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Reforma tributária: Lula busca atenuar interesses do Planalto e dos partidos

"Quem é que acreditava que a gente fosse aprovar a reforma tributária com a pressa que a gente aprovou na Câmara? Quem imaginava que a gente fosse aprovar o Carf?", questionou Lula, citando o projeto que prevê o voto de desempate a favor do governo para disputas tributárias

Após uma semana de sucesso e intensa articulação política no Congresso Nacional, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva declarou ontem que nenhum parlamentar “fez favor” para ele ou para o governo, durante a votação da reforma tributária e o voto de qualidade do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Porém, para aprovar as matérias no curto espaço de tempo disponível, o governo federal teve que liberar bilhões em emendas parlamentares e negociar espaços na Esplanada dos Ministérios.

“Quem é que acreditava que a gente fosse aprovar a reforma tributária com a pressa que a gente aprovou na Câmara? Quem imaginava que a gente fosse aprovar o Carf?”, questionou Lula, citando o projeto que prevê o voto de desempate a favor do governo para disputas tributárias, que sofreu forte resistência no Legislativo. Uma Medida Provisória (MP) com o mesmo tema chegou a caducar.

"Às vezes, depois de dois não, acontece um sim. A política é isso. É a gente fazer com que as coisas impossíveis aconteçam. Nenhum deputado, nenhum senador fez favor para mim e nenhum favor para o governo, porque o projeto é da sociedade brasileira. Os senadores e deputados fizeram favor para quem? Para a própria imagem do Congresso Nacional, e do povo brasileiro", acrescentou o presidente.

Apesar do comentário, na semana passada Lula recebeu diversos parlamentares para agradecer a aprovação da reforma tributária, entre eles, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e diversos deputados líderes de partidos do centrão. Mas o convite para a celebração no Alvorada não foi o único gesto do presidente. Lula ainda sinalizou estar disposto a ceder espaço a PP e Republicanos em ministérios e na presidência de órgãos públicos. Até o momento, estão na mira do centrão os ministérios do Desenvolvimento Social e do Esporte e as presidências da Caixa Econômica Federal e da Funasa.

Segundo o presidente do Republicanos, o deputado Marcos Pereira (SP), concorda que a reforma tributária foi importante para o país, mas ressaltou que o protagonismo da aprovação da proposta é do Congresso. Ele ainda ressaltou que os gestos de Lula são mais para pavimentar o futuro do governo do que um agradecimento pela reforma.

“Foi uma reforma do país e do Congresso. Não fosse a atuação do Congresso ela não teria sido aprovada. Acho que os gestos tratam menos de gratidão pela reforma, mas sim de pensar no futuro do governo, de pavimentar governabilidade”, disse Marcos Pereira.

Já o deputado Duarte (PSB-MA), entende que Lula é sim grato ao Congresso e que as conversas do governo com os partidos de centro e até de oposição estão evoluindo.

“Acho que ele está grato sim, a palavra foi mal empregada. Não à toa que teve esse acordo com líderes parlamentares de centro, de direita e até de extrema direita. Mesmo que o foco tenha sido dizer que o projeto era importante para o Brasil algumas palavras podem gerar algum comentário. Talvez a palavra tenha sido mal empregada, mas não fosse o esforço do governo e do Congresso a reforma não tinha sido aprovada”, disse o deputado governista.

O início da relação da gestão Lula III com o Congresso foi conturbada. Os parlamentares chegaram a ameaçar deixar a MP que reestruturou os ministérios caducar, algo inédito, o que retomaria a configuração do governo passado. À época, parlamentares reclamaram da falta de liberação de emendas por parte dos ministérios e da falta de diálogo com o Executivo. Nos bastidores, partidos do Centrão também começaram a reivindicar postos no governo. Até o União Brasil, dono de três ministérios, pressionou Lula e chegou a dar menos votos do que legendas de oposição. Após intensas articulações, o governo conseguiu aprovar a MP e escapar de uma intensa crise.

