bruxelas, na Bélgica.
A decisão, porém, não foi unânime e deixou insatisfeitos. Boric lamentou que a carta não tenha condenado explicitamente as ações da Rússia. Em resposta, Lula chamou o presidente do Chile de "sequioso" e "apressado". Afirmou que o colega não está acostumado a participar de tratativas internacionais.
"Não tenho que concordar com o Boric, é uma visão dele. Acho que a reunião foi extraordinária. Possivelmente, a falta de costume de participar dessas reuniões faça com que um jovem seja mais sequioso, mais apressado. Mas as coisas acontecem assim", respondeu o petista ao ser questionado pela imprensa sobre as declarações do presidente do Chile, de 37 anos.
O brasileiro vê o documento conjunto como "extremamente razoável" e que atende ao interesse de "todo mundo". Boric, segundo ele, tem mais "ansiedade" do que os outros líderes do bloco.
Em resposta, Boric disse não ter se ofendido com as declarações do presidente brasileiro. "Eu respeito e amo muito o Lula, mas acredito que temos de ser muito claros ao afirmar que esta é uma guerra de agressões inaceitáveis", enfatizou. "Hoje, podemos ter diferenças em relação a isso (...), e não tenho dúvidas de que ambos buscamos a paz."
O petista voltou a ressaltar que quer criar um grupo de países para discutir a possibilidade de paz, incluindo China, Indonésia e América Latina.
"Está havendo um cansaço. O mundo começa a cansar. Então, vai chegar o momento em que vai ter paz. Não acho que a reunião tomou tempo demais. Tomou o tempo necessário", acrescentou.
A guerra, porém, tornou-se o tema mais espinhoso do encontro, que durou dois dias. O ponto mais complicado foi a redação do texto. Boric se mostrou o defensor latino mais ferrenho de uma condenação à Rússia, o que se alinha com os interesses europeus. Cuba, Venezuela e Nicarágua, por sua vez, se solidarizam com o governo de Putin.
Cuba e Venezuela eventualmente concordaram com a carta. A Nicarágua, porém, apoiadora declarada da invasão, boicotou o trecho que se solidariza com a Ucrânia. A passagem foi a única com um asterisco, destacando que o país não concorda com o parágrafo que trata do país invadido.
Líderes europeus também esperavam que a Celac embarcasse nas condenações à Rússia e, portanto, ficaram frustrados com a decisão.
Logo no início da agenda, o primeiro-ministro de Luxemburgo, Xavier Bettel, disse que seria "uma pena" se não houvesse consenso sobre a agressão russa. Já o premiê irlandês, Leo Varadkar, chegou a mencionar que "seria melhor não ter conclusões do que ter uma linguagem fraca, que não significa nada".
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Venezuela
A mudança da posição de Lula em relação à Venezuela, porém, foi bem recebida. Embora tenha defendido, por diversas vezes, que o país tem pleito justo e até "mais eleições do que o Brasil", o presidente se juntou a líderes europeus e latino-americanos para pedir que o governo de Nicolás Maduro chegue a um acordo com a oposição para realizar eleições abertas e transparentes, incluindo observadores internacionais.
Ao comentar as negociações, Lula reforçou o posicionamento e criticou as sanções impostas contra a Venezuela. "Se eles se entenderem com relação à regra e à data das eleições, acho que temos a autoridade moral para pedir o fim das sanções. Mas também (a reunião) foi numa boa. Não houve qualquer problema maior que trouxesse nervosismo. Sei que as pessoas saíram felizes com o resultado", comentou.
Ele frisou, no entanto, que o encontro reforça o que sempre disse: o problema da Venezuela deve ser resolvido pelo povo venezuelano, e outros países não podem interferir.
O regime de Maduro é alvo de uma série de denúncias de tortura e prisão de opositores. Recentemente, inclusive, retirou da corrida a principal pré-candidata, Maria Corina Machado, ao cassar os seus direitos políticos por 15 anos.
"O que eu sinto? Depois de tanta briga, todo mundo está cansado. Sinto que a Venezuela está cansada. O povo quer encontrar uma solução. É bom você brigar um mês, dois meses, um ano, dois anos, quatro anos… Mas a vida inteira? Gostei da reunião, não esperava resultado", avaliou o petista.
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