A União Nacional dos Estudantes (UNE) se reaproxima timidamente do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em ato que simboliza esta reconexão, após anos de antagonismo, a entidade entregou, na última quinta-feira, uma carta com reivindicações para a educação. Os diversos grupos abarcados dentro do movimento se unem em torno de uma pauta comum: a revogação da reforma do Ensino Médio (EM).
"Foram quatro anos simplesmente de resistência, de a gente ir para rua para que não tirassem o que já existia. Agora, a gente cria uma perspectiva de que a democracia pode avançar", destaca a então presidente da UNE, Bruna Brelaz a respeito da entrega da carta, feita durante o 59º Congresso da UNE, que reuniu cerca de 15 mil pessoas. A votação para a eleição de sua sucessora ocorreu durante o encontro
O ato trouxe um tom de reconciliação e ampliação do diálogo em busca de que os objetivos comuns para a pauta da educação sejam alcançados. "A sua presença, presidente, é a demonstração concreta de que a luta dos estudantes na defesa da democracia deu certo, que derrotamos o projeto que pretendia combater nossas liberdades democráticas, sabendo que ainda temos muitos desafios, na reconstrução do Brasil, na união de brasileiras e brasileiros e no combate à extrema-direita, à desinformação e ao ódio propagado por aqueles que não querem ver nosso povo de pé e feliz", diz trecho da carta dos estudantes.
Norma
No governo do ex-presidente Michel Temer (MDB), em 2017, a lei que alterou as diretrizes e bases da Educação Nacional foi aprovada em forma de Medida Provisória (MP). O ensino médio passou, então, a ter maior carga horária, base curricular flexível — em que o aluno escolhe a área que tem mais afinidade — e uma formação voltada à profissionalização.
As mudanças sempre foram criticadas pelo movimento estudantil, que viu, na volta de Lula à presidência da República, uma janela de oportunidade para retomar o debate. A falta de estrutura para essas mudanças nas escolas públicas e de preparação dos professores para darem aulas com conteúdo diferente de suas formações estão entre as principais críticas dos estudantes apresentadas na carta.
O professor doutor em educação e reformas educacionais pela PUC-SP, Celso João Ferretti, aponta que o ensino médio fornece uma "fictícia liberdade de escolha aos alunos das escolas públicas de EM que não têm condições, nem em termos de estrutura, nem de docentes, nem de equipamentos para concretizar tais escolhas". É o que reforça Bruna Brelaz: "O Ensino Médio que está em vigor hoje supervaloriza quem tem mais condições econômicas", afirma.
Suspensão
O ministro da Educação, Camilo Santana, chegou a suspender em abril a reforma do EM. Na ocasião, defendeu que o modelo seja revisto e discutido, mas descartou a intenção de revogar de maneira permanente as mudanças. Uma das críticas de Camilo é a falta de debate com a comunidade escolar na criação do formato. A tendência é que o governo faça ajustes a partir dos resultados obtidos na consulta.
A carta apresentada ao presidente Lula pela UNE foi uma maneira de reforçar o pedido de revogação, além de solicitar outras demandas da educação. Na ocasião, Lula afirmou que acataria a todos pedidos - que incluem assuntos como a permanência nas universidades públicas, o incentivo à pesquisa e extensão e a tão pedida revogação. Sem citar diretamente o tema, o presidente qualificou como "extraordinária" a carta de reivindicações apresentada pela UNE.
Em nota, o Ministério da Educação (MEC) afirmou ao Correio que está em processo de analisar a consulta pública que foi realizada entre abril e julho deste ano a respeito da revogação do novo Ensino Médio. "Foram quase quatro meses de intenso diálogo com a comunidade escolar sobre possíveis mudanças no ensino médio, em seu modelo em vigor desde 2022. [...] Com o relatório feito, técnicos do Ministério trabalharão na construção de uma proposta de reestruturação do ensino médio". A consulta pública recebeu 150 mil contribuições via plataforma virtual. A pesquisa foi realizada por meio de um canal de Whatsapp.
Na prática
Pela lei, a implementação deve ser feita de forma escalonada até 2024. Em 2022, a implementação começou pelo 1º ano do ensino médio com a ampliação da carga horária para, pelo menos, cinco horas diárias. Para que o novo modelo seja possível, as escolas devem ampliar a carga horária para 1,4 mil horas anuais, o que equivale a sete horas diárias, define a legislação. Isso deve ocorrer aos poucos.
Em 2023, a implementação deveria seguir com o 1º e 2º anos e os itinerários devem começar a ser implementados na maior parte das escolas. O fluxo foi interrompido pela suspensão feita pelo governo. Em 2024, a previsão é que o ciclo de implementação esteja concluído, com os três anos do Ensino Médio em funcionamento.
O "novo ensino médio", segundo Ferretti, produziu "um caos institucional e pedagógico". Durante as eleições, o tema também foi pauta entre os candidatos e promessa eleitoral. Madalena Peixoto, também doutora em educação, esteve na equipe de transição de Lula. De acordo com ela, foi montado um cronograma das ações que deveriam ser feitas para revogar a reforma do Ensino Médio e construir um novo projeto. Ela comenta que, na época, "o MEC estava totalmente desestruturado e não acompanhou a reforma que foi feita".
Para Madalena, mesmo que a consulta tenha sido feita, ainda é necessário revogar o que está acontecendo neste momento no Ensino Médio. Ferretti endossa a ideia e afirma que, rapidamente, o que pode ser feito para melhorar o ensino médio neste momento seria "o retorno do estudo de cada área do conhecimento". (Com Agência Brasil)