Durante o esforço concentrado convocado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), na semana passada para aprovar a reforma e o voto de qualidade do Carf, Lula desembolsou níveis recordes de emendas. Apenas no dia anterior à aprovação foram R$ 5,3 bilhões reservados no Orçamento. O total, durante a semana, superou R$ 8 bilhões, mais do que o dobro do que o valor expedido de janeiro a junho de 2023.

Apesar de Lula e do ministro da Secretaria de Relações Institucionais (SRI), Alexandre Padilha, negarem que a liberação dos recursos esteja relacionada à aprovação das medidas, é inegável a mudança de humor dos parlamentares após receberem as verbas. Por sinal, 20 integrantes do PL, legenda mais ferrenha da oposição, votaram a favor da reforma, abrindo um racha no partido. Parlamentares de diversos partidos de centro, sejam os aliados como MDB e PSD e neutros como União Brasil, PP e Republicanos também reforçam a melhoria na relação entre governo e parlamento.

Lula também negocia cargos e já sinaliza uma reforma ministerial para acomodar o Centrão. A expectativa é que, com uma base mais ampla integrando o governo, o presidente não dependerá tanto da liberação de emendas para ter resultados positivos no Congresso. Além do Ministério do Turismo, que continuará com o União Brasil, apesar da troca de chefia, o Ministério dos Esportes, e do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome já estão na mira, além da Caixa Econômica Federal e da Fundação Nacional da Saúde (Funasa) – essa última um conhecido “cabide de empregos” por indicações políticas do Centrão, que Lula até tentou extinguir.

A expectativa é que a reforma ministerial ocorra no início do segundo semestre, talvez em agosto. Ontem, a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, deu um recado sobre a mudança, em conversa com jornalistas do Planalto. “Se tiver uma mudança ministerial, vamos torcer para que sejam colocadas mulheres. Se não nesses postos, em outros cargos”, frisou a ministra. Dois dos alvos de fritura pelo Centrão até o momento são mulheres: Nísia Trindade, da Saúde, e Ana Moser, do Esporte. Por enquanto, a troca na Saúde parece estar descartada pelo próprio Lula.

 

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Para "alinhar o trabalho"

O senador Eduardo Braga (MDB-AM), relator da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da reforma tributária, prometeu para outubro a votação do seu parecer final no Senado, com promulgação até dezembro. Braga, juntamente com o relator da matéria na Câmara, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) , reuniram-se ontem com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

Segundo o ministro, o encontro teve o objetivo de "alinhar o trabalho" entre o governo e o Parlamento, para que possa passar por um amplo debate e a matéria ser aprovada o mais rapidamente possível. "Quanto mais esclarecedor for o debate, quanto mais transparente for a discussão e quanto mais a Receita Federal e a secretaria Extraordinária (da Reforma Tributária) estiverem a serviço dos senadores, mais rápida será a tramitação".

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), já informou que a reforma será votada, primeiro, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa. No plenário, passará por votação em dois turnos, precisando de, no mínimo, 49 votos favoráveis para ser aprovada.

Após a votação no Senado — casa revisora —, o texto retornará para nova apreciação na Câmara. "O nosso objetivo é, até o final de outubro, poder entregar à Câmara uma contribuição do Senado para que, até o final do ano, o Brasil possa ter o compromisso realizado, aprovado e promulgado pelo Congresso Nacional", disse o relator da matéria no Senado.

Braga afirmou estar confiante na aprovação no senado porque "essa é uma reforma que o Brasil quer e que o Brasil precisa para gerar emprego, voltar a crescer e fazer com que a economia tenha um crescimento sustentável".

Os três evitaram comentar detalhes do encaminhamento da proposta no Senado. Segundo Ribeiro, desde a aprovação na Câmara, na última sexta-feira, "houve muita especulação", por isso eles aguardam a volta do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), quando ocorrerá a assinatura do texto definitivo, para comentar possíveis alterações.

Braga foi indicado na terça-feira por Pacheco para ser relator da reforma tributária na Casa. A tramitação da matéria, no entanto, só começará em agosto, após o recesso parlamentar, já que o texto final aprovado pela Câmara ainda não foi encaminhado formalmente para o Senado.

Vetos e créditos aprovados pelo Congresso

O Congresso Nacional apreciou ontem, na última sessão antes do recesso parlamentar, uma série de vetos presidenciais e pedidos de concessão de créditos adicionais. Na pauta, constavam 22 vetos a serem analisados. No entanto, um acordo entre os líderes partidários levou ao plenário apenas cinco: três editados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e dois de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Os demais ficaram para o retorno dos parlamentares, em agosto. Sete créditos extra também foram aprovados.

Os projetos de lei (PLNs) foram aprovados pela Comissão Mista de Orçamento (CMO) mais cedo, antes de irem para o plenário, e os recursos para os créditos vêm de remanejamentos dentro do Orçamento de 2023 ou do cancelamento de despesas. Os projetos abrem o Orçamento Fiscal da União para créditos especiais, que são recursos para despesas que não estão previstas, e suplementar, uma espécie de reforço ao gasto já previsto.

Ao todo, os projetos abrem créditos de R$ 3,5 bilhões no Orçamento de 2023; além de autorizar um reajuste de 18% para as forças de segurança do Distrito Federal, parcelado em duas vezes (PLN 12/23) (Leia mais na página 13).

Os montantes são destinados em favor de Operações Oficiais de Crédito, bem como em favor dos Ministérios da Educação; da Justiça e Segurança Pública; dos Transportes; e de Portos e Aeroportos e demais órgãos do Executivo. Um dos objetivos dos créditos é a construção de rodovias. Além disso, há a previsão de que parte da verba seja destinada a transferências a Estados, Distrito Federal e Municípios.

Entre os créditos especiais aprovados, está o que destina R$ 3 bilhões — a maior quantia aprovada ontem — aos estados e municípios, para o atendimento da Lei Aldir Blanc 2, de fomento à cultura, com repasses anuais para ações no setor.

Já entre os créditos suplementares, está o segundo maior montante aprovado ontem, de R$ 497,9 milhões para órgãos como a Agência Espacial Brasileira, Polícia Federal e Instituto Brasileiro de Museus.

Vetos presidenciais

Foi mantido o veto editado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) à Lei do Novo Fundo Geral de Turismo (Fungetur), que amplia atividades financiáveis com o recurso. Bolsonaro sancionou esta lei com 29 vetos, o que acabou reduzindo o alcance da norma.

Os parlamentares também mantiveram o veto à Lei 14.513/22, que ampliou de 15 de outubro para 30 de novembro de 2022, o prazo final para o encaminhamento de projetos de lei de abertura de créditos suplementares e especiais ao Congresso Nacional. Bolsonaro barrou — e o Congresso ratificou — dispositivos que incluíam, entre outros pontos, a permissão para empenhar recursos não usados em anos anteriores ao longo de 2023.

O Congresso rejeitou o veto à Lei 14.514/22, que permite a atuação da iniciativa privada na pesquisa e lavra de minérios nucleares, mantendo o monopólio da atividade nas Indústrias Nucleares do Brasil S.A. (INB).

Para o deputado Carlos Zarattini (PT-SP), por trás da derrubada do veto, há a intenção de melhorar a eficiência energética do país. "É um programa importante do setor elétrico, para favorecer principalmente a população de baixa renda, que não tem acesso a equipamentos mais eficientes, como lâmpadas econômicas, chuveiros econômicos, principalmente agora a energia solar".

Do governo Lula, os parlamentares mantiveram parcialmente o veto à lei que amplia o programa de qualidade de vida dos profissionais de segurança pública, o Pró-Vida.